Leonor Bianchi
Com 23 anos, a jovem cearense Brenna Freire toca cavaquinho há 10. Filha do chorão autodidata Ribamar Freire, o Ribamar Sete Cordas, chorão muito conhecido em Fortaleza, tem contato com o choro desde que nasceu.
Aos 13 anos Brenna pediu um cavaquinho de presente para o pai, que logo comprou o instrumento incentivando o interesse da filha. Seria o começo de uma bela trajetória com a música, com o choro, tendo como companheiro o pequeno cavaquinho. Hoje Brenna se destaca no ambiente do choro como uma das mais atuantes e promissoras cavaquinistas brasileiras de sua geração, apresentando-se ao lado de grandes chorões e músicos renomados.
“Logo que ganhei o cavaco já tirava algumas músicas e então comecei a estudar. Meu pai me colocou para estudar com um amigo dele, o chorão Fábio Souza, com quem estudei cerca de um ano, aproximadamente. Quando eu tinha uns oito anos, mais ou menos, meu pai me deu um violão. Comecei a estudar, cheguei a fazer uns solos, mas não tive interesse pelo instrumento e logo desisti; não quis estudar violão. O cavaco foi sempre um desejo meu; sempre gostei do timbre do cavaquinho”, lembra a instrumentista.
Licenciatura em Música, carreira acadêmica, mas sem nunca esquecer a performance ao instrumento
Hoje ela faz licenciatura em Música na Universidade Estadual do Ceará, mas chegou a prestar vestibular para Engenharia. Seu projeto de conclusão de curso, segundo ela, será sobre o instrumento que escolheu estudar e tocar: o cavaco. Ela quer estudar a levada do cavaquinho.
“Escolhi a música como profissão, mas antes cheguei a estudar Engenharia. Quando tentei o vestibular, fiz prova para o curso de Engenharia para a Universidade Federal do Ceará, e escolhi Música para a Universidade Estadual do Ceará. Passei nos dois e só depois de cursar Engenharia foi que decidiu que a música era o que de fato eu queria estudar e seguir profissionalmente. Ainda estou longe do projeto final de curso, mas pretendo falar da levada do cavaquinho”, revela a estudante e futura professora de Música.
Oficinas de choro também ajudam na formação da chorona
A formação musical de Brenna também baseia-se em oficinas de choro que acontecem em festivais de choro e também no contato a Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro, onde tem como grande incentivadora de seu trabalho, a professora e cavaquinista, Luciana Rabello, uma de suas maiores referências no cavaquinho.
“Sempre faço oficinas de práticas de choro quando acontece o festival Choro Jazz. Esse ano – 2015 -, foi o primeiro ano que teve cavaquinho e eu fiz a oficina com o Henrique Araújo, cavaquinista de São Paulo. Além da oficina de cavaquinho no festival Choro Jazz, também participei de um festival chamado Música na Ibiapaba, que aconteceu durante 10 anos, e eu fui em duas edições. Participei de uma oficina de Prática de Choro também, nesse festival, com o Zé Paulo Becker.
Em todas as minhas idas ao Rio de Janeiro, sempre vou à escola Portátil de Música. Tenho uma relação muito boa com a Luciana Rabello. Sempre fui muito fã do trabalho dela. Eu a conheci aqui, se não me engano em 2009, quando ela veio participar de um festival de choro e o grupo dela veio para Fortaleza. Fui assistir e depois fui tietar. Depois do show, fomos jantar num restaurante e aí começou a rolar uma roda. Nesse dia, a primeira música que toquei foi uma composição dela. Aí ela me convidou para passar uns dias no Rio e eu fui. Fiquei lá uns 10 dias, conheci muita gente legal. Mantenho contato com ela e sempre que podemos estamos juntas. Meu contato com a Luciana é fundamental. O cavaquinho que eu uso hoje foi indicação dela… Enfim, sou fanzaça dela!”, conta Brenna.
Todo esse conhecimento que já vem de berço, Brenna transmite em aulas particulares que dá duas vezes na semana, dividindo seu tempo com todas as outras atividades rotineiras de um instrumentista dedicado exclusivamente ao estudo da música e do seu instrumento.
“Dou aulas particulares de cavaquinho. Dei um curso de cavaquinho no CUCA, um centro com atividades voltadas para a comunidade. Além dessas aulas particulares, dou aula de musicalização pelo estágio na universidade. Pretendo seguir carreira acadêmica, mas nunca esquecer a parte da performance”, defende a estudante de música.
A menina que ganhou seu primeiro cachê ainda criança, apresentando sua arte num projeto voltado para o público infanto–juvenil, conta como foi esse dia:
“Meu primeiro cachê foi quando eu tinha pouco tempo tocando. Existia um projeto no Instituto Dragão do Mar chamado Miudinho, que mostrava crianças tocando. Um dos shows era como grupo Bem Brasil, do qual meu pai fazia parte. Nesse grupo tinha um pandeirista chamado Aloizio Januário, cujo filho também tocava pandeiro, toca ainda. Eram várias crianças de colégio público assistindo os shows, e os apresentadores eram dois homens vestidos de palhaço. No meio da apresentação, eles brincavam dizendo que iam chamar duas crianças da plateia para subirem ao palco para tocar, só que já estava combinado que as crianças que iriam subir no palco seriam eu e o Anderson, o filho do Aluízio. Nós subimos e tocamos o resto do show. Este foi meu primeiro cachê”, relembra Brenna, que hoje se apresenta em importantes palcos dos maiores festivais de choro do Brasil.
