Por Leonor Bianchi
Laureado e premiado, o pianista Hercules Gomes (35) sabe bem o valor que tem cada degrau que precisou subir para chegar aos grandes palcos, onde hoje se apresenta com frequência. De família humilde, da periferia de Vitória, no Espírito Santo, ele não teve grandes recursos para estudar música, nem facilidade para comprar seu instrumento favorito: o piano. Contudo, seu amor e determinação pelo que queria ser, um pianista, o levaram a alçar voos altos e promissores em sua carreira curta, porém, bastante profícua.
Em 2013 ele lançou seu primeiro CD solo: Pianismo, onde traz seis composições autorais e outras seis de diversos compositores, dentre eles os chorões Ernesto Nazareth e Hermeto Pascoal.
Atualmente Hercules Gomes se apresenta com sua formação Trio e Duo, mas também faz apresentações solo e ministra aulas e oficinas de piano.
Este mês, a Revista do Choro traz em sua capa uma entrevista com o pianista Hercules Gomes, que nos conta um pouco de sua história e de sua relação com o choro e a música.
Nos dias 18 e 19 ele se apresenta com a Orquestra Sinfônica de Campinas, no lançamento do CD Concertos Cariocas de Radamés Gnattali. No disco, Hercules Gomes toca o Concerto Carioca N 2. de Radamés.
“Ano passado fui convidado pela Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas para gravar o Concerto Carioca N 2., de Radamés Gnattali, que faz parte do CD ‘Concertos Cariocas de Radamés Gnattali’, com regência do maestro Victor Hugo Toro. São concertos com instrumentação de música popular, com instrumentos de música popular com solistas de orquestra”, conta Hercules.
Nos dias 25 e 26 ele se apresenta no Savassi Festival, em Belo Horizonte. Na primeira noite, ele estará acompanhado do violonista mineiro Lucas Telles; o segundo show será com seu trio: Hercules Gomes (piano), Rafael Abdalla (baixo), Amoy Ribas (percussão).
Revista do Choro: Hercules, você nasceu em Vitória (ES), filho de seu Paulino e Dona Teresa, foi lá, aos 13 anos que iniciou seus estudos musicais. Conte-nos um pouco sobre sua infância em Vitória, sua rotina de menino, tinha irmãos, e seus pais, quem eram, quem são? Seu pai também foi um músico autodidata e tocava violão nas horas vagas do trabalho numa oficina de carros, certo? Foi através dele que você se sensibilizou pela música?
Hercules Gomes: Nasci em Vitória, porém, cresci em Cariacica (Grande Vitória). Sou filho único. A minha infância era tranquila. Apesar de vir de uma família muito humilde nunca me faltou nada. A presença da música em casa foi por causa do meu pai. Minha mãe é costureira e ele pintor de carros, que nas horas vagas tocava baixo e violão. Ele gostava muito da Jovem Guarda, então, o que eu o ouvia tocar em casa era essa música. Porém, meu primeiro contato com um instrumento no sentido do estudo do mesmo só aconteceu aos 13 anos quando meu pai começou a me ensinar violão. Nesse tempo meu pai tocava na igreja numa comunidade católica chamada Imaculada Conceição e eu também toquei. Pouco depois comecei a tocar teclado como autodidata. Em escola de música mesmo só entrei depois de alguns anos aprendendo sozinho.
Revista do Choro: O que seu pai ouvia no rádio, na vitrola? Você considera que hoje tem influências musicais desse tempo?
Hercules Gomes: Ele ouvia muita música da Jovem Guarda e também sertanejo. Sem dúvida influenciou o que faço hoje. Talvez de forma indireta, mas não tenho dúvidas, influenciou sim.
Revista do Choro: E hoje, quem é Hercules Gomes? Quantos anos têm, é casado, tem filhos, quantos, mora em Campinas? Fale um pouco sobre você e sua rotina familiar, o que faz fora do estudo do piano e dos palcos.
Hercules Gomes: Tenho 35 anos, sou casado e tenho dois filhos: a Helena, de cinco anos, e o Joaquim, que acabou de nascer! Tem um mês de vida. Sai do ES em 2000 para fazer graduação, mudando, então, para Campinas. Morei em Campinas de 2000 a 2006 e desde então vivo em São Paulo. Sobre o que faço fora do palco depende muito da época. Agora tenho ficado muito com meus filhos no tempo livre. O meu hobbie acaba se misturando muito com a profissão. Gosto muito de ouvir coisas novas e também experimentar coisas novas no piano, nas hora vagas (que são muito raras!).
