A CASA DE JACOB DO BANDOLIM: PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO SECULAR NO CENTRO HISTÓRICO DO RIO É REVITALIZADO POR EMPRESÁRIO DO SETOR GASTRONÔMICO


Leonor Bianchi

Minha história com o choro talvez seja mesmo de berço, o que eu sempre neguei, mas não tem como negar: carioca da gema, frequentei muito a rua Joaquim Silva, onde Jacob do Bandolim  (Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1918 — Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1969) nasceu, foi criança e conheceu a música e o choro.

Foram inúmeras noitadas na Joaquim Silva – e por que não ser sincera -, homéricas bebedeiras, no início da vida acadêmica, tendo que acordar muito cedo no dia seguinte para encarar textos densos, estágios em agências de publicidade e ou redações jornalísticas. Mas, diariamente, lá estava eu de volta às noites ilustradas da Lapa carioca. E o lugar que eu frequentava era bem mais democrático e popular do que o Semente, extinto e glorioso Bar Semente, que tinha sido aberto há pouco tempo e já explodia na época. Ficava exatamente no extremo oposto da Joaquim Silva, na outra esquina: era o bar do tio Cláudio; falecido tio Cláudio, que ficava em frente, exatamente em frente à casa de Jacob do Bandolim.

No bar do tio Cláudio conheci a malandragem da Lapa, fiz amigos, e aprofundei meus conhecimentos em música brasileira, , sobretudo, em samba e choro; estes certamente adquiridos desde o berço com meu pai Fernando.

Por algum tempo minha vida resumia-se a ser estudante de jornalismo de uma universidade pública federal, ser estagiária em boas agências e redações, frequentar a Lapa, e beber com os sambistas e malandros.

Conheci a loucura das drogas sem fazer parte dela. Jovem – eu tinha meus 18, 19, 20, 21 anos -, nunca curti anfetamina. O que dava onda mesmo era fazer parte da roda de samba ou choro; cantar do início ao fim todos os sambas, gastar o salto na roda, e comungar com o copo de uma boa cerveja bem gelada a vida, a juventude, a música, a arte, a cultura… Era tudo muito simples… A arte pulsava forte e muito vivaz na minha frente e nas minhas veias! Tudo acontecia! Eu era jovem descobrindo mundo…

Hoje o bar do tio Cláudio já não mais existe, o tio Cláudio já teve seu gurufim… mas em frente a ele, na casa onde nasceu e morou Jacob do Bandolim, o ícone do Bandolim Brasileiro no choro, reconhecido internacionalmente por seu virtuosismo ao instrumento, sua capacidade de compor e arranjar para o choro, seu gênio forte, e até meio ranzinza, como diriam alguns, e seu acervo monumental, que até hoje desperta a curiosidade e revela surpresas sobre sua vida e o cotidiano do choro daquele tempo, pode-se ouvi hoje, novamente, o som dos bandolins de Jacob.

A casa está aberta, e quem quiser visitar o espaço para ver de perto a história viva do choro encontrará no local um restaurante vegano administrado por um jornalista carioca, um grande investidor, empreendedor, e que teve a sensibilidade de respeitar características originais da casa, do local, e, sobretudo, a imagem e a memória de quem ali morou primeiro: o nosso homenageado este mês na Revista do Choro; o imortal Jacob Pick Bittencourt, que aniversaria hoje, segunda-feira, 14 de fevereiro.

Jacob nasceu no Rio de Janeiro, na rua Joaquim Silva, nesta casa, e ali teve seus primeiros contatos com o mundo e com a música.

Nesta entrevista o jornalista Alvaro Tallarico, proprietário do restaurante Bandolim Vegan Cult Bar, conta como foi adentrar um imóvel, um templo para os amantes do choro, uma casa tão especial para quem estuda a memória da música brasileira, para quem respeita a memória da cultura brasileira, para nós que pesquisamos a história do choro e estamos aqui numa militância eterna para fazer valer todo nosso esforço em prol daquilo que  sabemos, é resistência cultural, são nossas matrizes identitárias e culturais.

Sinto-me extremamente feliz em ser a jornalista que teve também a sensibilidade de sacar a pauta e entrevistar este jovem empreendedor carioca!

Vamos juntos ouvi-lo nesta entrevista exclusiva que ele concedeu à Revista do Choro.

Obrigada a todos que me ajudam a levar a REVISTA DO CHORO adiante assinando a publicação.

