Mesa de bar. Dois homens. Duas folhas de papel. Dois copos. Uma garrafa quase vazia. João de Barro. Alfredo Vianna (Pixinguinha). Vejam o que saiu:
“Ah! Se tu soubesses como eu sou tão carinhoso
E o muito e muito que eu te quero!…
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim!…
É assim que a musica do povo nasce. Espontaneamente. Sem subterfúgios. Livre de preconceitos solta. O barco é levado pelo vento. Nordeste ou sudeste, elle tem um rumo. Cumpre ao “mestre” manobral-o…
Estão vendo como nasce a melodia que o povo grava nos ouvidos? É assim: Ahi está um exemplo: João de Barro ia passando pela rua onde fica instalada a emissora de Pixinguinha. Despreocupadamente, ia no seu caminho. Era o velho parceiro.
– Vamos tomar alguma coisa ali defronte?
– Vamos…
Foram.Não se arrependeram. Beberam a primeira cerveja. Estava geladinha. Veiu outra. Igual. Mais outra. Viraram menino pequeno quando quer ver o interior dos bonecos. Pediram mais.foi quando “Ella” passou. Olhou. Viu aquelle montão de garrafas. Não disse nada. Fechou o rosto. Saiu. Dobrou a primeira esquina. Desappareceu dentro da noite… houve uma pausa em tudo. Os ponteiros do relógio como que pararam.entretanto, pouco a pouco, a “vida” começou a voltar. No principio, muito devagar. O rythmo foi aumentando. Novamente a realidade. Estamos como ainda há pouco nos sentíamos. Quase felizes. Uma recordação, porém ficava de tudo isso. “Carinhoso” Samba estylizado de João de barro e Alfredo Vianna…
Há vinte e cinco annos que elle é cartaz. Um cartaz berrante. Estridente. Luminoso.
Alfredo da Rocha Vianna, mais conhecido como Pixinguinha, é um exímio flautista. Compositor dos velhos tempos. Instrumentador das nossas fabricas de discos.
Carioca. Nasceu a 23 de abril de 1898, em Catumby, na “Zona do Xuxu”. Logar de barulho. Das grandes farras. Da pinga que faz gemer o “pinho”. Da pinga que brota melodias. Encanto do Rio. O melhor logar do mundo de Nosso Senhor Jesus Christo. A fama de Pixinguinha não se limita ás nossas fronteiras. Ha tempos formou uma turma. “Os Batutas”. Eram elles: Alfredo Vianna (Pixinguinha), Octavio Vianna (China), cantava e tocava violão. Morreu, coitado. Ernesto dos Santos (Donga), José Alves (Zezé). Naquelle tempo, tocava bandolim. Hoje, é banjo. Era o secretário do grupo. Nelson Alves tocava cavaquinho. Luiz Silva, bandona e reco-reco e Fenianos, o pandeiro.
De flauta em punho, Pixinguinha percorreu o Velho Mundo. Espiou a Europa. Visitou Praga. Bebeu uma chopada com o Kaiser. Subiu um pouco mais. Esteve no Kremlin. Saboreou um “golezinho” de “vodka” com o Tzar de todas as Russias…
Bruto sucesso. Allucinantes temporadas. Paris, Londres e Berlim applaudiram Pixinguinha.entretanto, elle começou a sentir nostalgia da Patria. Saudades da terra distante. Todas as noites sonhava com a casa da Ignez. Com as madrugadas que de lá se apreciavam. Com o samba que esquentava o sangue daquella gente. Com as cabrochas que dançavam em volta do terreiro…
Foi o diabo! Nunca mais houve alegria. Sumiu a vontade de tocar. Veiu. Quando desceu, ainda no cáes, puxou da flauta. Correu a escada. Saiu esta coisa gostosa:
“Já andei pelo mundo afora
Já andei…
Já andei pelo mundo afora
Já andei…
Já andei… ê ê ê ê ê ê – Já andei…
Já andei pelo mundo afora
Já andei…
Samba enfezado. Improvisos do outro mundo. Meia noite! A hora das almas. Policia! Canna!…
No districto, enquanto a turma esperava o delegado, saiu ainda este samba:
“Samba de nêgo
não se pode frequentá
Só tem cachaça
Pra gente se embriagá!
Eu fui num samba
Em casa de Mãe Ignez…
No melhor da festa
Fomos todos pro xadrez”…
Pixinguinha é um dos maiores da nossa musica popular. Seu nome está ligado aos grandes sucessos musicais. As mais lindas instrumentações que apparecem por ahi saem do seu cérebro. Do cérebro que nunca pára de pensar. Daquella cabeça que mais parece um conservatório de melodias.
Fonte: Revista O Cruzeiro, 21 de janeiro de 1939.
Este conteúdo integra o livro Pixinguinha 120 anos pelo olhar da imprensa brasileira.
Pesquisa: Leonor Pelliccione Bianchi, editora da Revista do Choro.