Luiz Bonfá: uma breve trajetória, parcerias e apontamentos do estilo
Tiago de Souza Mayer
Pesquisa de mestrado sob a orientação do prof. Dr. Ivan Vilela
USP/PPGMUS/MESTRADO
Resumo: O trabalho consiste em traçar uma breve trajetória do violonista e compositor Luiz Floriano Bonfá, de modo a destacar parcerias relevantes e realizar apontamentos sobre seu estilo no violão. Para a fundamentação buscamos referências em Bourdieu (2006), Giovanni Levi (2006) François Dosse (2009).
Palavra Chave: Luiz Bonfá; Música Popular Brasileira; Violão.
Introdução
Luiz Floriano Bonfá nasceu no Rio de Janeiro, em 17 de outubro de 1922, foi violonista, compositor e cantor. Em seu percurso destaca o aprendizado com o professor e violonista Isaias Sávio, o convívio com o violonista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, e a experiência adquirida nos EUA. Apesar de uma longa e intensa carreira, ainda há poucos registros dos caminhos percorridos, de sua formação, incertezas e realizações.
Em uma escuta de suas gravações, notamos que Bonfá explorou variados gêneros, como samba, choro, valsa, jazz, bolero, bossa-nova, transitou entre peças solos para violão e canções, e deixou uma extensa discografia ainda a ser explorada pelos musicólogos. Um estudo aprofundado das peças, canções e trajetória de Luiz Bonfá faz-se oportuno, a fim de compreender e divulgar o legado deixado por esse artista, e possivelmente esclarecer a importância do mesmo para a música popular brasileira. Nossa pesquisa vai ao encontro de traçar brevemente alguns dos percursos de Bonfá na música popular apontando parcerias, a ida aos EUA; e busca aos pouco elucidar, por meio da verificação de sua trajetória, como foi construindo seu estilo no violão ao longo do seu percurso.
Perante o desafio de traçar uma breve história de vida de Luiz Floriano Bonfá com foco em suas obras e estilo ao violão, buscamos referências em Giovanni Levi (2006), Bourdieu (2006), François Dosse. (2009).
Giovanni Levi (2006) em ‘Usos da Biografia’ questiona se é possível escrever a vida de um indivíduo. Esse autor salienta as simplificações tomadas pelo pretexto da falta de fontes. Discorre que este fator não é o principal entrave, e sim modelos que associam uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e estável, ações sem inércias e decisões sem incertezas. Sobre as fontes, o autor adverte que estas não costumam informar acerca dos processos de tomadas de decisões, mas sim dos resultados. Esta falta de neutralidade da documentação leva, muitas vezes, a explicações monocausais e lineares. (LEVI, 2006, p.173).
Entre as proposta advindas de Levi (2006) visando esclarecer a complexidade da perspectiva biográfica, destacamos a abordagem ‘Biografia e Contexto’, que, segundo o autor:
Remete, na verdade, a duas perspectivas diferentes. Por um lado, a reconstituição do contexto histórico e social em que se desenrolam os acontecimentos permite compreender o que à primeira vista parece inexplicável e desconcertante […]. Por outro lado, o contexto serve para preencher as lacunas documentais por meio de comparações com outras pessoas cuja vida apresenta alguma analogia, por esse ou aquele motivo. (LEVI, 2006, p. 175-176).
Tratando-se de música popular, e, no caso, de um violonista com período produtivo concentrado entre as décadas de 1940 e 1990, observamos uma recorrente tradição oral no aprendizado. Dessa forma, a instrução acontece com frequência nas “rodas” de choro, de samba, na curiosidade em uma nova batida rítmica apresentada por um amigo, na escuta de um disco, entre outras ocasiões documentadas em fontes oficiais ou não oficiais. Nesse sentido, conforme se pode depreender das ponderações de Levi (2009), o contexto pode apontar os caminhos que pareciam desconcertantes e revelar sentidos nas lacunas documentais por intermédio das comparações. De forma contextualizada, buscaremos o contato e parceria com Isaias Sávio e Garoto, a fim de uma melhor compreensão da história de vida de Bonfá.