Para fomentar este projeto e fazer com que o choro siga vivo tendo cena e o devido o espaço que merece na mídia nacional e internacional…

FOMENTE!

Assine a Revista do Choro!

Para assinar clique aqui.

Ah, sim! Recentemente ativei o canal da Revista do Choro no YouTube. INSCREVA-SE no canal! Ajude-me a levar este conteúdo a mais pessoas! É de graça. Não paga nada para se inscrever! Para se inscrever, CLIQUE AQUI e depois a palavra Inscrever-se. Obrigada!

 

A ENTREVISTA

 

This slideshow requires JavaScript.

REVISTA DO CHORO: Alvaro, inicialmente vou pedir que se apresente aos leitores da Revista do Choro.

ALVARO TALLARICO: Sou jornalista e escritor. Louvo sempre a escola onde fiz o ensino médio, da FAETEC, a Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, onde tive bons anos e marcou toda minha vida. Agora, em paralelo ao jornalismo, estou a frente do Bandolim Vegan Cult Bar, como casa de cultura e restaurante.

REVISTA DO CHORO: Vamos falar, então, sobre a casa de Jacob do Bandolim. Você sabe que Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, nasceu no dia 14 de fevereiro de 1918 na casa onde você montou um restaurante vegano em 2020, não sabe? Qual é a real situação, você comprou este móvel ou alugou? Conta pra gente a história dessa casa, de que ano ela é, em que estado estava quando você entrou nela pela primeira vez, com quem você negociou para estar hj né aí, a casa estava na mão de quem? Se quiser pode falar em valores… Conte-nos a história dessa casa! Ela é histórica e muito importante.

ALVARO TALLARICO: A casa é antiga sim. Antes do proprietário comprar estava sendo um ocupação, estava uma grande bagunça. Depois foi restaurada. Tem muitos detalhes em art-nouveau e pertenceu a Raquel Pick, mãe de Jacob do Bandolim, que ali cresceu e aprendeu a tocar seu instrumento marcante. Ela pertencia ao grupo chamado de “polacas” , mulheres de origem geralmente polonesa que acabavam muitas vezes trabalhando como prostitutas nas Américas.

REVISTA DO CHORO: O que você tem de documentação mais próxima do tempo em que a família de Jacob do Bandolim morava neste imóvel? Você tem alguma foto, a escritura?

ALVARO TALLARICO: Os documentos estão espalhados pela internet e muitos no Instituto Jacob do Bandolim.

REVISTA DO CHORO: A família de Jacob do Bandolim era dona da casa ou eles alugavam o imóvel?

ALVARO TALLARICO: Segundo consta, Raquel Pick era dona da casa, onde, inclusive, era cafetina.

REVISTA DO CHORO: Você consegue detalhar pra gente como era a casa quando você pisou nela pela primeira vez sem ela sofrer nenhuma interferência de obras?

ALVARO TALLARICO: A casa estava bastante degradada por dentro, alguns escombros, vidros quebrados, mas conseguimos ajeitar as coisas.

REVISTA DO CHORO: Quando você adquiriu o imóvel, você começou a fazer interferências para o espaço poder receber um restaurante. A casa já tinha sofrido alterações em sua estrutura e obras anteriores ao longo dos anos? Quais? E o que você precisou mudar adequar o que você preservou de histórico da casa e da sua arquitetura.

ALVARO TALLARICO: O proprietário do imóvel fez diversos trabalhos de restauração com especialistas. Quando assumi a questão do restaurante, procurei manter tudo o mais rústico possível, por isso, a maior parte está em tijolos.

REVISTA DO CHORO: Ali tinha uma florestinha atrás antigamente. Como é o quintalzinho da casa lá atrás? O quintal dá para onde?

ALVARO TALLARICO: Lá atrás tem um paredão. Fizemos um jardim em uma das áreas externas. Nunca vi florestinha, infelizmente. Adoraria que existisse!

REVISTA DO CHORO: Existe a possibilidade deste imóvel se transformar em patrimônio histórico da cidade do Rio de Janeiro? Na verdade parece que o centro histórico do Rio é tombado… Explica essa parte…

ALVARO TALLARICO: O imóvel já é tombado como patrimônio do Estado. Estamos em busca da placa dizendo que Jacob morou no casarão.

REVISTA DO CHORO: Quando você decidiu montar um negócio na casa você já sabia que seria um restaurante e que teria música ao vivo? Apresente o restaurante e sua proposta.