Revista do Choro: Voltando ao passado… aos 13 anos você já era um estudante de música e estudava sozinho. Seu primeiro instrumento foi um violão, certo? Quem te deu esse violão? E como você estudava?
Hercules Gomes: Sim, na verdade não era estudando. Meu pai me ensinava alguns acordes no violão somente. Eu estudava no violão dele, mas na minha infância ele tentou me incentivar dando-me de presente um violão da Turma da Mônica, pequeno, tipo infantil. Fiquei decepcionado, pois, pelo tamanho da caixa, eu pensei que era um autorama. Nunca toquei nesse violão.
Revista do Choro: Já com certo conhecimento musical você foi tocar em algumas bandas do estado do ES. Quais bandas eram essas? Como você foi ‘parar’ nessas bandas? Alguma delas centenária hoje em dia?
Hercules Gomes: A minha primeira banda foi de pagode. Chamava-se Curtsamba. Hoje em dia chama-se Pele Morena e eles são bastante conhecidos na cena musical do ES. Convidaram-me para entrar nessa primeira banda porque eu era do mesmo bairro e naquela época não tinha tanto tecladista no bairro. A partir dessa banda conheci outros músicos e comecei a tocar em outras bandas, como a Flash Back, que tocava Disco Music. E, através desses músicos amigos, fui conhecendo outros tipos de música e interessando-me cada vez mais pela música instrumental. Na juventude também toquei acordeão e me apresentei com grupo de sertanejo e forró.
Revista do Choro: Como descobriu as teclas, o piano?
Hercules Gomes: Depois de um tempo tocando teclado eu resolvi entrar em um conservatório e foi aí o primeiro contato com o piano. Eu já tinha 17 anos.
Revista do Choro: E você tinha o instrumento em casa para estudar? Como fazia para estudar?
Hercules Gomes: Não, só fui conseguir comprar meu primeiro piano aos 21 anos de idade quando já estava na faculdade. Para estudar eu ia sempre ao conservatório, umas duas vezes por semana, e em casa estudava no teclado. Na faculdade já era melhor porque tinha piano disponível todos os dias.
Revista do Choro: Com que idade você começou a estudar na Escola de Música do Espírito Santo (EMES), e como foi seu exame de admissão para essa escola?
Hercules Gomes: Na EMES (hoje FAMES) entrei um ano antes de passar no vestibular e me mudar de cidade. Fiquei muito pouco… uns seis meses. O exame de admissão era normal. Uma prova de instrumento, outra de percepção e outra de teoria…
Revista do Choro: E depois da EMES, como foi seu desenvolvimento musical?
Hercules Gomes: Depois já passei no vestibular e me mudei para Campinas para cursar musica popular na UNICAMP.
Revista do Choro: Como se deu seu ingresso no curso de Música Popular na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), onde se formou bacharel?
Hercules Gomes: Eu já estava no último ano do colegial e resolvi prestar música, incentivado por um antigo professor que tinha feito o mesmo curso anos atrás. Sempre estudei em escola pública e nessa época, no ES, o ensino público era muito ruim. Então, tive que, praticamente, parar de tocar por um ano para estudar para o vestibular. Passei e foi aí que comecei uma nova fase nos estudos de música.
Revista do Choro: Você também fez o curso de Licenciatura?
Hercules Gomes: Não fiz.
Revista do Choro: Uma vez na universidade, como foi o curso; com quem você estudou, quem foram seus grandes mestres, e o que extraiu de bom dessa grande experiência que é estar numa universidade pública estudando com os melhores pesquisadores e músicos? Do que você mais se recorda desse tempo de Unicamp?
Hercules Gomes: O Gogô (Hilton Valente) foi meu primeiro professor lá. Foi importante ter aula com ele porque muitas coisas consegui sistematizar com isso. Em seguida tive aulas com o Paulo Braga, com que aprendi muito, principalmente sobre música brasileira. E depois tive aulas de piano clássico com o Silvio Baroni, o que considero uma fase divisora de águas.
Revista do Choro: Em que ano entrou na Unicamp e quando se formou?
Hercules Gomes: Entrei em 2000 e me formei em 2005.
Revista do Choro: Que linha de estudo você escolheu para se especializar no tange ao universo do estudo de piano?
Hercules Gomes: Música popular, especialmente a brasileira, mas com uma abordagem mais sofisticada, no conceito técnico e de sonoridade.
Revista do Choro: Você quis fazer mestrado… doutorado?
Hercules Gomes: Não dá tempo… mas se eu conseguisse seria bastante útil…
Revista do Choro: Você pensa em seguir carreira acadêmica e dar aulas além de tocar e gravar, também?
