Com pique renovado, o célebre grupo de choro criado por Jacob do Bandolim completa meio século de muita história e contribuição ao gênero
Produção jornalística, Pesquisa, Redação e Edição: Leonor Bianchi
Entrevista: Carol Prestes
Consultoria e revisão: Armando de Andrade
São 50 anos em atividade, 20 discos assinados pelo conjunto – afora os que gravaram acompanhando dezenas de intérpretes -, muitos momentos memoráveis de uma carreira brilhante, trabalhos com grandes nomes da música brasileira, começando por Jacob do Bandolim (criador do conjunto), chorões do naipe de Orlando Silveira, Déo Rian, Altamiro Carrilho, Abel Ferreira, Zé da Velha, o pianista Arthur Moreira Lima, passando por Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Francisco Petrônio, chegando a Paulinho da Viola, Marisa Monte, Ivan Lins, só para citar alguns. O som da moda mudou várias vezes, gravadoras abriram e fecharam, mas o Época de Ouro ‘nem ‘sentiu vento’ e seu som tal como vinho foi ficando cada vez mais genuíno.
O Conjunto Época de Ouro assim é nomeado por Jacob do Bandolim em 1964, porém os músicos já tocavam com Jacob muito antes disso. Os músicos da formação original eram Jacob Pick Bittencourt “Jacob do Bandolim”, Horondino Silva, “Dino Sete Cordas” (violão de sete cordas), Benedito César Faria (violão de seis cordas) – este acompanhava Jacob desde seu primeiro disco, em 1947 -, Carlinhos Leite (violão de seis), Jonas Pereira da Silva (cavaquinho) e Gilberto D’ávila (pandeiro).
Consolidado, com esta formação, em 1968 o Época de Ouro se apresenta ao lado de Elisete Cardoso em um espetáculo promovido pelo Museu da Imagem e do Som (MIS/ RJ), por conta de sua despedida do Brasil, antes de a cantora partir para uma turnê de dois meses no Japão, o que acabou não acontecendo. Aplaudidos durante 15 minutos por um público de aproximadamente 1.500 pessoas, no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro, o conjunto de Jacob escrevia mais uma página importante de sua história naquela noite. O show chegou a ser comparado pela imprensa, na época, com os concertos de Edith Piaf no Carnegie Hall, e ficou eternizado em três LPs (volumes 1, 2 e 3) lançados pelo MIS: Elizete Cardoso, Jacob do Bandolim e Zimbo Trio com participação especial do Conjunto Época de Ouro.
Em 1967, o Época gravou oficialmente seu primeiro disco: o Vibrações, já que os dois discos anteriores de Jacob; Chorinhos e Chorões (1961) e Primas e Bordões (1962), são acompanhados pelos mesmos músicos, porém estes ainda não eram chamados de Época de Ouro, o que só acontece a partir de 1964.
Destes 50 anos do conjunto, Jacob, o responsável por agregar os instrumentistas que se juntaram em sua órbita e eternizariam neste meio século a linguagem do choro, viveu com o grupo apenas oito. Porém, os fatos mostram quão intensa fora essa troca entre ele e os instrumentistas do grupo. Uma das grandes marcas de Jacob foi ter deixado como herança a identidade sonora do Conjunto Época de Ouro, presente até os dias de hoje. Legado este documentado cerca de um ano antes de sua morte em nota do jornalista Juvenal Portela publicada pelo Jornal do Brasil de 22 de setembro de 1968. Na pequena matéria intitulada ‘Música brasileira para principiantes’, somos remetidos a um dos famosos saraus que Jacob promovia em sua casa, uma espécie de embaixada da música brasileira.
Diz a nota:
“Um recital improvisado na casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá: primeiro toca o Conjunto Época de Ouro – três violões, entre os quais o de Jacob, um cavaquinho e um pandeiro – e depois é a vez de Elisete Cardoso; em seguida Paulo Tapajós, Neide Mariarrosa, Estelinha Egg, Paulinho da Viola. O homenageado é um russo que toca um belíssimo piano, Sergei Dorenski, cujo entusiasmo parece não ter limites: ‘Esta é a quarta vez que venho ao Brasil. Aqui já ouvi muita coisa, mas nunca igual a isto. É demais. É demais.’