ALVARO TALLARICO: A princípio, quando esse projeto surgiu, eu seria responsável pela parte cultural da casa de cultura, assim como curadoria de exposições, etc. A ideia sempre foi contar com música, para que estimulasse a economia da cultura na cidade do Rio de Janeiro. Quanto mais locais com música, mais músicos e artistas podem mostrar sua arte. Por isso fiz questão de abrir como casa de cultura, para que a arte tivesse mais um espaço. Só entrei nessa aventura, sem experiência na área, pensando em ser mais um a movimentar o Rio de Janeiro, cidade que amo, onde nasci e fui criado. É triste ver tanta coisa largada, abandonada, e o descaso de tantas pessoas com essa cidade tão única que deveria ser a mais visitada do mundo inteiro.

REVISTA DO CHORO: Todo mundo sabe que o ambiente do choro, da música da noite, das rodas de samba… tudo isso é carregado a muita cerveja, caipirinha, bebida alcoólica, linguicinha frita, dentre outras coisas que bagunçam o estômago do sujeito… Como foi pensar num restaurante mais natural e vegano para um público que frequenta todo esse circuito gastronômico que mencionei agora acima? As pessoas de fato estão buscando uma vida mais saudável? Você percebeu isso? Foi neste sentido. Mas… e aí: funcionou ou você tem que vender linguiça frita? Em resumo: como é ter um restaurante vegano voltado para um público que está acostumado a frequentar boteco e comer comida de boteco? Você sabe que tá lançando moda, né?

ALVARO TALLARICO: Procuro seguir o vegetarianismo na minha vida pessoal então abri o local como vegano, essa filosofia linda, para que fosse parte de uma evolução da cidade, que tanto tem de natureza e possibilidades. Tudo visa estimular a sustentabilidade. Temos pratos tradicionais do Brasil em formato vegano, mostrando que essa gastronomia é saborosa e especial. Amo a natureza, amo os animais, e creio que podemos viver em harmonia.

O Rio de Janeiro tem potencial turístico imortal e deve se preocupar com tudo isso. Deveríamos ser vanguarda na comunhão entre natureza, cultura, história e alegria. Existe uma resistência e até um preconceito de algumas pessoas com o termo vegano, mas é por pura falta de conhecimento. A maior parte do que consumimos é vegana. Temos comida de boteco no estilo vegano como bolinho de aipim, bolinho de feijoada, uma batata cheia de cheddar e bacon, feito de inhame! É sensacional. As pessoas ficam realmente impressionadas. Em muitos outros países o veganismo está mais avançado e recebemos elogios de pessoas do mundo inteiro. É muito estimulante. Veganismo não é moda, é um passo evolutivo. No geral, e crescente a preocupação com a alimentação e com o que está por trás dela. As novas gerações estão mais atentas nisso, evitando alimentos industrializados, embutidos e o que vem a partir de crueldade animal. O futuro próximo é de um mercado ético, com muito conteúdo regenerativo e uma internet descentralizada.

REVISTA DO CHORO: Você tem uma relação direta com o choro?

ALVARO TALLARICO: Não tenho relação direta com o choro. Sempre frequentei rodas pelo Rio de Janeiro como apreciador. É um gênero importantíssimo e de uma beleza e musicalidade surrealmente esplêndidas. Temos que valorizar cada vez mais.

REVISTA DO CHORO: Quem são os regionais que se apresentam na casa? Conta pra gente um pouco sobre a dinâmica desse restaurante vegano que tem rodas de choro toda quinta-feira.

ALVARO TALLARICO: O Regional do Caio se apresentou algumas vezes e, no geral, damos oportunidade para músicos sem grande fama. Por exemplo, todo sábado de tarde temos Jajá Souto e Rodrigo Toledo, que tocavam no metrô e hoje são fixos na casa. Hoje temos apresentações diversas de quarta a segunda. Fechamos somente nas terças porque merecemos um dia de descanso, né? Temos forró nos domingos de noite, e chorinho geralmente nas segundas e sábados. Já tivemos show de música de rezo, samba, karaokê ao vivo, jazz e até fado com Ananda Botelho.

REVISTA DO CHORO: Qual é o público que você recebe, quantas pessoas você comporta na casa, e como é a disposição da casa? Apresente o novo layout da casa de Jacob do Bandolim pra gente.

