Por Leonor Bianchi
Esta semana todo Brasil está voltado para Brasília em função da votação do Impeachment da presidente Dilma Roussef pela Câmara dos Deputados. Porém, o que levou a Revista do Choro à capital federal não foi o importante e decisivo quadro político que enfrentamos, mas sim o choro, a música e a esperança nas novas gerações e em dias mais justos para todos os (trabalhadores) brasileiros. Fui até Brasília, virtualmente, na emblemática e histórica sexta-feira, 15 de abril, para conversar com o talentoso bandolinista Ian Coury, que, aos 14 anos vem se destacando no cenário do choro com sua performance ao bandolim e suas composições voltadas para o choro.
É bom ver que, assim como as discussões sobre o cenário político no Brasil tem sido um tema cada vez mais presente na vida dos jovens brasileiros, o choro também venha despertando os corações e a sensibilidade dessa turma, ajudando a romper com aquele velho paradigma que diz: ‘política não se discute’, e ‘choro é coisa de velho’.
Nossa conversa durou 45 minutos e, durante boa parte da entrevista, fomos acompanhados pelos ouvidos atentos de sua mãe, e também produtora, Claudia Coury.
“Meus pais são meus maiores incentivadores”, disse o instrumentista, que viajará este ano novamente para Boston (EUA), – ano passado ele esteve lá pela primeira vez -, para um curso de cinco semanas, na Berklee College of Music, com o apoio dos pais e da bolsa de estudos que conquistou depois de ter seis cartas de recomendação. Aproveitando a estada por lá, no dia 6 de agosto, Ian fará uma apresentação em Boston, onde vai tocar choro, MPB e bossa nova.
Apoio e amor afirmados ao final da entrevista, quando Claudia, orgulhosa, disse:
“Fazemos tudo para ajudar na formação do Ian. Primeiro, porque ele ama o que faz; tocar choro; e depois, porque a gente sente que vale a pena, pois não é todo dia que podemos ver essa postura madura e consciente num jovem da idade dele”, disse Claudia num tom muito mais materno do que de produtora.
E o choro tocou o coração de um jovem…
Conversar com Ian é estar diante das exceções, onde a regra não se apresenta, mas sim a singularidade. Geralmente, crianças gostam de músicas feitas para crianças; adolescentes, de rock, alguns de MPB… e muitos de funk. Ian curte choro! Em uma entrevista, há uns três anos, ele contou que ouvia muito Cássia Eller com o pai quando ainda era bem criança, mas hoje diz que essa fase é passado. Sem menosprezar a cantora roqueira que ele admira, sua praia agora é outra, e ele tem despertado atentamente para muitos outros sons. Quando perguntei como o choro chegou até ele, como o choro tocou seu coração, Ian me surpreendeu e disse: – Foi algo muito natural… Segundo ele, o cavaco, instrumento que tocou e estudou durante cerca de um ano antes de voltar-se à prática do bandolim, foi responsável por sua aproximação com o gênero.
“O choro veio ao meu encontro. Eu queria tocar rock, guitarra, bateria, mas meu pai me falou para eu fazer aulas de cavaquinho. Eu conhecia muito pouco sobre choro nessa época, mas meu professor era chorão, tocava choro. Conhecia pouca coisa sobre choro, poucas músicas… Era Carinhoso… e olhe lá! Nessa época comecei a tirar uns choros no cavaquinho. Fui aprimorando meu conhecimento, ouvindo outros estilos musicais, mas o choro me puxou; eu não fui atrás. Eu conheci o choro e acabei gostando muito mais do que o rock. Eu me envolvi com o choro. Quando voltei de minha primeira viagem para Berklee College of Music comecei a ouvir outras coisas, como jazz, sertanejo… mas o meu gênero é o choro”, afirmou Ian.
Composições
A face criativa e poética de Ian está aflorando assim como sua espontaneidade ao instrumento, revelada mais cedo e mais conhecida, digamos assim, pelo público. Mas além de tocar, Ian também compõem. Na medida em que se desenvolve musicalmente e interiormente ante a música e ao mundo, novas inspirações vão surgindo e com elas, novas composições. É uma fase mágica e ele parece já saber disso. Aos 10 anos já compunha, mas, recentemente, segundo ele, cada vez mais as composições ‘têm vindo’ de forma natural. De seu repertório autoral destacam-se Escaleando, Mãe e Pai, e Vida.
“A primeira música que compus foi Escaleando. Depois fiz Mãe e Pai, cujo nome já diz tudo… foi feita para os meus pais; e fiz Vida, que só toquei uma vez publicamente. Já estou compondo outras músicas e com ideias para outras mais…”, diz o jovem compositor de choro.
Quando pergunto qual foi a primeira música que ele tocou no cavaco, a resposta é: Feitiço da Vila, de Noel Rosa. E no bandolim?
“No bandolim foi Carinhoso, de Pixinguinha”, lembra Ian.
A nova geração do choro de Brasília
Nascido em Brasília, Ian está seguindo uma senda aberta e afirmada há pelo menos duas gerações anteriores a dele, em Brasília, ou seja, estudar na Escola de Choro Raphael Rabello, sediada no Clube do Choro de Brasília; uma escola fundada por grandes chorões da geração atual, como Hamilton de Holanda, por exemplo, uma das maiores referências do jovem Ian.
Suas grandes referências no bandolim e no choro são Jacob do Bandolim, Luperce Miranda, Hamilton de Holanda, Dudu Maia, Victor Angeleas, Rafael Ferrari, Danilo Brito, Luis Barcelos…
“São muitos os músicos que admiro e que sigo a trajetória; a carreira. Falar agora não sabia todos. Já estive com o Danilo, com o Luis Barcellos; Hamilton é meu amigo…”, reveleou Ian, que tem participado das últimas edições do projeto Bandolim Solidário com seu guru Hamilton de Holanda.