Hercules Gomes: Hoje em dia não exatamente porque não sobra tempo para investir em pesquisa formal. Acabo pesquisando do meu jeito e com o tempo que tenho.
Revista do Choro: Como professor, você ministrou palestras, oficinas e workshops em importantes festivais, como a 32ª Oficina de Música de Curitiba e o II Festival de Piano de Natal. Como foram essas experiências, e quando voltará a fazer outras oficinas?
Hercules Gomes: Foram ótimas todas essas experiências! Hoje mesmo estou no Recife e ministrei um workshop aqui no Paço do Frevo. Em agosto volto aqui para dar oficina no Conservatório Pernambucano de música. Em junho toco e também darei workshop no Savassi, em BH. Acho muito bacana porque no geral os alunos interagem bastante.
Revista do Choro: Comente um pouco sobre seu trabalho musical, com quem já tocou, se apresentou, gravou?
Hercules Gomes: Com Wolson das Neves, Letieres Leite, Arismar do Espirito Santo, Alessandro Penezzi, Bruna Caram, Vinicius Dorim, Orquestra Sinfônica de Campinas…
Revista do Choro: Você já se apresentou nos festivais de música mais importantes do Brasil e no exterior, como e no exterior como a MIMO, em Ouro Preto (MG); o Festival Brasil Instrumental, em Tatuí (São Paulo); o Gourmet Jazz Festival, em Águas de São Pedro (SP); o XV CCPA Jazz Festival, em Assunção (Paraguai); o 25º Festival Internacional Jazz Plaza, em Havana (Cuba); e o Festival Piano, Piano, no Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires (Argentina). Comente essas experiências…
Hercules Gomes: Foram muito boas! Todos são grande festivais. Conheci muitas pessoas e muitos deles abriram portas. De todos esses o primeiro festival internacional que participei com o meu trabalho foi o Piano, Piano que aconteceu em 2015, em Buenos Aires, no Centro Cultural Kirchner.
Revista do Choro: E seu trabalho duo com o Rodrigo Y Castro, como surgiu a parceria?
Hercules Gomes: Estávamos dando aula na Oficina de Música de Curitiba, em 2014, e em um café da manhã falamos sobre um disco do Trio Carioca (Radamés Gnattali – piano, Luiz Americano – Clarineta e Luciano Perrone – bateria). Havia uma música nesse disco (Cabuloso) que nós gostávamos muito, porém nunca tínhamos encontrado outros músicos que topassem tirar de ouvido para tocar junto, pois é muito difícil. Então, firmamos esse desafio e, a partir dai começamos a ensaiar o Duo.
Revista do Choro: Que repertório vocês exploram?
Hercules Gomes: Um repertório mais voltado para choros menos tocados no geral.
Revista do Choro: Ano que vem podemos esperar o primeiro disco da dupla?
Hercules Gomes: O problema é sempre dinheiro… rs Adoraríamos gravar, porém, ainda é necessário surgir a oportunidade ideal… enquanto isso, registramos parte dos shows e disponibilizamos na internet, porque hoje em dia esse tipo de coisa tem um bom alcance.
Revista do Choro: Qual sua relação com o Choro?
Hercules Gomes: Adoro! Porém, não me considero chorão. É preciso uma encarnação para isso. Acho muito difícil. Gosto muito da linguagem e sempre que toco procuro caracterizar bastante dentro do estilo. Mas os músicos que realmente são chorões têm um vasto repertório e grande experiência com a complexa linguagem.
Revista do Choro: Dentro do repertório chorístico, quem você tem como inspiração dentre nossos tantos pianistas que já compuseram e tocaram choro?
Hercules Gomes: Todos os grandes pianeiros, amo de paixão! Principalmente Ernesto Nazareth, Chiquiha Gonzaga, Tia Amélia, Radamés Gnattali, Maestro Gaó e Laércio de Freitas.
Revista do Choro: Ano passado, entrevistei a pianista Priscila Matos Ferreira, do regional Subindo a Ladeira e, durante a entrevista, ela comentou que estudou com você o repertório de Chiquinha Gonzaga para um projeto que estava desenvolvendo. Você faz um trabalho de orientador, uma espécie de instrutor de técnicas que determinados instrumentistas tinham (têm), seus ‘vícios’, cacoetes. Um ‘coach de Chiquinha Gonzaga’. Comente sobre este trabalho…
Hercules Gomes: Muitas vezes pianistas vêm de outras cidades para fazer uma tarde de aula comigo. Fico muito feliz por me procurarem! Geralmente vem sabendo muito bem o que querem; algo bastante específico. Foi o caso da Priscila. Para pianistas que já toca bem costumo dar aulas mais direcionadas para assuntos específicos.