A reunião articulada por Simone Morais, depois de saber que Dorenski queria conhecer melhor a música brasileira, começou às 22h30 e só foi acabar às três da manhã. No fim, o pianista russo recebeu de presente uma cópia da fita gravada da reunião, os LPs Rosa de Ouro e Vibrações, algumas partituras de Gaia e outras de autores do passado, entre elas a Expansiva, de Ernesto Nazareth, que Dorenski logo se pôs a solfejar.”
Em meio a toda essa efervescência, falece no dia 13 de agosto de 1969, Jacob do Bandolim. O Conjunto sofreu muito com sua morte e esse impacto pode ser sentido com seu afastamento dos palcos.
Sarau inesquecível reacende o choro no Rio de Janeiro e o Época brilha novamente
O cenário político e social no Brasil era tenso quando Paulinho da Viola e o jornalista Sérgio Cabral produziram o inesquecível espetáculo musical Sarau. O ano era 1973 e os militares comandavam o país em plena ditadura. Foi neste ambiente, mas também num florescer do movimento contracultura no Brasil, que vinha se afirmando desde os anos 60, que o Teatro da Lagoa foi palco de um dos mais importantes dias da música brasileira. Sem saber eles estariam estabelecendo ali um marco fundador para uma nova fase para o choro, pelo menos no Rio de Janeiro.
Na grande festa que fora o Sarau, brilhou ao subir no palco pela primeira vez desde a despedida de Jacob, o Conjunto Época de Ouro. Nessa noite, os músicos Déo Rian, substituto natural de Jacob (bandolim), Jonas Pereira da Silva (cavaquinho), Dino Sete Cordas, Damásio (violão de seis), no lugar de Carlinhos Leite, César Faria (violão de seis) e Jorginho (pandeiro) retomaram o trabalho que não parou mais desde então.
Sobre o Sarau encontramos uma pequena matéria de Maria Lucia Rangel entrevistando Paulinho da Viola para o Jornal do Brasil de 16 de outubro de 1973. Na entrevista, ele menciona a participação do Época de Ouro no espetáculo e exalta o choro.
“Amanhã, Paulinho da Viola estreia no Teatro da Lagoa, ao lado de Sérgio Cabral (diretor e coautor dos textos) e de dois conjuntos, um dos quais participa inclusive seu pai.
Quando ele fala ‘música’ quer dizer choro, sua grande paixão, que também vai entrar no Sarau, nome do espetáculo que começa amanhã. E o compositor que conseguiu uma espécie de renascimento do samba tradicional – segundo Vinicius -, explica: “não é como muita gente pensa, pelo título, uma volta ao passado, nem o retorno aos tempos que eu supostamente poderia considerar mais felizes. Não é um sarau como os que aconteciam no Rio em 1920, porque seria até impossível fazer uma coisa dessas. É uma festa, uma reunião de músicos. E como o Conjunto Época de Ouro toca choros antigos com a preocupação de ir um pouco mais à frente, e o outro grupo é mais novo, acho até uma injustiça qualificar o show de nostálgico.”
De lá para cá, o Época de Ouro nunca mais parou de tocar, gravar e de se apresentar em turnês importantes dentro e fora do Brasil. O conjunto se apresentou e gravou seu mais recente CD exclusivamente para o mercado Japonês.
O bastão da sonoridade do grupo foi sendo passado para as novas gerações, naturalmente. No início da década de 1970, Damásio substitui Carlinhos Leite, que retornaria ao conjunto alguns anos depois. Em 1987, Toni Azeredo e Jorge Filho foram para o posto de violão de seis e cavaquinho, respectivamente, nos lugares de Damásio e Jonas Pereira Silva. A partir dos anos 2000, Bruno Rian substituiu esporadicamente Ronaldo do Bandolim. Recentemente, com a morte de Dino e César Faria, entraram no conjunto, André Bellieny no violão de seis, e Antonio Rocha na flauta. Toni Azeredo, que já fazia parte do Época, ocupou então o lugar de Dino no sete cordas.