“Sinto-me muito bem ajudando as crianças uma vez que toda renda do show vai para a Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace). Acho um trabalho muito bonito esse que o Hamilton vem fazendo. Minha relação com o Hamilton é de muita conversa sobre choro, técnicas, escalas… Adoro tocar com ele. Ele passa uma confiança muito grande quando você está tocando com ele no palco”, disse o jovem estudante de bandolim, que já ‘tirou’ cinco Caprichos do Hamilton…
“Não sei se sou uma referência, mas tento ser”
Compositor, instrumentista e chorão convicto, Ian é um adolescente como todos os demais de sua turma na escola, porém, o fato de tocar choro causa certo estranhamento entre os amigos, que confundem choro com samba e nem dão atenção ao gênero; preferem ouvir funk, segundo ele.
Com a frase do intertítulo Ian sintetizou minha pergunta quanto questionei sobre a postura dos amigos de escola quando sabem que ele é um chorão, gosta de escutar música instrumental e toca bandolim. O instrumentista contou que quando fala na escola que toca choro, alguns brincam dizendo: “- Ah, você toca choro, fica chorando… assim?” E fazem aquele gesto com os dedos indicadores dobrados fugindo enxugar lágrimas dos olhos.
E as brincadeiras são muito naturais entre os jovens nessa idade. Ainda bem que elas existem, mas o ideal seria mesmo que a turma da escola do Ian gostasse realmente de ouvir choro, e isso até que tem acontecido. Ele conta, que ao mesmo tempo em que há essas brincadeiras saudáveis dos amigos, há também uma galera mais antenada, mais sensível e mais aberta a conhecer coisas novas, coisas boas; e para essa galera ele já é uma referência, já que muitos dos amigos que nem sabiam o que era choro se aproximaram do gênero (e até de música instrumental, ele disse) depois que souberam que ele tocava chorinho.
“Só dos meus amigos me ouvirem tocar choro, acho que eles já se sentem inspirados para escutarem música instrumental. Às vezes, quando estamos juntos e rola aquela música, cada um quer ouvir um tipo de som, e eu coloco uma música mais cultural, sinto que eles acabam gostando, baixando no Iphone… Eu não sei se sou uma referência, mas tento ser”, disse Ian.
O bandolim de Ian
O instrumento que Ian usa foi feito pelo luthier Pedro Santos, que em sua opinião está entre os melhores do Brasil.
“Quem me indicou o Pedro Santos foi meu professor Marcelo Lima, com quem estudei por quatro anos e por quem tenho grande estima. Toco bandolim de 10 cordas. Hoje em dia, o melhor bandolim de 10 cordas custa muito caro. Há uns três anos, custava cerca de 13 mil reais; hoje, custa R$ 40 mil; não tenho condições de comprar esse instrumento. Como atualmente a maioria dos bandolinistas brasileiros está fazendo seus instrumentos com o Pedro Santos, resolvi seguir os conselhos do meu professor e a experiência dos mais velhos e fiz meu bandolim com ele também”, contou Ian.
O estudo do instrumento
Atualmente, Ian dedica-se ao estudo do bandolim durante três horas diárias, o que é pouco para um músico. Porém, temos que pensar que estamos falando da rotina de um adolescente de 14 anos, que está na escola e precisa viver uma vida normal sem amarras e metodologias agressivas de ensino e aprendizagem.
“Este ano está sendo bem complicado na escola, mas eu nunca deixo de estudar e manter boas notas. Estudo três horas de bandolim todos os dias, mas isso é pouco.
Hoje tenho dois professores de música: Fernando César (violão de 7), que é o meu mentor; faz minhas produções musicas, vai comigo tocar nos barzinhos, e o Victor Angeleas, que está me dando aulas na Escola de Música Raphael Rabello”, disse o jovem estudante de choro.
Primeiro CD a caminho
Ian já está planejando a gravação do seu primeiro CD, mas ainda não tem data para começar a produção do mesmo. Tentamos apontar para possíveis composições que ele viria interpretar no disco, mas preferimos deixar o papo mais pra frente, já que o estudo de repertório está no começo e Ian quer fazer o disco com bastante tranquilidade.
“Não tenho nenhuma data prevista para entrar em estúdio ou para lançar o CD, mas quero fazer um disco que qualquer pessoa que escute queira ouvir de novo. Quero que tenha música popular brasileira, jazz, uns sambinhas antigos, e o que eu desejo mesmo é que as pessoas curtam muito o disco. Não precisa nem vender muito, mas quero que as pessoas que escutem achem muito massa!”, ressaltou o músico.
A cena do Choro hoje em Brasília
Brasília tem um dos clubes de choro mais tradicionais do Brasil, O Clube do Choro de Brasília -, onde funciona a Escola de Música Raphael Rabello, fundada por grandes referências da música e do choro de Brasília e de todo o Brasil. Caldeirão cultural, coração das decisões políticas do país, a capital federal está passando por uma ditadura cultural. Criada há dois anos na cidade, a lei do silêncio está inibindo a prática de música ao vivo, rodas de choro e apresentações musicais em locais públicos, bares e restaurantes.
“A situação aqui está muito complicada porque criaram uma lei do silêncio que vem impedindo os músicos de trabalharem. Muitos dos meus amigos de 30 anos estão sem emprego por causa disso e outros tantos estão sendo mandados embora. O pessoal ‘tá pegando pesado’ com essa lei”, reclamou Ian em uníssono com a classe dos músicos de Brasília.
Foto: Valéria Carvalho
Contratação de shows
Email: ianreiscoury@gmail.com
Telefone: +55 619202-2953 (Claudia Coury)