Pierre Bourdieu (2006), em convergência com as críticas de Levi (2009) atenta para os cuidados na utilização de materiais biográficos como fontes de pesquisa. Critica o uso da narrativa biográfica na forma de descrição da vida como uma carreira, ou percurso orientado, linear, unidirecional, que tem começo, etapas intermediárias e fim. Para este autor, produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequencia de acontecimentos com significados e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica (BOURDIEU, 2006, p. 185).
No decorrer do percurso narrativo, deparamos com um indivíduo (biografado) sujeito a incessantes modificações nem sempre lineares, mas permeadas de incertezas e transformadas pelo espaço social. Bourdieu (2006) afirma que os acontecimentos biográficos são definidos em seus deslocamentos no espaço social, e esses movimentos é o que conduz de uma posição a outra, de uma profissão a outra, da busca de demanda em outros campos, e ainda nesse fluxo, os diferentes capitais (cultural, social e econômico) são as ferramentas que se colocam em jogo nesses espaços sociais que se deslocam.
Bourdieu informa que:
Compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um sujeito cuja constância é aquela de um nome próprio, é tão absurdo quanto explicar a razão de um trajeto no metro sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. (BOURDIEU, 2006, p.189).
As considerações de Bourdieu (2006) nos fez levantar algumas questões sobre a trajetória de Luiz Bonfá: por que se deslocou para os EUA? Houve insatisfação na época por pouca oportunidade de trabalho e falta de reconhecimento? Fez a opção apenas com a intenção de pleitear novas experiências e conhecimentos? Houve medo, incertezas e dúvidas na tomada de decisão? Qual formação (capital cultural) já tinha quando embarcou? O que agregou em sua carreira com as idas e vindas dos EUA? Buscamos, na medida do possível, responder essas questões no tópico ‘O Caminho para os EUA’.
Os apontamentos de François Dosse também foram observados e considerados nesse trabalho. No livro ‘O Desafio Biográfico’ (2009) faz uma crítica à concepção difundida nas biografias por sua divisão em vida e obra recorrentes nas memórias dos “heróis criadores”, como Bach, Haydn, Mozart, Beethoven, Schubert, Mahler, entre outros. O autor afirma que na descrição biográfica, comumente, quarenta por cento são dedicadas à narrativa do músico, em geral não problematizada historicamente, e 60% ao estudo panorâmico da obra em si, contendo certo número de elementos técnicos de peças escolhidas. (DOSSE, 2009, p.189).
Em nosso caso, não estenderemos a discussão da obra no âmbito analítico, mas sim na busca de entender a construção do estilo ao longo de sua trajetória, por considerar que algumas composições de Bonfá tornaram-se significativas por conta do espaço que conquistou na música popular, a exemplo de ‘Manhã de Carnaval’, composta para o filme ‘Orfeu do Carnaval’ em 1959, alcançando sucesso internacional e regravado por diversos artistas, como George Benson, Placido Domingo, Stan Getz, entre outros.
Do Início de Carreira a Manhã de Carnaval
As primeiras instruções recebidas ao violão couberam ao seu pai, também chamado Luiz Bonfá, que logo encaminhou seu filho para estudar com Isaias Sávio. Ainda que as aulas com esse professor tivessem cunho erudito, a formação musical e seu maior interesse foram voltados para o popular.
Bonfá teve a oportunidade de conhecer artistas expressivos nas décadas de 1930 e 1940, o que de início lhe causou uma boa impressão e interesse pelo popular, pois estava sempre rodeado de Bororó e Pixinguinha que eram amigos de seu pai. (SOUZA, 2004).
Em depoimento a Mário Adnet para o livro ‘Violões do Brasil’, Bonfá diz:
Minha formação musical foi mais baseada no popular. Meu pai tocava violão, gostava muito de seresta e estava sempre rodeado de músicos, como Bororó e Pixinguinha. O estímulo musical vem daí, de presenciar desde menino essas reuniões lá em casa. A família costumava ouvir o que tinha de melhor na música brasileira da época. (TAUBKLIN, 2007).
Ainda nas décadas de 1930 e 1940, o rádio se converteu em novo espaço a ser conquistado e explorado pelos músicos, até por certa garantia de emprego e divulgação do trabalho artístico. Taubklin (2007) diz que: Bonfá participou do programa Hora do Guri, na Rádio Tupi do RJ, e classificou-se em terceiro lugar tocando uma peça do compositor espanhol Franciso Tárrega.