Um elogio do Egberto
O ano de 2015 foi repleto de surpresas boas para a jovem cavaquinista, que também domina o ukulele e o banjo.
Ela participou de um projeto de choro na universidade onde estuda, que teve como base temas mais eruditos no repertório do choro, dos primeiros tempos do choro.
Em dezembro último, foi convidada para se apresentar no festival Choro Jazz, tanto no palco de Fortaleza, quanto em Jericoacoara, ao lado do flautista Charles da Flauta e do violonista Alessandro Penezzi. O show abria a apresentação do pianista Egberto Gismonti.
“Meu último grande trabalho foi acompanhar o músico Charles da Flauta, o violonista Alessandro Penezzi, e um amigo, o Igor Ribeiro, daqui da terra, que toca pandeiro. foi um grande prazer ter sido convidada para acompanhar o show do Charles no Festival Choro Jazz, abrindo o show do Egberto Gismonti. Foi muito bacana… o Egberto viu a gente tocando, teceu elogios e fez questão de ressaltar o fato de ser diferente ver uma mulher tocando cavaquinho.
Integrante Orquestra Popular do Nordeste
Também integra a OPN – Orquestra Popular do Nordeste, projeto de um amigo bandolinista, Pedro Madeira, que estuda bacharelado em composição na UECE e fez um grupo que mescla música erudita com a popular.
“A Orquestra é composto por um quinteto de cordas; dois violinos, viola, violoncelo; contrabaixo, e um regional de choro (sete cordas, cavaco, bandolim, flauta e pandeiro – também tem bateria), interpretando composições próprias – do Pedro -, e de compositores daqui do Nordeste”, conta.
Além desses trabalhos, Brenna acompanha o cantor Marcos Lessa, que esteve no The Voice de 2014, em suas apresentações de samba.
“Gravei uma faixa no cd dele. O último trabalho que fizemos juntos foi a gravação do vídeo da campanha de Natal da Rede Verdes Mares, emissora local daqui”, conta Brenna.
Com toda essa agenda, a cavaquinista ainda encontra tempo para ter um trabalho de Duo para apresentações no badalado Café Passeio.
“Faço esse trabalho com meu pai, Ribamar Freire, às vezes com a Rebeca Câmara e outras, com o músico Alison Félix”, elenca Brenna seus pares no trabalho do Duo.
Além da gravação da faixa no cd do sambista Marcos Lessa, Brenna tem mais duas outras gravações profissionais: uma faixa no cd da cantora e compositora cearense Ângela Linhares, e outra no cd do também músico cearense Paulinho Ferreira, gravei uma faixa para o cd dele. Tenho gravado faixas para rádio, TV.
Sempre privilegiando composições feitas para cavaquinho
Musicalmente falando, se há uma coisa da qual Brenna tem bastante consciência é do que quer fazer com o instrumento. Ainda que domine choros de Jacob, por exemplo, ela insiste na escolha de composições de Waldir Azevedo para construir seu repertório.
“Não sou compositora; sou intérprete. Neste sentido, procuro sempre interpretar músicas, choros de cavaquinho. Não que eu não toque Jacob, Pixinguinha, mas procuro sempre fazer projetos com composições de cavaquinhos. Já fiz alguns shows no Banco do Nordeste com repertório voltado só para cavaquinho; fiz algo parecido para um projeto no Instituto Dragão do Mar, para o Passeio Público. Antigamente, todo final de semana tinha um projeto da prefeitura no Passeio Público, e eu toquei sempre apresentando composições de cavaquinho”, observa a devota do cavaco, enaltecendo aquilo a que se dedica da maneira mais honesta com sigo que possa haver.
O choro hoje no Ceará
Quando a pergunta se refere diretamente a como está a cena do choro em seu estado natal, ela conta que:
“O choro no Ceará está cada vez maior; há muitos jovens começando a tocar. Tem mais aceitação do público, mais lugares para apresentações de choro.
Tenho uma relação boa com os chorões antigos da região, até porque meu pai é um desses chorões, e acabou que hoje eu tenho contato com todo mundo numa boa, não tem muita diferença,” conta Brenna, que transita super à vontade entre todas as gerações de instrumentistas que tocam choro em seu estado, e afirma não haver discriminação ou indiferenças a ela por ser uma mulher no meio da roda dentre tantos homens, sempre a maioria no choro.
“Com relação aos homens na música, sinto que sim, antigamente existia uma rixa, uma indiferença. Já houve algumas situações em que eu precisei demonstrar capacidade e com minha música, consegui mostrar que não existe essa de gênero. Essas coisas não têm a ver com gênero, tem a ver com capacidade, com profissionalismo”, conclui Brenna.
Seu pai, Waldir Azevedo e Luciana Rabello são suas grandes referências
“Meus mestres, além do meu pai, que sempre me incentivou e a quem sempre eu ouvi desde criança, são Waldir Azevedo e a Luciana Rabello”, diz Brenna Freire, que ainda promete orgulhar muito o povo do ceará e do Brasil com sua música, seu choro e seu cavaquinho.