Pensadores do Choro: Padre Giovanni Gallo e o Museu do Marajó


No domingo 24 de janeiro de 2016, a Revista do Choro começou a publicar o livro Pensadores do Choro na íntegra para seus assinantes. A cada domingo um novo capítulo vem sendo publicado desde então. Após publicarmos o artigo Tudo Culpa do Choro, do autor Sergio Aires, contemplado pelo prêmio literário promovido pela Revista do Choro e e-ditora] (www.portaldaeditora.com.br), em 2014, estamos publicando o texto de Vanessa Trópico vencedor do edital: O choro marajoara de Adamor do Bandolim e um breve relato da história do choro no Pará. Leia hoje o quinto capítulo do texto de Vanessa Trópico. 

Boa leitura!

A luta deste compositor marajoara é constante às vésperas de lançar o CD Lágrimas da Minha Ilha, dedicado ao homem que muito se esforçou pela região e construção do Museu do Marajó, em Cachoeira do Ararí: Padre Giovanni Gallo.

Nascido em 27 de abril de 1927, em Turim, na Itália, em pleno sétimo ano da era fascista de Benito Mussolini, Giovanni teve uma infância difícil, repleta de inúmeras necessidades. Ainda jovem, aceitou, sem pressões familiares ou externas, seguir o sacerdócio de padre jesuíta, o que lhe rendeu erudição e percepção sobre a situação da vida dos mais pobres em vários lugares do mundo.

Museu do Marajó

Museu do Marajó

Ao Brasil, sob forte ditadura militar, chegou em 1970, em Salvador, Bahia. Deslumbrado com as paisagens do país, em viagens que fez para conhecer as obras religiosas desenvolvidas pela igreja, registrou em um grande número de fotos tudo o que, de alguma forma, o interessou, mas acabou sendo confundido com um espião do comunismo.

Em fevereiro de 1973, chegou à vila de Jenipapo, no município de Santa Cruz do Ararí, no Marajó. A vila consistia num antigo acampamento. Era a base para os pescadores em época de pesca. Uma cidade abandonada no interior da ilha, sobre as águas. As moradias eram palafitas. Não havia ali saneamento básico, fornecimento de água potável, energia elétrica, telefone e a alimentação era precária. Mais tarde a cidade seria carinhosamente chamada de Pequena Veneza por Giovanni.

O padre jesuíta entregou sua vida para servir a um povo culturalmente rico, original, que vive à margem da história, distante dos grandes centros urbanos, afastado de tudo, de difícil acesso a localidades desconhecidas e onde as ditaduras da água e da terra prevalecem. Mesmo assim resgatou grande parte da cultura marajoara ao construir o Museu do Marajó, onde está resguardado o maior acervo da cultura marajoara do mundo.

Adamor do Bandolim expressa sua gratidão ao padre que ele diz ter visto “arregaçar a batina” para realizar um dos trabalhos mais expressivos de preservação do patrimônio arqueológico do Marajó.

O prédio onde hoje funciona o Museu do Marajó abrigava uma antiga fábrica de caroços de óleo que, ao findar suas atividades, ficou abandonada. Giovanni o encontrou após abandonar Santa Cruz do Ararí devido a perseguições políticas locais que, segundo Adamor, eram infundadas, pois os governantes acreditavam que o padre incitava os pescadores a roubarem os fazendeiros, quando, na verdade, ele lutava pela melhoria de vida da população. Giovanni não aguentou a pressão, colocou tudo que já tinha catalogado em uma canoa e viajou para Cachoeira, onde implantou o museu. No prédio, até sua fachada é uma peça de grande valor histórico.

O Museu do Marajó é a joia da região, um sonho do padre que muito se esforçou para que a cultura local fosse registrada e integrada ao visitante e ao caboclo da região. O museu mistura cultura, geografia e história. Apresenta fotografias e peças de cerâmica marajoara. Alguns artefatos típicos causam certa estranheza, como o bezerro de duas cabeças que nasceu na fazenda de Santa Rosa, no ano de 1947, em Santa Cruz do Ararí, e o encanto das mandingas e feitiços presentes nos “causos”.

Encontra-se no museu um espaço interativo, como o Cantinho do Gallo; um quadro que abriga plaquetas de madeira com perguntas e respostas sobre qualquer assunto sobre a região. Ao longo do tempo, o galpão da antiga fábrica se transformou em um grande espaço de conhecimento. Os “computadores caboclos”, a partir do acionamento das manivelas de madeira informam sobre os povos que viveram na ilha… No museu, a forma como a informação é exposta é lúdica, acessível ao caboclo de pouca instrução e até mesmo aos analfabetos, sendo o homem marajoara o eixo de tudo, um verdadeiro banco de dados, pois o que se encontra exposto neste espaço são os saberes e a cultura deste povo. O método de exposição possui técnicas variadas, como rodas, tabuinhas (pedaços pequenos de madeira), pranchetas e barbantes.

O povo do Marajó, por sua cultura, garante vida longa ao museu, pois estes homens são fontes incessantes de informações. Desta forma, enquanto existir um povo marajoara, existirá de forma frutífera o Museu do Marajó.

Um trabalho que encanta pelo preciosismo e comove pelo atual abandono. Adamor desabafou dizendo que em sua última visita, encontrou o espaço abandonado, desamparado.

“- É um museu que você pode tocar nas coisas. Eu fiquei emocionado com aquele trabalho! Eu conheci Padre Giovanni Gallo. Pedi a Deus para me ajudar a fazer alguma em sua homenagem e ele me presenteou com a composição Lágrimas da minha Ilha, Carlinhos Gutierrez foi testemunha!”, conta o nosso Mestre do Choro.

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Author: imprensabr