Taubklin ainda relata alguns relevantes momentos de Bonfá na década de 1940:
Em 1945, Bonfá estreia profissionalmente como solista de violão e vocalista do trio Campesino, tocando em cassinos nas cidades de Santos (SP) e Niterói (RJ) […] Em 1946 é levado por Garoto para a Rádio Nacional, onde os dois se apresentam juntos no programa Clube da Bossa. […] Ainda em 1946 integrou o quarteto Quitandinha Serenaders, onde gravou 10 discos e seis composições de Bonfá, entre 1948 e 1952, este ano em que o violonista passou a atuar sozinho ou em grupos que ele liderava. (TAUBKLIN, 2007, p. 79).
Na década de 1950, os sucessos foram ‘De Cigarro em Cigarro, gravado pela Continental no LP ‘De Cigarro em Cigarro’ em 1956. Nesse mesmo ano gravou com Tom Jobim ‘A Chuva Caiu’ na ‘Continental’, Perdido de Amor’ também na ‘Continental’ no LP ‘Noite e Dia’, e ainda participou da peça teatral ‘Orfeu da Conceição’. Em 1959 compõe duas canções que ganhariam sucesso internacional: ‘Samba do Orfeu e Manhã de Carnaval’, com letra de Antonio Maria para o filme ‘Orfeu do Carnaval’ (MELLO, 2015).
Bonfá e Isaias Sávio
Maurício Orosco (2001) ressalta a importância de Sávio como professor de diversos violonistas de São Paulo e Rio de Janeiro, entre eles Bonfá, utilizando o princípio da escola moderna do violão de Franciso Tarrega que consiste em resolver dificuldades mecânicas do instrumento e evitar problemas futuros ao se interpretar um repertório.
Desde a década de 1930, Isaias Sávio teve destaque por sua atuação pedagógica no instrumento, e entre RJ e SP formou excelentes alunos, tais como: Henrique Pinto, Luiz Floriano Bonfá, Marco Pereira, Paulo Bellinati, Paulo Porto Alegre e Toquinho. Destaca também as composições de Sávio por seu cunho didático e variedade (OROSCO, 2001).
Na entrevista à revista norte-americana ‘Guitar Player’ Bonfá diz: Com uns seis ou sete anos, comecei a tocar, estimulado por meu pai. Depois, estudei com o grande Isaias Savio, quando tinha 12 anos. Já tocava alguma coisa, mas com a mão destreinada, fora de posição, Aos poucos, fui procurando tirar um som mais aveludado. Percebia que dependia de ferir menos as cordas. (RUSCHEL; HEPNER, 1997, p. 46).
Antes de migrar em definitivo para São Paulo, Sávio permaneceu no Rio de Janeiro até 1940, do modo que há, portanto, a possibilidade de Bonfá ter estudado por seis anos com esse professor no Rio, porém, até o momento não dispomos de fontes que confirme com o período de estudo e nem os exercícios e peças específicas abordadas nas aulas.
Na mesma entrevista, ao ser indagado a respeito das músicas que estudava durante sua evolução musical, Bonfá diz:
Músicas de métodos para violão clássico, mas não lembro os nomes dos autores. Às vezes, eu mesmo criava peças para o meu estudo, como a Marcha Escocesa, que anos depois tornou-se meu número solo mais aplaudido nos shows com a Mary Martin”. (RUSCHEL; HEPNER, 1997).
Assim, subentende-se que Bonfá absorveu técnicas e peças do repertório erudito em sua formação. A citação da peça ‘Marcha Escocesa’, gravada no álbum ‘Solo in Rio’ (1959) demonstra a prática da composição de peças solos para violão também no âmbito erudito. Uma análise dessa obra poderia apontar com melhor precisão o que Bonfá trouxe do repertório erudito para sua identidade musical.
Bonfá e Garoto
Ainda no início de sua carreira profissional durante a década de 1940, Bonfá entra em contato com o violonista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, como era conhecido no meio artístico. O convívio com este músico rendeu admiração, parceria e amizade.
