A mulher de Pixinguinha


Leonor Bianchi

Nem com tantas biografias já escritas sobre ele, a intimidade de Pixinguinha e de sua esposa Albertina foi revelada ao grande público. Pouco sabemos a respeito da mulher e companheira do músico. O que sabemos é o que está repetido nos livros, mais nada além. O fato de terem se conhecido no teatro, o episódio do assalto a Pixinguinha, quando ele acabou sendo reconhecido pelo assaltante, que desistiu de assaltá-lo indo com o Pixinguinha para sua casa já de madrugada e lá sua esposa teria preparado um banquete para o então assaltante; e o episódio de quando ela ficou internada no hospital depois de ter sofrido um enfarte, e Pixinguinha também acabou ficando acamado e foi hospitalizado no mesmo hospital, indo visitá-la todas as tardes sem que ela soubesse que ele também estava internado. São apenas esses os fatos que sabemos sobre dona ‘Beti’.

Sempre fico imaginando como seria a personalidade dessa mulher. No tempo em que se casaram (1927) a sociedade carioca, ou pelo menos a elite carioca, ainda era extremamente machista. Contudo, com sua grandeza e sua espiritualidade ascendente, creio que o mestre Pixinga não deva ter tido uma postura machista dentro de casa, ao contrário, o fato de ter optado por adotar uma criança com Beti – Alfredinho -, por si só já demonstra sua nobreza, sua virtude enquanto ser humano, sua sensibilidade enquanto homem para perceber a necessidade de sua companheira em ser mãe e atender a este sonho, se assim podemos dizer.

Aliás, Pixinguinha esteve sempre à frente do seu tempo, e se naquela época a sociedade era machista, creio que certamente ele iria na contramão desse pensamento retrógrado abrindo espaço para a liberdade da mulher na sociedade brasileira.

Ficam faltando histórias, por exemplo, de Beti acompanhando Pixinguinha em viagens ou espetáculos, gravações e apresentações nos programas das tantas rádios onde ele tocou. Ao que parece Beti era de fato uma dona do lar exemplar e fazia questão de cuidar mais da casa do que se envolver nos compromissos profissionais e sociais do marido. Este convívio de Beti e Pixinguinha no mundo artístico nunca foi mencionado em nenhuma biografia de Pixinguinha; não nas que eu já li até hoje, e acho que eu li todas.

Grupo de artistas reunidos no Rio de Janeiro, em 1955. À esquerda de Pixinguinha, sua esposa Beti, Bororó, Alfredinho, João da Baiana e ainda Grande Otelo e o cantor Joel. Esta é uma das poucas imagens que conhecemos de Beti acompanhando Pixinguinha em uma cerimônia social.

Grupo de artistas reunidos no Rio de Janeiro, em 1955. À esquerda de Pixinguinha, sua esposa Beti, Bororó, Alfredinho, João da Baiana e ainda Grande Otelo e o cantor Joel. Esta é uma das poucas imagens que conhecemos de Beti acompanhando Pixinguinha em uma cerimônia social.

Será que Beti frequentava as milhares de rodas de choro que Pixinguinha tocava? E como deveria ser a recepção de Beti aos tantos chorões que frequentavam o quintal da casa de Pixinguinha e sua casa, durante anos?

São aspectos da personalidade desta mulher que eu gostaria de conhecer, afinal de contas, sabemos que ao lado de todo grande homem há sempre uma grande mulher. Dona Beti certamente foi a grande estrela que iluminou a senda por onde nosso maestro mor caminhou por toda sua vida. Foi um amor tão verdadeiro, que logo após ela falecer, Pixinguinha também se foi. Parecia que não haveria mais sentido para ele estar aqui sem sua companheira de toda uma vida.

Beti e Pixinguinha

Foi no Teatro de Revistas que Pixinguinha conheceu Beti. Ela era a estrela da Companhia Negra de Revista.
Uma história que muito se conta sobre o amor que Pixinguinha tinha pela companheira está expresso neste episódio:

Em 1972, Beti precisou ser internada no Hospital do Iaserj. Pixinguinha não absorveu o choque, enfartou e acabou socorrido no mesmo hospital. Com medo que o estado de sua mulher piorasse, combinou com o filho (Alfredinho) não contar o enfarte a ela. Todos os dias, no horário de visita, Pixinguinha deixava o leito, vestia o terno e o chapéu, e, acompanhado do filho ia ver a esposa levando-lhe um buquê de flores. Depois, voltava para o próprio quarto de doente, na cardiologia, e prosseguia com o tratamento.

Durante algum tempo ele repetiu o ritual de visita diária à esposa, até que um dia, surpreendeu-se ao entrar em seu quarto e encontrá-la dormindo muito quieta. Tomou um susto, porque o velho coração, enfraquecido ainda mais pela traiçoeira doença, ameaçou baquear para sempre. Pixinguinha safou-se, pensando no filho. Respirou fundo, manteve-se firme e permaneceu um bom tempo velando o sono da amada companheira. Passados oito meses, ele morreu de um enfarte.” (Pixinguinha Filho de Ogum Bexiguento de Marília Barbosa e Arthur de Oliveira).

Fotos: Acervo Instituto Moreira Salles (IMS).
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Author: imprensabr