Segundo Jorge Filho, cavaquinista do Época de Ouro e filho de Jorginho do Pandeiro, lenda viva do choro e integrante mais antigo do Época:
– O Toni Sete Cordas, atual substituto do Dino, já fazia o violão de seis cordas enquanto Dino estava no conjunto. Tanto ele quanto eu entramos no conjunto praticamente na mesma época. O Walmar Amorim, que era o cavaquinista que veio logo após o Jonas sair do grupo. Walmar ficou no conjunto por volta de cinco anos, no máximo, e logo depois eu entrei. Antes dele sair eu o substituía no conjunto. Ele era advogado, hoje é juiz, e na época estava estudando para juiz e não podia ir aos shows e tal, então eu o substituía muito. Aí, quando ele saiu, eu fiquei como cavaquinista do Época de Ouro – revela Jorginho, que acrescenta:
– Com o falecimento do Dino, o Toni assumiu definitivamente o violão de sete cordas. Antes, ele só tocava o violão de seis cordas junto com o César. Com o falecimento do César, eu convidei o violonista André Bellieny, que tocava violão de sete cordas, para ele fazer o violão de seis cordas no Época de Ouro, substituindo César. As substituições dentro do Conjunto Época de Ouro sempre foram feitas de acordo com as características do músico, por isso, o conjunto ainda tem a mesma sonoridade, a mesma maneira de tocar, porque as pessoas que foram substituindo as outras, foram justamente aquelas que tocavam o choro exatamente como seus antecessores. Toni ouvia muito o Dino, assim como o André Bellieny ouvia muito o César. E eu gostava muito do Jonas, via o Jonas tocar, adorava o centro que ele fazia. Sempre gostei de fazer o centro parecido com o estilo dele. Depois fui pegando minha maneira de tocar, mas sempre fui muito fã do Jonas – conta o cavaquinista.
Em relação à sonoridade do Época de Ouro, Jorge Filho ressalta que:
– A sonoridade do Época de Ouro ainda é a mesma, só está acrescida de uma flauta, por sinal de um excelente flautista. Quando vi Antonio Rocha tocar, falei: “Eu tenho que levar esse cara para o Época de Ouro”. E dei uma força muito grande para ele vir para o conjunto. Convidei, falei com o meu pai: “Ó, vamos botar esse cara no nosso grupo”. Era uma maneira de mudar o timbre, porque era o show inteiro com o bandolim; a variação que tinha era um solo de cavaquinho pra variar um pouco o solo do bandolim. Mas era mais ou menos a mesma sonoridade. Por isso, que às vezes, o conjunto se apresentava com Abel Ferreira, Orlando Silveira, ou então com Altamiro Carrilho, ou com o ‘Cobrinha’, nosso Carlos Poyares, para modificar o timbre. Aí, quando a gente botou o Antonio Rocha no conjunto conseguimos mudar o timbre. Além do mais, ele é um excelente flautista. Muito bom mesmo! – considera Jorge Filho.
Continuando a contar como foram as mudanças dos integrantes do Época de Ouro ao longo desses 50 anos, Jorge Filho diz:
– A chegada do Ronaldo do Bandolim foi por volta de 1976. O Déo Rian fez o show no Teatro da Lagoa. Foi justamente quando ele substituiu Jacob em 1973. Logo após ele saiu e o Ronaldo entrou. De lá pra cá, o Ronaldo sempre foi o bandolinista do Época de Ouro. O Carlos Poyares tocou com o Época de Ouro na gravação do disco “Época de Ouro interpreta Pixinguinha e Benedicto Lacerda”. Nessa época, ele fez a flauta de várias músicas desse disco. Outros músicos que tocaram com o Época de Ouro ou fizeram participações foram: Orlando Silveira, Altamiro Carrilho, Dirceu Leite, Joel do Bandolim. O Joel Nascimento fez algumas participações com o conjunto. O Época de Ouro fez shows com várias participações tais como Arthur Moreira Lima, Zé da Velha… Com o Zé fizemos várias coisas também… Abel Ferreira… o Abel tocava muito com o Época de Ouro. E nessa época o cavaquinhista ainda era o Jonas – lembra Jorge Filho.
Em sua trajetória, o Conjunto Época de Ouro tocou para pelo menos dois presidentes do Brasil: em 1967, ainda com Jacob e a participação especial do citarista Avena de Castro, tocou para Costa e Silva, em Brasília, e mais recentemente o conjunto se apresentou para o Presidente Lula.
