Pensadores do Choro – A música como dom, o Marajó como missão: a luta pelo reconhecimento de sua obra


No domingo 24 de janeiro de 2016, a Revista do Choro começou a publicar o livro Pensadores do Choro na íntegra para seus assinantes. A cada domingo um novo capítulo vem sendo publicado desde então. Após publicarmos o artigo Tudo Culpa do Choro, do autor Sergio Aires, contemplado pelo prêmio literário promovido pela Revista do Choro e e-ditora] (www.portaldaeditora.com.br), em 2014, estamos publicando o texto de Vanessa Trópico vencedor do edital: O choro marajoara de Adamor do Bandolim e um breve relato da história do choro no Pará. Leia hoje o décimo e último capítulo do texto de Vanessa Trópico. 

Boa leitura!

Mestre Adamor do Bandolim pelas lentes de Sergio Malcher.

Mestre Adamor do Bandolim pelas lentes de Sergio Malcher.

O choro marajoara que se apresenta através do bandolim e da figura do bandolinista e compositor Adamor, articulando a representatividade de um instrumento musical e toda a sua carga de historicidade e poder simbólico e imaginário, bem como sua sonoridade inserida na música popular brasileira, suporta um tecido de relações que pode revelar-se enriquecedor por trazer como tema basilar o Marajó.

A vivência deste homem em meio a floresta, seus costumes e cultura faz dele um agente ativo cultural singular Questionado sobre o porquê de suas composições trazerem sempre o Marajó como protagonista, Adamor diz que isso se dá pelo fato de suas músicas refletirem as necessidades de seu povo. Ele afirma que hoje os municípios do arquipélago estão muito melhores do que na época de seu pai, porém as necessidades ainda são grandes demais. Nosso Chorão, que sempre foi um homem do povo, tenta, por meio de sua música, interceder por melhorias. Este homem de que tanto falei nestas páginas é um senhor aposentado, que passa por todas as dificuldades de outros em nosso País. Seu grande diferencial além da enorme esperança é a música como instrumento de transformação. Em sua casa, estilo antigo, você encontra um escritório feito por ele; simples, mas extremamente organizado. Sua esposa e companheira atual, Izabel Nobre, musa inspiradora dos choros Doce mel e Teu pranto, meu choro. Izabel, tem a missão diária de cuidar do esposo e do músico, guarda e cataloga com meu zelo tudo que se refere à vida artística do marido. Nesse espaço que chamo de seu escritório, ele reproduz cópias de seus trabalhos para entregar aos seus seletos fãs, aos compositores de fora que visitam a terra e para quando aparecer a oportunidade tão sonhada que é regravar o disco Chora Marajó e gravar em vida todas as suas composições ainda inéditas.

O sonho de menino, de compor o regional da rádio PRC-5, que ele ouvia em Anajás, e usar a camisa de cor grená com letras amarelas, não se realizou. Também, hoje, se torna distante porque não existe, além da Casa do Gilson, um lugar onde os músicos possam apresentar seus trabalhos. Adamor considera que o poder público olha para o choro e para os chorões como um subproduto.

“- A Rádio Cultura da cidade tem um programa de choro. Eles nos dão um espaço pequeno na rádio, das cinco às seis da manhã, quando está todo mundo dormindo…”, conta nosso Chorão.

O carimbó foi reconhecido recentemente como patrimônio cultural da humanidade, mas se o turista chegar em Belém, não encontrará nenhuma casa de carimbó. Com sorte, encontrará em Icoaraci.

Mas sua esperança vai longe. Ele deseja que o poder público olhe pela cultura do estado. O Gente de Choro, grupo mais antigo de choro da região, fez uma apresentação para a Fumbel (Fundação Cultural Município de Belém), que tem por função promover ações culturais no município de Belém. Demorou oito meses para pagar o cachê do grupo. Tal atitude de descaso não é diferente do que esta fundação faz com o Carnaval em Belém. Nosso chorão desabafa e espera um olhar mais generoso por parte do poder público de forma nacional. Ele diz não se referir a ele isoladamente, mas sim, aponta para os talentos do nosso estado em outros gêneros. Adamor conta que alguns dias antes de nossa entrevista ouviu uma música composta em 1982 por Armando Hesket, feita para a cidade de Belém, e que ficou impressionado com a riqueza da melodia e da letra… Disse que se tivesse poder de mando em suas mãos, elegeria a composição para ser o hino dos 400 anos de Belém, em 2016.