Revista do Choro: Recentemente, você fez um trabalho dedicado à obra do chorão Ernesto Nazareth com suas transcrições, ou seja, seus arranjos para as músicas dele. De onde surgiu esse projeto e como ele aconteceu?
Hercules Gomes: Surgiu de dois convites para recitais solo, em 2015: um na Caixa Cultural de São Paulo, e outro no Museu Brasileiro da Escultura. Eu tinha apenas começado com as Transcrições Nazarethianas e esses recitais foram um bom motivo para que eu continuasse. Pretendo em breve gravar esses arranjos!
Revista do Choro: Você considera que sua música dialogue como choro? Comente.
Hercules Gomes: Sim! Mas não somente. O Brasil é muito rico em diversidade cultural. Adoro os vários estilos além do choro. Acho a música nordestina muito rica e gosto bastante de explorar tudo isso. A relação fica bastante forte quando a proposta do show é essa.
Revista do Choro: Como você vê o piano no choro hoje?
Hercules Gomes: Eu acredito que tende a melhorar! Porque o piano praticamente saiu do choro. Hoje em dia, aos poucos, vejo alguns pianistas se dedicando mais ao choro. O que se precisa no Brasil é escola, metodologia, no nosso caso, para o piano.
Revista do Choro: Na atualidade, para você, quem são os pianistas que trabalham com repertório de choro que você destacaria e nos recomendaria a prestar mais atenção?
Hercules Gomes: Gosto muito do Laércio de Freitas, Cristóvão Bastos; mais novos, o Marco Antônio Bernado (que gravou discos muito interessantes com obras do Radamés e outro com obras do Canhotinho), Fernando Leitzke…
Revista do Choro: Em qual (marca, ano…) instrumento você toca e compõe suas músicas?
Hercules Gomes: Em casa tenho um Yamaha de armário (JX 113).
Revista do Choro: Além de intérprete, você é compositor. Quantas músicas já fez, e quantas já gravou?
Hercules Gomes: No meu disco gravei seis e em grupos que participei anteriormente mais umas seis. Mas tenho muitas músicas que compus e nunca gravei.
Revista do Choro: Você já lançou um livro com as partituras das suas composições? Pensa nisso?
Hercules Gomes: No geral disponibilizo algumas composições e arranjos gratuitamente no meu site. Tenho o projeto de escrever um método para piano.
Revista do Choro: Como você difunde a sua música para que seja, além de ouvida, conhecida e tocada, interpretada por outros pianistas?
Hercules Gomes: Disponibilizando as partituras e também os vídeos na internet…
Revista do Choro: Em 2013, você lançou seu primeiro disco solo; o Pianismo, produção independente que lhe exigiu tempo e bastante dedicação, creio, para ser realizado. Como foi a preparação para esse álbum, a escolha do repertório e do fio narrativo do trabalho, sua estética sonora…
Hercules Gomes: Foi um sonho antigo realizado! Felizmente consegui fazer da forma que eu queria. Com o piano que eu queria, no estúdio que eu queria, enfim… Sempre gostei de tocar solo. E depois que estudei clássico nunca mais toquei piano da mesma forma. A ideia estética do disco é a de juntar as duas coisas que gosto muito, a do intérprete de música de concerto com a de compositor/improvisador.
Revista do Choro: O que você queria com este projeto?
Hercules Gomes: Eu queria realizar um sonho apenas. Sonho de um trabalho muito sincero.
Revista do Choro: E você alcançou este fim?
Hercules Gomes: Acredito que quando se faz o trabalho com toda sua sinceridade isso traz muitos bons frutos! Foi o que aconteceu e vem acontecendo!
Revista do Choro: Fale sobre os prêmios que conquistou em importantes festivais de música? Em 2012 foi o vencedor do 11º Prêmio Nabor Pires de Camargo – Instrumentista, promovido pela Fundação Pró-Memória de Indaiatuba, em homenagem ao importante compositor natural da cidade. E em decorrência do Prêmio Nabor, em 2013 recebeu Outorga do Colar do Centenário pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Em 2014 foi vencedor do I Prêmio MIMO Instrumental promovido pelo maior festival de música instrumental do Brasil (MIMO) com o objetivo de revelar novos talentos. Comente esses momentos importantes em sua carreira.
Hercules Gomes: O Prêmio Nabor foi muito importante porque foi um impulso meu comigo mesmo. Eu precisava de algo assim. Foi depois disso que decidi gravar. O Prêmio Mimo foi muito bom ter vencido também! Não só por ter a oportunidade de tocar no festival, como também pela visibilidade que isso teve. Acredito que faltam mais prêmios para instrumentistas no Brasil.