Chorografia do Maranhão: o maior mapeamento sobre choro já feito no Brasil vai virar livro


Leonor Bianchi

Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, não foi na cidade do Rio de Janeiro, local tido como berço do choro, o lugar de onde saiu o primeiro mapeamento do choro já feito até o momento no Brasil. A tarefa de elaborar o que podemos chamar de ‘uma grande cartografia do choro’ tem origem em São Luis, Maranhão, região Nordeste do Brasil, bem longe da cidade maravilhosa.

A ideia de elaborar uma lista com os nomes dos instrumentistas e compositores de choro do estado e entrevistá-los, delineando assim um esboço da história do choro e dos chorões do Maranhão, saiu da cabeça do sociólogo e radialista maranhense Ricarte Almeida Santos.

Ao lado do jornalista Zema Ribeiro e do fotógrafo e irmão Rivanio Almeida Santos, Ricarte, que há 25 anos apresenta o programa Chorinhos e Chorões, na Rádio Universidade FM (106,9MHz) executou o projeto Chorografia do Maranhão nos últimos três anos, tendo entrevistado (em áudio), 52 chorões do Maranhão.

Dá esquerda para a direita: Ricarte, Rivanio Almeida e Zema Ribeiro

Da esquerda para a direita: Ricarte, Rivanio Almeida e Zema Ribeiro

Atenta à pauta desde que vi um artigo do Zema em seu site ‘Homem de Vícios Antigos’ (http://zemaribeiro.org/), em 2014, sobre o projeto, apenas agora, em janeiro de 2016, conheci virtualmente seu idealizador e tive a oportunidade de entrevistá-lo para a Revista do Choro. E num momento propício ainda, já que este ano Ricarte está lançando um livro com as entrevistas que compõem o projeto Chorografia do Maranhão.

Nossa entrevista aconteceu entre um estrondo da britadeira da obra na casa ao lado da redação e os tapas no corpo para espantar os mosquitos, que estão demais neste verão em Rio das Ostras. Sim, a redação está passando uma temporada na praia; saímos da serra lumiarense de Nova Friburgo para mergulhar nas águas de amaralina de Rio das Ostras, onde Caymmi compôs muitas canções nos anos de 1960. Mas essa é outra pauta…

Voltando a São Luís e aos mosquitos que invadiram o verão brasileiro… durante a entrevista pude aprender e conhecer mais sobre a música nordestina e a íntima relação do choro com a tradição musical do instrumentista e do compositor maranhense. Uma relação que vem de muito tempo…

Delineando o mapa

Segundo Ricarte, a proposta do projeto era resguardar a trajetória dos músicos maranhenses que atuaram próximos ao choro direta ou indiretamente. Sempre embasado em estudos e pesquisas, ele tinha noção da contribuição de antigos músicos maranhenses na cena do choro, mas além de não ter mais como conversar com músicos que já se foram, seu objetivo neste projeto era justamente não deixar com que a história dos músicos vivos ficasse sem registro.

“Minha ideia era ver como o choro entrava na construção da música brasileira e como ele se inseria na cultura maranhense. O choro, embora digam que tenha nascido no Rio de Janeiro, é um gênero de presença nacional; do Rio Grande do Sul ao Pará; de Romaima à Paraíba… Tem choro sendo praticado em todos os lugares do Brasil, embora em cada um desses lugares com um sotaque próprio e um jeito próprio de ser tocado. Tem a ver com as identidades locais, com as transformações musicais, os ritmos locais. É como falar português; em cada lugar a gente fala de um jeito: o carioca fala de um jeito, o maranhense fala de outro e o gaúcho de outro. Como o nosso recorte era trabalhar com chorões que estavam praticando choro no Maranhão, tanto os nascidos no estado e os radicados, saímos mapeando os diferentes grupamentos chorísticos e convidando seus integrantes para fazer parte da pesquisa. Também ouvimos outras pessoas que diziam conhecer chorões que não estavam mais em atividade, mas que tinham acervos importantes, ou tiveram atuação no choro em tempos passados”, conta Ricarte.

E qual o sotaque do choro maranhense?

Para o pesquisador e proponente do projeto Chorografia do Maranhão, o sotaque do choro maranhense leva às informações da cultura popular.