Neste ano em que completa 50 anos de atuação, o Época de Ouro comemora, mas segundo Jorge Filho, o grupo merecia estar sendo mais valorizado:
– Gostaríamos que houvesse mais apresentações, mais envolvimento em torno desta data, mas infelizmente, a gente não tem tanta coisa como gostaríamos para poder divulgar o choro e essa maneira do Época de Ouro tocar durante esses 50 anos. A apresentação no Sesc Ribeirão Preto foi fantástica, o público foi espetacular, o auditório estava lotado. Fizemos duas horas e meia de show! Foi espetacular! Vejo que poderíamos ter mais coisas acontecendo, mas é o que temos pra hoje – desabafa o cavaquinista, que toca há 27 anos no Época de Ouro e, ao lado de seu pai, Jorginho do Pandeiro, integra a velha guarda do conjunto. Quanto à apresentação no Sesc Ribeirão Preto, Jorge Filho refere-se à ocasião que acabou de acontecer e foi muito especial para todos que estão vivenciando de perto as comemorações desses 50 anos do Conjunto Época de Ouro.
O mais recente CD foi gravado no Brasil, mas lançado apenas no Japão
Quando perguntamos sobre os projetos para a gravação de um novo CD neste ano importante para o Época de Ouro, Jorge nos revela que estão pensando sim em fazer um disco por agora, porém, em tom de “o que podemos fazer, se é assim que funciona”, nos conta a situação do CD gravado aqui no Brasil e lançado apenas no Japão:
– Os CDs do Época de Ouro pertencem as gravadoras, as quais detêm os direitos sobre a obra. Mas esse disco, o ‘Feijão com Arroz’ foi gravado aqui no Brasil e lançado no Japão. Não foi lançado aqui no Brasil, foi uma coisa assim… de contrato, então não sei exatamente em que pé estão as negociações para lançarmos esse CD aqui no Brasil. Estamos pensando em fazer um outro disco para lançar aqui. Praticamente os três últimos discos do Época de Ouro foram lançados no Japão. E de lá pra cá a gente ainda não fez mais nenhum conta Jorge Filho.
Durante os últimos quatro anos o Época de Ouro teve um programa de auditório semanal na Radio Nacional Rio de Janeiro, onde, a cada segunda-feira, recebia convidados para tocar e contar histórias do choro. Momentaneamente fora do ar, o Época vislumbra outros horizontes e prepara o piloto do Época de Ouro TV. A proposta é levar ao ar, via Twitcam, entrevistas com integrantes do conjunto, semanalmente.
Nestes novos tempos, o Conjunto Época de Ouro apresenta-se com a vitalidade intacta, seus integrantes estão completamente sintonizados com a caminhada histórica do grupo. Profundos conhecedores dos fundamentos do choro, sabem muito bem o legado que têm em suas mãos. Toni Azeredo e André Bellieny nos violões de sete e seis cordas; Jorge Filho no cavaquinho; Ronaldo Sousa, bandolim; Antonio Rocha, flauta, e Jorginho do Pandeiro, representam hoje o choro brasileiro autêntico e puro, sintonizado ao novo, sem perder de vista todo conhecimento gerado em 150 anos de prática musical dentro do ambiente do choro.
O futuro é promissor para esta nova fase do Conjunto Época de Ouro, referência musical para as novas gerações do choro e da música brasileira.
– O recado que eu deixo para os chorões do mundo inteiro é que continuem tocando choro. Choro é uma música muito boa de se tocar, muito agradável. E é uma música muito difícil. Ela dá alternativas para o músico tocar qualquer outro tipo de música. Quem toca choro vai tocar outro tipo de música com facilidade, porque o choro exige muito do músico. Adoro quando vejo um jovem falar assim: – Poxa, eu gosto de choro, eu quero aprender, eu tô tocando… Hoje mesmo, no Centro da cidade, eu vi um grupo ali, próximo ao edifício Avenida Central tocando choro… clarinete, pandeiro… Acho isso um espetáculo! Dou a maior força! Acho que é bom, pois a pessoa tem que estudar. Pra tocar choro tem que estudar. Não pode sair tocando de qualquer maneira, porque senão vai se dar mal – enfatiza Jorge Filho, reafirmando a máxima de todos os chorões: Estudar sempre e cada vez mais, pois o choro requer estudo, concentração e muito respeito.
Conheça o site do Conjunto Época de Ouro: http://www.epocadeouro.com.br/
Assista também:
Para baixar o Programa Ensaio da TV Cultura
http://kickass.to/conjunto-epoca-de-ouro-ensaio-tv-cultura-avi-t7770996.html
Fonte JB digital: Hemeroteca Digital Biblioteca Nacional.
Crédito demais fotos da matéria: Conjunto Época de Ouro.
Crédito foto Época de Ouro com Antonio Rocha: Site Vivendo na Flauta, de Antonio Rocha.
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