Bonfá relata sua estima a Garoto: Devo muita coisa ao Garoto, inclusive meus primeiros trabalhos em rádio, na Tupi e Nacional. Foi minha única grande influência. Nos reuníamos na casa dele em Copacabana e tocávamos por horas a fio. Ele já tinha, no início dos anos 50, um balanço diferente. Era mais avançado que os outros. Sem falar que era maravilhoso como ser humano, simples, de uma generosidade inacreditável. (RUSCHEL; HEPNER, 1997).
O produtor musical Aloyso de Oliveira relançou pela gravadora ‘Odeon’ o CD ‘Garoto e Luiz Bonfá: gênio do violão’(1996), unindo trabalhos dois relevantes violonistas no mesmo disco. Composto por 19 faixas, as primeiras 7 faixas do CD trazem as peças que Garoto interpretou no LP ‘Garoto Revive em Alta Fidelidade-Interpretando Ary Barroso’, lançado pela Odeon em 1957. Já das faixas 8 a 19, Aloyso trouxe as mesmas peças que Bonfá gravou no LP ‘Alta Versatilidade’ lançado pela gravadora Odeon em 1957.
Em pesquisa sobre Garoto, Celso Delneri (2009), informa que dominava a técnica do violão erudito e estudou harmonia no ‘Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, com o professor João Sépe, em 1938. Delneri afirma que a técnica erudita e o estilo popular estavam presentes nas composições de Garoto, que exige, da mesma maneira, um apurado domínio do violão para a execução das músicas desse violonista.
Já na década de 1940, ao acompanhar Carmem Miranda, viajou aos EUA e entrou em contato com o jazz. Mantendo sua base no choro e samba, passou a utilizar acordes e escalas que expandiam o sistema tonal.
Segundo o pesquisador Paulo Tiné: Aníbal vai além de sua época na utilização de dissonâncias em suas peças: sextas, sétimas, nonas, décima primeira e décima terceira em sua harmonia, o que antecede a estrutura harmônica principal da música popular brasileira a partir da bossa. (TINÉ, 2001 p. 110).
No LP ‘Alta Versatilidade’ de 1957 e lançado pela Odeon, a faixa 10 traz uma composição de Bonfá com o nome ‘Garoto’. Levando em consideração que Garoto faleceu em 1955, seria provável ou até lógico supor que Bonfá fez a peça em homenagem ao amigo.
A peça ‘Garoto’ se estrutura na forma rondó, conhecida na divisão ‘A, B, A, C, A’. Este formato é perceptível e recorrente em peças de choro, e este gênero denotou uma significativa parte da obra do violonista Aníbal, como mostra a pesquisa de Celso Delneri (2009) ao fazer o recorte de sua investigação somente em peças de choro do compositor.
Além da forma, em uma escuta mais apurada, chama à atenção a variedade de acordes dissonantes que aparecem na peça. Em geral, os mesmos descritos por Tiné (2001) ao analisar peças para violão de Garoto, tais como sextas, sétimas, nonas, décima primeira e décima terceira. Garoto usufruía de modulações em suas peças para choro, e Bonfá utiliza esse recurso na peça, ao considerar que a parte A se encontra no tom de ré maior, parte B em si menor e parte C em fá# maior.
Buscamos tecer breves apontamentos de possível influência entre Garoto e Bonfá, porém essa questão é passível e até necessária de uma investigação mais acurada. Faz-se relevante, nesse caso, considerar também a tradição oral, e recorrente na música popular, na qual o aprendizado ou troca de informações entre os violonistas pode ter ocorrido em conversas entre os intervalos dos trabalhos realizados por ambos na Rádio Nacional ou nas reuniões na casa de Garoto em Copacabana, entre outras ocasiões possíveis e dificilmente documentadas.
O Caminho para os EUA
Bonfá excursiona pela primeira vez ao EUA em 1957, uma atitude que não deve ser vista como decorrente de suposta falta de espaço no Brasil, dado que nesta época já era conhecido no Rio de Janeiro e Dick Farney havia gravado algumas de suas músicas, como ‘Sem esse Céu’ (1952) e ‘Perdido de Amor’ (1953). Também em 1952 gravou com Tom Jobim uma composição de Bonfá, ‘Dúvida’, em duo de violão e piano. (TAUBKIN, 2007).