“O jeito de bater o pandeiro que se bate no choro é diferente aqui. Às vezes, os instrumentos que são usados na percussão do choro aqui no Maranhão não são os mesmos usados no Rio de Janeiro. A batida do pandeiro aqui tem a ver com a pulsação ‘boieira’, por exemplo” observa o pesquisador, que segue:

“O Maranhão é um estado com 400 anos de história; com uma cultura rítmica fantástica; de tradição afro com forte influência da percussão: tambor de crioula, cacuriá, tambor de mina, bumba meu boi… É claro que essas manifestações que têm a ver com as identidades da gente e vão acabar entrando no pensamento rítmico de quem toca samba e choro no Maranhão.

A batucada daqui é diferente da batucada carioca. Não estou dizendo que isso seja bom ou ruim. Isso é fantástico, ou seja, o carioca ter seu jeito de tocar e o maranhense ter outro. É como o frevo no samba e no choro pernambucano; como o baião na Paraíba… Cada lugar tem um sotaque próprio; o que torna esse gênero ainda mais rico, com identidades regionais, e ao mesmo tempo com uma identidade nacional”, destaca o sociólogo.

A tradição do choro no estado do Maranhão

Há 25 anos pesquisando o choro e dedicando-se a realizar em seu estado diversos projetos que privilegiam o gênero, Ricarte conta que desde sempre o choro esteve relacionado à música e aos músicos do Maranhão.

“O Maranhão está presente na história do choro desde o começo. O autor da letra de Flor Amorosa, de Joaquim Callado, é um maranhense: Catulo da Paixão Cearense.

Catullo da Paixão Cearense no Rio de Janeiro, 1915. Coleção Luiz Antônio de Almeida

Catullo da Paixão Cearense no Rio de Janeiro, 1915. Coleção Luiz Antônio de Almeida

Na pesquisa de Maurício Carrilho, “Choro Carioca, Música Brasileira”, ele detectou peças de chorões maranhenses já no século XIX que estão no acervo do padre João Mohana, fonte de sua pesquisa. Então, tem choro sendo praticado aqui desde o século XIX e isso permaneceu pelos séculos XX e agora no XXI.

Padre João Mohana

Padre João Mohana

Só para o projeto Chorografia do Maranhão entrevistei 52 chorões; todos na capital. E olha que ainda não entramos no interior com nossa pesquisa!”, conta Ricarte, que planeja viajar pelo interior do Maranhão numa segunda etapa do projeto, logo em breve.

O que a gente percebeu é que o choro está presente na produção musical do Maranhão o tempo todo. Muitos grandes músicos de bandas, dos grupos de samba, das bandas pop, vêm do choro. Estudam choro e têm o choro como base em sua formação.

Se a gente pegar os grandes compositores maranhenses, como por exemplo o Chico Maranhão, que foi gravado por grandes nomes, como MPB 4, Cristina Buarque…; o Josias Sobrinho, também gravado por muita gente; o Cesar Teixeira; o Joãozinho Ribeiro; o Chico Saldanha, seu Antônio Vieira, compositor das antigas que morreu recentemente, há uns cinco anos, a obra dessas figuras é impregnada de influências chorísticas; no sotaque, na linha melódica, na estruturação da música. Então, o choro está presente na obra dos grandes compositores do Maranhão”, destaca Ricarte.

Entrevistas foram publicadas em jornal do Maranhão

Como forma de tornar público o seu registro, Ricarte fez uma parceria com um jornal de São Luís e publicou, ao longo de dois anos e meio, todas as 52 entrevistas realizadas durante o projeto Chorografia do Maranhão no jornal O Imparcial.

“Nossa ideia era constituir um marco documental e imagético do choro e dos mestres do choro do Maranhão. Nosso estado está presente na história do choro desde sempre, mas não há nada registrado. Não fosse esse trabalho do Maurício Carrilho e o acervo Padre João Mohana, ninguém saberia quem eram os praticantes do choro por aqui, antigamente, por isso, queríamos garantir o registro dos que estão vivos para que estes tenham sua história contada, documentada, registrada.

Registramos as entrevistas em áudio e publicamos em um jornal de grande circulação local, a cada 15 dias, como matéria especial. As entrevistas saíram no jornal O Imparcial”, disse Ricarte.