O Mestre do Choro tem uma vida digna, porém, humilde. Embora seja sempre muito solicitado para tocar em gravações de CDs e DVDs de músicos da cidade, o mesmo não acontece com os projetos culturais, como a Virada Cultural, Aniversário de Belém entre outros. Nenhum desses eventos teve espaço para uma apresentação se quer dos músicos de choro, os quais, como já esforcei-me em tentar mostrar, são muitos.

Atuantes, os chorões, hoje, são os melhores músicos e instrumentistas da música popular da região. A prova disto está na presença deles em shows e gravações de quem está tentando se lançar na MPB.

Sua discografia começa em 1993 quando grava seu primeiro disco em vinil; Chora Marajó, o qual também teve divulgação nos estados do Maranhão, Piauí e Amapá.

Em 1999, como compositor e intérprete, Adamor do Bandolim fez parte do CD Choro Paraense (série Pará instrumental, Volume IV) e gravou o CD Adamor Ribeiro (Projeto Uirapuru, Volume VII).

Concluindo seu novo CD, Lágrimas da Minha Ilha, Adamor diz que continuará teimando em fazer choro por aqui.

Para o Chorão do Marajó, o choro é sua religião. A doutrina é o choro dos profetas Pixinguinha, Garoto e Jacob do Bandolim:

“- Acredito que quando estamos tocando bem concentrados, estamos interligados a Deus”, considera Adamor.

Para Carlos Alberto Meireles (Mestre Bochecha), a maior diferença entre o choro carioca e o choro marajoara de Adamor está na linguagem.

“- Se você colocar um choro do Pedro Amorim e outro do Adamor do Bandolim, embora ambos sejam grandes bandolinistas, a grande diferença estará na formação harmônica. As composições de Pedro Amorim obedecem a métrica do choro; o choro do Adamor não tem esse critério, é o que vem… Você ouve o choro do Adamor e se não estiver preparado para tocar, com certeza vai cair, vai se perder. Se não estudar um pouquinho a obra dele, não consegue acompanhar. Isso é a assinatura dele”, diz o cavaquinista.

No olhar de Carlinhos Gutierrez, a obra feita por Adamor é harmonicamente surpreendente. Em suas palavras ele define a obra do nosso Chorão como desafiadora:

“- Ele não tem um desenho, um formato definido. Ele consegue imprimir a identidade dele na música que não tem influência de nenhum outro chorão. Alguns choros de Jacob do Bandolim se parecem harmonicamente com os de Pixinguinha, mas as composições de Adamor, não…”, considera Carlinhos.

Cabe aqui pontuar a audácia em colocar, em determinado momento em primeiro plano, a sonoridade da obra musical como representação da vida humana por ela mesma e não tão somente a arte como produção sonora de um grupo social, onde esta participa como trilha sonora para os acontecimentos. Nosso Chorão percorre a música desta forma.

Para Elen Nívea, o choro de Adamor do Bandolim é pura emoção.

“- É realmente um choro caboclo. A gente escuta essas conversas de que é muito difícil de tocar e é mesmo, pois ele nunca estudou partituras e tem tudo na cabeça. Hoje, eu defino o choro do papai como um choro ingênuo e cheio de uma criatividade tão verdadeira, tão verdadeiramente dele, tão verdadeiramente ele… É muito singular. Ele consegue colocar ali naquela música a sua essência, consegue transpor… Tem composições que ele não toca até hoje porque se emociona… É a pura verdade de Adamor Lobato Ribeiro”, diz sua filha.

A sonoridade musical é sim uma criação essencialmente humana, mas também é uma representação da criação, tanto que, a sonoridade esteve presente antes mesmo da existência humana na Terra. Adamor acredita ter recebido um dom: ser apenas um veículo da vontade de Deus.

Para Mestre Bochecha, o choro é impar, é o melhor gênero rítmico, harmônico e melódico do planeta. Muito melhor que o jazz. E o chorão de verdade é aquele que se entrega de corpo e alma ao choro.

Carlinhos Gutierrez vê em um chorão a habilidade de imprimir sentimentos só dele por meio do improviso:

“- Um virtuosismo mesmo, como no caso de Paulinho Moura. Se você o ouvir tocar dez vezes o mesmo choro, ele tocará de dez formas diferentes…”.

“- Na minha vida as coisas foram acontecendo e eu sempre ali, forte no meu propósito de tocar o melhor possível. O meu choro é diferente de todos os outros porque é um choro caboclo mesmo, é dentro da levada do que se escuta aqui. A gente está teimando em fazer choro e ainda temos muito que aprender”, diz o Mestre Adamor.

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Author: imprensabr