O motivo de sua ida aos EUA foi o interesse que já demonstrava à época pela música popular norte-americana, despertado pelo cinema. Em depoimento à revista ‘Guitar Player’, Bonfá revela essa motivação: “Junto com meu amor pelo samba, sempre fui apaixonado pela música americana. De Glenn Miller a Jimmy Van Hausen. O que despertou esta paixão foi o cinema. Um dia, por volta de 1955, marquei de assistir a um filme com Isaias Sávio. Se chamava “Suplício de uma Saudade”, com William Holden e Jeniffer Jones. O tema principal era “Love is a Many Splendores Thing”. Saí do cinema hipnotizado e lembro que falei para Savio que queria fazer esse tipo de música: romântica e com harmonia sofisticada. Dois anos depois, já estava em Nova York, trabalhando com Mary Martin e entrando num mundo mágico”. (RUSCHEL; HEPNER, 1997, p. 48).
Sem falar inglês e com pouco dinheiro, Luiz Bonfá chega aos EUA. Em entrevista ao músico Mário Adnet, em 2000, para o livro ‘Violões do Brasil’, Bonfá descreve a chegada e os primeiros momentos nos EUA:
Batalhei muito. Cheguei lá sem saber o idioma, sem grana e com o violão embaixo do braço. Fiquei hospedado numa pensão em Nova York e andava o dia inteiro atrás de trabalho. Fui ajudado por amigos do Brasil, como o saudoso Ibrahim Sued. Na época, por me conhecerem bem, me convidavam para todas as festas e eu tocava a noite inteira de graça, esperando alguma coisa acontecer. Numa dessas festas, fui observado por uma grande cantora que fiz grandes musicais na Broadway, chamava Mary Martin. Foi aí que tudo começou. Passei a integrar a orquestra dela, e ela sempre me dava oportunidade de fazer solos e participar de seus discos. Fui ficando conhecido e viajamos pelo mundo. (TAUBKIN, 2007, p. 79).
Em 1959 volta para o Brasil e compõe ‘Manhã de Carnaval’ e ‘Samba do Orfeu’, ambas para a trilha sonora do filme Orfeu Negro. Em 1962 aderiu à Bossa Nova, tendo participado do festival realizado no Carnegie Hall, em Nova York. Entre os intérpretes célebres a cantarem suas músicas figuram George Benson, Frank Sinatra, Diana Krall e Luciano Pavarotti (TAUBKIN, 2007), o que denota a projeção alcançada por este compositor tanto no Brasil como nos EUA.
Em 1968, Bonfá retorna aos EUA, porém já sem as incertezas da primeira ida, e sim contando com reconhecimento e bagagem mais sólida. Nesse ano, Elvis Presley gravou sua canção ‘Almost in Love’, a única canção brasileira gravada por ele. No ano de 1969, ‘Manhã de Carnaval’ foi gravada por Frank Sinatra, e George Benson o convidou para um duo na faixa ‘I got a woman and some blues’.
Permaneceu até o ano de 1991 nos EUA, quando voltou ao Brasil para a gravação do seu último álbum solo, o ‘The Bonfá Magic’(1991). Nessa mais longa estadia, que perdurou mais de duas décadas nos EUA, gravou diversos discos, entre eles ‘The New Face of Luiz Bonfá’, em 1970 e ‘Introspection’, em 1972 (TAUBKIN, 2007).
Apontamentos sobre o Estilo de Bonfá ao violão
Este tópico tem o intuito de realizar breves apontamentos sobre o estilo ou a identidade musical de Bonfá. Tomamos por base depoimentos de músicos que conviveram com o artista e que também conquistaram espaço na música popular e erudita, mais a indicação de peças que possam confirmar os testemunhos.
Quanto à performance de Bonfá, podemos compreendê-la suscintamente no LP Solo in Rio (1959), onde Anthony Weller (1959), violonista e escritor, faz uma descrição de cada música gravada. Em ‘Samboleiro’, Anthony descreve a técnica de ‘brushing’ desenvolvida por Bonfá: Aqui Bonfá mostra de maneira dramática a técnica de “brushing”, que creio ter sido inventada por ele, embora não possa confirmar. A técnica consiste em virar de lado a mão direita, para que as pontas dos dedos raspem nas cordas produzindo uma sonoridade similar a vassourinha de jazz. (WELLER, 1959).
