Pensadores do Choro: Arquipélago do Marajó: Palco de vivências e inspirações


No domingo 24 de janeiro de 2016, a Revista do Choro começou a publicar o livro Pensadores do Choro na íntegra para seus assinantes. A cada domingo um novo capítulo vem sendo publicado desde então. Após publicarmos o artigo Tudo Culpa do Choro, do autor Sergio Aires, contemplado pelo prêmio literário promovido pela Revista do Choro e e-ditora] (www.portaldaeditora.com.br), em 2014, estamos publicando o texto de Vanessa Trópico vencedor do edital: O choro marajoara de Adamor do Bandolim e um breve relato da história do choro no Pará. Leia hoje o quarto capítulo do texto de Vanessa Trópico. 

Boa leitura!

Arquipélago do Marajó: Palco de vivências e inspirações

Todo esforço em conhecer o Marajó vivido por Adamor do Bandolim será apenas um olhar ainda muito distante da vivência inspiradora marajoara da vida do caboclo em sua produção musical. O mundo que envolve nosso Chorão do Marajó é rico em dimensões poéticas. A região é um imenso celeiro de arte, desde sua descrição paisagística até a brisa doce e acolhedora que sopra no lugar.

O Marajó é um arquipélago localizado ao norte do estado do Pará. A palavra Marajó, oriunda do tupi mibara-yó,  significava para os indígenas o vento que sopra à tarde sobre a ilha.

Para os portugueses, a ilha estaria posicionada estrategicamente para barrar as tormentas do Oceano Atlântico sobre o rio Amazonas, significando “barreira do mar”.

Adamos do Bandolim

Adamos do Bandolim

O arquipélago reúne vasta diversidade de culturas, formas de vida e organização social em seus doze municípios.

O principal acesso ao arquipélago se dá por via fluvial. Primeiramente, uma viagem de navio até Salvaterra e, posteriormente, ônibus e/ ou transportes alternativos para atravessar pequenos rios e acessar pequenas ilhas.

A paisagem da ilha é bem diversificada e exuberante. A vegetação vai desde alagados à floresta amazônica. Há muitos rios, belas praias de água doce e salgada, bem como uma grande variedade de pássaros e peixes.

O clima na ilha é de chuva constante, mas, independentemente do clima, é muito fácil avistar as aves locais, dentre outros animais, como: os guarás, os mergulhões, as garças e os jaburus.

Durante o período de chuvas intensas, entre fevereiro e maio, parte do território de Marajó fica inundado, proporcionando ótimas condições para a criação de búfalos, o que torna a ilha local do maior rebanho de búfalos do Brasil.

A história da cidade natal de Adamor do Bandolim começa muitos anos antes do período colonial. Em toda a região oeste da ilha do Marajó viviam índios que eram chamados de Anajás, os quais foram catequizados pelos jesuítas. A região se desenvolveu paralelamente à ilha, primitivamente chamada Mocoões.

Em Anajás, a festa religiosa de maior relevância é a do Menino Deus, protetor do município. A festividade tradicional vai de 16 a 25 de dezembro com uma procissão de encerramento.

Outra manifestação cultural muito forte é o Boi-Bumbá, que constitui a expressão da cultura popular mais difundida na região. Os grupos típicos fazem suas apresentações, geralmente no mês de junho, durante a quadra junina.

No município encontra-se vasta produção artesanal, sendo os principais produtos, cestas, vasos e esteiras.

Apenas uma biblioteca pública pode ser considerada como equipamento cultural em Anajás.

O rio mais importante é o que nasce em Ponta de Pedras e atravessa o município em direção sudeste-noroeste, onde a sua margem esquerda encontra-se a sede municipal. Tem como principal afluente, pela margem direita, o rio Mocoões, que desemboca em frente a cidade de Anajás. Ainda pela margem direita, destacam-se os rios Guajará, Cururu e Jacaré.

As praias completam o cenário do Marajó. As do Pesqueiro, Araruna e Barra Velha ficam próximas do centro de Soure. A maioria de areias brancas, pequenas dunas e água azul. Nas praias mais movimentadas há barracas rústicas que oferecem bebidas e petiscos.

Um dos fenômenos mais apaixonantes da natureza, a pororoca, é grande atração turística. O nome dado ao encontro entre as águas do rio Amazonas e as do Oceano Atlântico acontece de maio a julho e atrai surfistas de várias partes do mundo.

Este santuário ecológico é habitado por um povo que sofre pelo abandono por parte do poder público. Um povo sem muitas oportunidades, que sobrevive num isolamento além do geográfico e que clama urgentemente por medidas efetivas que mudem essa realidade.

A exploração sexual é uma das principais atividades ilícitas da região. É comum meninas alternarem de barco em barco. O município de Melgaço tem a pior qualidade de vida do país e não está sozinho nesta triste realidade. Os outros onze municípios do Marajó também não conseguem esconder sua pobreza. É comum, na área rural, ver as casas sobre palafitas[1] sem qualquer saneamento ou energia elétrica. O banheiro dos moradores muitas vezes é o próprio rio. No local, a pobreza impera, a violência reina, a exploração sexual de crianças e adolescentes acontece sem nenhuma intervenção do Estado, e ainda há uma questão extremamente séria no lugar: o tráfico de drogas e de pessoas.

Adamor conta que o Marajó é muito sofrido. Ao passar a balsa é comum ver moças em barquinhos pedindo alimento e até se prostituindo por um pouco de óleo para colocar na lamparina.

O Chorão do Marajó possui uma vasta quantidade de composições, todas se remetem ao seu convívio no arquipélago do Marajó, à beleza da maior ilha fluvial do mundo e às necessidades de seu povo marajoara, que tem de viver constantemente com o abandono por parte do poder público.

A vegetação local foi registrada por Adamor em sua composição Cheiro de Mato, feita 1993, inspirada nas lembranças das pescarias de férias em meio a exuberante floresta tropical. A canção se relaciona diretamente com a composição Chora Marajó, de 1985; uma sonora súplica amazônica.

Por mais que more em Belém, este Chorão nunca perdeu seu amor pela ilha. O choro marajoara deste compositor aponta reverenciando a exteriorização de sua interiorização, nos fazendo pensar na sociedade em que pertencemos, dando um sentido mais lógico às práticas e costumes que realizamos em nosso cotidiano, mostrando-nos, muitas das vezes, as semelhanças e diferenças que existem entre nós e os povos da Amazônia.

 

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Author: imprensabr