ALVARO TALLARICO: Temos espaço para receber aproximadamente entre 90 e 120 pessoas. Temos dois espaços separados, um mais perto da música e um mais longe, um bar bonito e estiloso, um pé direito alto impressionante, tudo muito arejado.

REVISTA DO CHORO: Você tem no restaurante alguma folheteria com uma rápida biografia de Jacob do Bandolim para dar aos visitantes? Seria interessante! E a toalha de papel das mesas, o cardápio… O que o restaurante tem em nível gráfico que faça menção a Jacob do Bandolim e conte um pouco da sua história para quem entra na casa sem saber que ali nasceu Jacob Pick Bittencourt, um dos maiores bandolinistas do mundo brasileiro, carioca?

ALVARO TALLARICO: Temos um grafite inspirador de Jacob feito pelo artista Alexandre Kdoum. Estamos trabalhando para uma exposição permanente com algumas fotos antigas.

Jacob do Bandolim foi uma figura ímpar na história do Rio de Janeiro e da música. É uma honra hoje estar com essa casa de cultura na casa onde ele nasceu e cresceu. Só saiu quando casou. Sua base foi aqui, vendo os “amigos” de sua mãe entrando e saindo, entrando em contato com a arte presente na Lapa e no Centro. Salve Jacob do Bandolim e nosso Rio de Janeiro.

REVISTA DO CHORO: Você leu a história que eu contei no Facebook, que foi uma história assombrosa, e através dela você fez contato comigo. Eu estive na porta da casa de Jacob do Bandolim pela última vez no ano de 2017, no dia 21 de novembro. Eu e um bandolinista de São Paulo apaixonado por Jacob do Bandolim. Ele inclusive pediu para que eu fizesse uma foto dele ao lado de uma moto harley-davidson que estava estacionada em frente à casa de Jacob. Pois bem, eu que era uma assídua frequentadora de uma roda de choro e samba exatamente do outro lado da rua nos meus 19, 20, 21 até os meus 24 anos de idade – hoje tenho 46 -, estava muito emocionada porque não pisava na Joaquim Silva há aproximadamente uns 16 anos! Então, fiz a foto do meu amigo na porta da casa, e enquanto estávamos ali vendo as fotos que eu havia feito, na tela do celular, uma senhora abriu a porta da casa e começou a conversar conosco, e de repente depois de uns dez minutos ali em pé na nossa frente, numa fração de milésimos de segundo a senhora sumiu e a porta se fechou. Depois fomos procurar o filme que nós tínhamos feito dela ali na porta – porque nós entrevistamos essa senhora na porta da casa, gravamos um filme com ela de uns 10 minutos -, o filme havia sumiu do meu celular assim como todas as outras fotos que fizemos na porta da casa. Só ficou essa foto que eu consegui salvar e foi publicada nessa publicação do Facebook, do meu amigo em frente a casa, ao lado da moto. Em resumo: você já viu algum fantasma na casa? Existe alguma coisa assombrosa no lugar, você já escutou o bandolim de Jacob? Conta pra gente os mistérios dessa casa tão importante para a história do choro, localizada numa rua com vibrações energéticas muito loucas, que é a rua Joaquim Silva. Eu frequentei muito e conheço perfeitamente. Por aí transitam frequências as mais diversas possíveis. Os artistas e o público seco por arte mantém o equilíbrio dessa vibração, pois a Lapa tem uma energia muito tensa, muito forte, muito pesada. O que salva é justamente essa cena artística que toma conta do lugar e faz da Lapa do Rio de Janeiro um dos maiores corredores culturais do mundo.

ALVARO TALLARICO: Engraçado que geralmente as pessoas dizem que gostam da energia da casa. Depois que conto que foi uma casa de prostituição, até se assustam. Nunca vi nenhuma assombração, nem vi ou ouvi nada estranho. Em cima da entrada principal tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, de quem sou devoto. Creio que a proteção dela, tão maravilhosa, ajuda em todas as questões. Não conheci na minha vida vibração melhor que de Jesus e Nossa Senhora. A Lapa é espiritualmente pesada sim, muitas drogas, excesso de bebidas alcoólicas, promiscuidade, malandragem. Mas também é um berço de alegria, música, amor, arte. A Lapa é a cara do Rio de Janeiro, em suas virtudes e defeitos. Prefiro focar nas partes boas, com fé, e sigo nesse jornada pela arte como expressão da divindade.

 

O restaurante funciona na Rua Joaquim Silva, 97, Lapa, Rio de Janeiro.

 

imprensabr
Author: imprensabr