Além da peça “Samboleiro”, podemos identificar a recorrência dessa técnica em outras peças, usada ora na transição entre partes da forma, e ora na repetição de uma parte, a fim de que garanta algo diferente na volta, criando nova consistência. Ao utilizar esse recurso, Bonfá ainda mantém a harmonia e a melodia em fluência, assegurando o andamento da peça.
Escutamos o mesmo recurso na peça ‘Dúvida’, de 1952, gravada em duo de violão e piano com Tom Jobim e na peça ‘Tenderly’, faixa 20, gravada no LP ‘Solo in Rio’ (1959) No álbum “Non Stop To Brazil” (1989), na faixa 7, a peça ‘Mar Encantado’ também explora a técnica de ‘brushing’. Bonfá utiliza desse efeito em algumas peças, e assim possibilita explorar outras texturas.
O contato com o jazz pode ter ampliado os recursos utilizados por Bonfá e sua concepção harmônica. No L.P Solo in Rio (1959) podemos verificar que, na peça ‘Bonfabuloso’ (faixa 7), Bonfá utiliza do walkbass, onde o baixo caminha sobre a harmonia, um recurso amplamente utilizado no jazz. Nesse mesmo L.P, Anthony Weller (1959), violonista e escritor, fez a seguinte descrição dessa peça:
Após a introdução em ritmo de suave e sofisticada valsa passa a um leve swing, com citações de “I Got Plenty of Nuttin”. Esta é, na verdade, mais uma progressão de acorde elaborada por Bonfá, do que verdadeiramente uma melodia a qual foi dada uma base harmônica. Embora simplesmente “tocando violão”, ele apresenta aqui algo espetacular. Observe a passagem pouco antes da seção final, quando Bonfá entra e sai de um pizzicato abafado; e a audaciosa ambiguidade harmônica no final, com seus sinos tocando ao contrário. (WELLER, 1959).
Em depoimento a Myrian Taubkin, o violonista Barbosa Lima fala sobre a concepção harmônica de Bonfá.
A concepção harmônica de Luiz Bonfá sempre me impactou muito. Era um violão diferenciado, com movimentos de vozes, com contraponto, um conceito orquestral ainda não superado na música brasileira. Um violão tratado como uma pequena orquestra. Isso me influenciou muito nos trabalhos de transcrição e harmonização que passei a fazer. (TAUBKIN, 2007, p. 78).
Considerações Finais
Luiz Bonfá explorou certa diversidade de ritmos pelos quais o violão permite transitar. As aulas com Isaias Sávio possibilitou maior aprimoramento da técnica violonística proveniente do repertório erudito; o convívio com Garoto e outros músicos brasileiros intensificou o conhecimento e o gosto sobre o samba e choro. Desenvolveu a técnica de ‘brushing’ tornando-a característica de sua maneira de tocar. Recursos do jazz foram assimilados em suas peças e, durante o período que passou nos EUA, diversos intérpretes gravaram suas canções, como Elvis Presley, George Benson, Frank Sinatra, Diana Krall, que demonstra o reconhecimento que Bonfá obteve no Brasil e EUA.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta M. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 8 ed. 2006.
DELNERI, Celso Tenório. O violão de Garoto: a escrita e o estilo violonístico de Anibal Augusto Sardinha. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA-USP, 2009.
DOSSE, François. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. Trad: Gilson C.C. Souza. São Paulo: EDUSP, 2009. LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta M. (orgs.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 8ed. 2006.
MELLO, Jorge. C. Luiz Bonfá, 2015. Disponível em:
http://www.violaobrasileiro.com.br/dicionario/visualizar/Luiz-Bonfa. Acessado em: 14/01/17.
RUSCHEL, Beto; HEPNER, David. O estilo suave de Luiz Bonfá. Guitar Player. São Paulo, v.13, p.46-49, fev. 1997.
SOUZA, Tárik de. Tem Mais Samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2003.
TAUBKLIN, Myrian (org). Violões do Brasil. Editora Senac-SP, 2007.
OROSCO, Maurício Tadeu dos Santos. O compositor Isaias Sávio e sua obra para violão. Dissertação de mestrado. USP, 2001.
WELLER, Anthony (ed). Solo in Rio 1959. [Texto do encarte]. Intérprete: Luiz Bonfá. Rio de Janeiro: MCD – gravadora independente brasileira. 1959. LP.