Para organizar como seria feito o trabalho de campo, ele estruturou um roteiro com a ajuda do parceiro de outros projetos sobre choro que já realizara, o jornalista Zema Ribeiro, e contou ainda com a participação do

fotógrafo Rivanio, que acompanhou todas as entrevistas, precisando ausentar-se em apenas uma delas, como nos conta Zema:

“Tivemos a participação do jornalista e compositor Cesar Teixeira, que nos ajudou a entrevistar o Zeca do Cavaco. Em outra, quem colaborou foi Murilo Santos porque o Rivanio não pode participar. Foi a entrevista com os irmãos Gomes: Biné do Cavaco, Zequinha do Sax, e Bastico, violonista. Os três são filhos do Mestre Nuna Gomes, saudoso mestre do choro aqui no Maranhão; compositor e instrumentista importante no estado. Com a impossibilidade do Rivanio, o Murilo assumiu a câmera e clicou esse registro pra gente”, comentou Zema Ribeiro.

E quem foi mapeado? Quem são os chorões maranhenses?

Segundo Zema, “foram muitos instrumentistas, entre violonistas, cavaquinistas, bandolinistas, pandeiristas, saxofonistas, sanfoneiros, percussionistas dos mais diversos grupos de choro; desde o Tira Teima, que é o mais antigo grupo de choro do Maranhão, cuja fundação remonta à década de 1970, tendo participado do antológico ‘Lances de Agora’, um disco de Chico Maranhão, registrado por Marcus Pereira, em 1978; até os chorões mais novos, que surgiram e passaram a se dedicar ao choro em função do projeto Clube do Choro Recebe, produzido pelo Ricarte, há uns anos. Podemos citar entre esses novos instrumentistas o Lee Sousa,  João Eudes e Wendell Cosme, que hoje são artistas de destaque no cenário maranhense, e de algum modo no cenário nacional, mas que ali, em 2009, 2010 estavam começando, às vezes o estudo de música, às vezes a prática do choro.

A gente percebia com certa preocupação que muitos mestres partiram sem deixar registro. Ao longo das entrevistas, perdemos o Léo Capiba (depois de registrá-lo para o projeto), que era um cearense do Crato radicado há muito tempo no Maranhão, pandeirista, compositor, dono do mais largo sorrido da paróquia, como costumávamos brincar com ele, e ano passado perdemos Agnaldo 7 Cordas, que foi nosso segundo entrevistado no projeto.

Já Ricarte lembra de outros nomes de destaque que foram entrevistados para o projeto e que estarão no livro:

“Turíbio Santos, Ignez Perdigão, João Pedro Borges e Joaquim Santos. Estes dois últimos participaram da Camerata Carioca com Radamés Gnattali; isso é um capítulo importante na história do choro maranhense contemporâneo”, observa Ricarte.

Entrevistamos ainda o Ubiratan Sousa, grande violonista maranhense, radicado em São Paulo, os integrantes do importante grupo de choro que tem mais de 20 anos em atividade, o Instrumental Pixinguinha, vinculado à Escola de Música do Maranhão; além do Chorando Callado, um grupo de jovens chorões; o Choro Pungado, o grupo Um a Zero…

Entrevistamos também o maestro Nonato, um cego que tocava choro e dirigiu muita gente em gravações de disco; o bandolinista César Jansen, que participou de um show antológico no Teatro Arthur Azevedo, onde tocaram a Suíte Retratos de Radamés, e depois ele se frustrou com a atitude dos companheiros afastando-se dos palcos para nunca mais tocar em lugares públicos. Ele é um colecionar voraz de discos, tem sete bandolins!

Conhecemos ainda durante o projeto o Biné do Banjo, um compositor das antigas, que compôs muita coisa e hoje está cego e anda com muita dificuldade.

Foi muito importante entrevistar essas pessoas que já ultrapassaram os 75, 80 anos”, enfatiza Ricarte.

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Livro tem prefácio de Luciana Rabello e deve ser lançado em junho

As 52 entrevistas com os chorões feitas em dois anos e meio de trabalho agora irão compor um livro ilustrado com fotos coloridas e cerca de 500 páginas.

Publicado pela editora Pitomba, o livro tem prefácio da cavaquinhista Luciana Rabello, que na apresentação fala um pouco sobre a presença do Maranhão na história do choro. A expectativa de Ricarte é de que o livro seja lançado em junho deste ano, mas para colocar os 1.000 exemplares do volume na rua, ele precisa de R$ 35 mil reais, dos quais, conseguiu captar R$ 15 mil até o momento, através do apoio garantido por edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão (Fapema).

O livro sairá em parceria com a Universidade Federal do Maranhão e o desejo de Ricarte é de que parte da tiragem seja doada para centros educacionais, bibliotecas…

“Se não conseguirmos captar os 20 mil reais que ainda faltam, vamos ter de vender o livro para poder garantir a impressão. Se conseguirmos, o livro será distribuído entre os pesquisadores, os parceiros da empreitada, bibliotecas públicas…

Pretendo fazer o lançamento do livro em quatro capitais: Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo e Recife, em casas de choro. A ideia é levar um grupo de choro diferente para fazer os lançamentos nesses lugares e para isso estou submetendo o projeto à Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão. Quero lançar até o meio do ano ou na Feira de Livro do Maranhão, que acontece no segundo semestre”, explica Ricarte.

Captação de recursos através de campanha de financiamento coletivo

Para ajudar no orçamento e poder publicar o livro sem ter que vendê-lo depois de impresso, os organizadores recorreram ao sistema de financiamento coletivo pela internet.

Para participar é simples; basta acessar o link http://www.kickante.com.br/campanhas/livro-chorografia-do-maranhao e contribuir com uma quantia estipulada pela campanha em troca de recompensas, ou com qualquer valor a partir de R$ 10,00. A campanha fica no ar ainda pelos próximos 43 dias.

Os organizadores

A relação dos organizadores do livro vem de outros projetos de choro que ambos já desenvolveram juntos no Maranhão.

“Já gostava de choro, mas Ricarte foi o responsável por minha aproximação com o gênero e por me apresentar a diversos nomes do choro aqui no Maranhão.

Tivemos a oportunidade de trabalhar juntos em alguns projetos, ele como produtor e eu como assessor de comunicação. Fizemos o ‘Clube do Choro Recebe’, que provocou o diálogo do choro com os ritmos da cultura

popular do Maranhão; o Chorando na Praça, que levava choro para a periferia de São Luís; e mais recentemente, ao longo do segundo semestre de 2015, o RicoChoro ComVida, com a mesma proposta do diálogo do choro com ritmos da cultura popular do Maranhão só que inserindo também DJs convidados”, conta Zema.

E… de onde vem toda essa relação com o choro do proponente da Chorografia?

Do berço, segundo Ricarte, que conta que o pai colocava discos de choro para ele e o irmão ouvirem desde quando eram pequenininhos. Foi essa memória da infância, que mais tarde afloraria na juventude, quando ele, na faculdade, começou a apresentar um dos mais antigos programas radiofônicos sobre choro que existem no Brasil.

“Em 2005 fundamos o Clube do Choro do Maranhão. Só o meu programa tem 25 anos, o Chorinhos e Chorões; comecei em 1991. O programa existia há três anos antes de eu assumir. Sem desmerecer, antes de mim, ele era apenas um programa que tocava músicas, e só. Quando assumi, comecei a pesquisar e a produzir programas com temas, falar sobre a história do choro e dos chorões; fazia lançamentos de discos novos… Tentava fazer um programa que pudesse dialogar com a atualidade e com os acontecimentos chorísticos do Maranhão. E aí comecei a articular o choro no Maranhão e a criar momentos onde pudéssemos ouvir, praticar e estudar um pouco de música e de choro por aqui.

Mas minha relação com o choro começou ainda na infância, com meu pai, através do vinil. Ele era farmacêutico no interior do Maranhão, numa comunidade onde não existia nem energia elétrica; Santa Tereza do Paruá e lá, já colocava choro para a gente ouvir. Ele fazia a gente dormir e acordar escutando choro. Colocava um lado do vinil à noite e o outro de manhã, de forma que a gente já acordava escutando aquela música. Eu nem percebi que gostava dessa música. Quando vim para São Luís estudar é que senti necessidade de me manter perto do meu pai através da música e comecei a fazer o programa logo no segundo período de Sociologia”, conclui Ricarte.

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Author: imprensabr