Um Telegrama Musical para Waldir Silva


Por Raphael Vidigal*

Conheci Waldir Silva no programa “A Hora do Coroa”, transmitido aos domingos de manhã na rádio Itatiaia, sob o comando de Acir Antão. Estava no estúdio, e o admirei pessoalmente. Como de costume carregava ao colo o inseparável cavaquinho. Poucos segundos de atenção foram suficientes para perceber o laço de afeto e necessidade a unir o homem ao instrumento. Mal me dei conta que sempre o ouvia no momento exato do sol de quase meio-dia obrigar o relógio a marcar as onze badaladas e “Zíngara”, uma canção-rumba de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano lançada por Gastão Formenti, aparecer deslumbrante na execução do mestre. Não à toa serve de prefixo musical do atrativo há mais de quatro décadas.

O nosso próximo encontro seria ainda mais decisivo na relação a se estabelecer dali por diante. Ouvindo no rádio o mesmo programa no qual o acompanhei de perto não consegui negligenciar a história sobre uma melodia carente de letra após a morte do jornalista incumbido de tal tarefa. O locutor, ainda por cima, convocava os aspirantes ao gesto. Ao que me candidatei. Então a tarefa árdua tornou-se gratificante, ao tomar corpo na voz de Lígia Jacques, a cantar os versos propostos por mim para o chorinho “Duas Lágrimas”.

Não muito depois, Waldir me encomendou a feitura de mais duas letras, para as melodias de “Veludo”, dedicada ao amigo acordeonista, e outra em louvor ao ídolo Waldir Azevedo, intitulada espertamente por ele de “Uma Saudade (Ao Meu Xará)”. Ao contrário da outra letra, estas exigiram um tempo maior para o nascimento, e chamei para participar comigo do processo o meu chapa André Figueiredo, cuja contribuição injetou musicalidade e precisão aos temas. Então embalamos e passamos nós a requisitar melodias ao mestre. Ao final de seis meses tínhamos prontas quinze letras colocadas sobre chorinhos, valsas, mambos, samba, baião e um dobrado de Waldir Silva.

O projeto cresceu e requisitou a presença de músicos talentosos e aclamados no cenário brasileiro, sem nunca receber uma negativa, pelo contrário. Lucas Telles prontificou-se a conceber os arranjos e tocar com a sua banda, “Toca de Tatu”, formada ainda por Luísa Mitre, Lucas Ladeia e Abel Borges. Os cantores e instrumentistas, além do produtor musical Geraldo Vianna e de Ricardo Cheib, engenheiro de som do estúdio Bemol, compraram de imediato a ideia de dar a luz ao ambicioso e sentimental “Waldir Silva em Letra & Música”. A notícia foi levada ao mestre que, com o hábito dos gênios da raça, sentiu-se humilde e lisonjeado.

Nada além do mínimo para quem tanto deu à música de Bom Despacho, Pitangui, Belo Horizonte e todo o mundo onde ressoou tua obra de qualidade técnica e sentimento raro. Numa das idas à tua casa, quando a intimidade já nos permitia tais contatos, mostrei-lhe uma a uma todas as letras, ao que se emocionou e apontou melhoras a serem postas em prática, como a diminuição do andamento para o “choro cantado”. De outra, estava empenhado em gravar as marchinhas para um trabalho a ser lançado na internet, e me mostrou ao cavaquinho, em uma sessão particular e especial, algumas delas.

Evidentemente não pude disfarçar a alegria do privilégio, e o cumprimentei seguidas vezes como um ousado tiete.

Da última vez que nos falamos, pelo telefone, era para estender o convite, feito por Lucas Telles, para ele cantar uma música do projeto à sua escolha. Waldir rejeitou, disse que preferia ficar “apenas admirando os cantores de verdade”, e tocando com muito agrado o amado cavaquinho. Ainda deu tempo de Waldir ouvir a execução da música “Veludo”, com letra, numa homenagem prestada na data de seu último aniversário, justamente onde o conheci, no programa “A Hora do Coroa”. Ele se emocionou e agradeceu. No dia seguinte, me ligou para agradecer de novo. Infelizmente não pôde ver a conclusão do trabalho. Mas há de ver ainda. Lá de cima, a bordo de seu cavaquinho. Quem agradece sou eu. Obrigado, Waldir Silva!

Raphael Vidigal

Setembro de 2013

capa

Pequena biografia do homenageado

Nascido na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais, Waldir ganhou o primeiro cavaquinho aos sete anos do seu pai e aos doze anos já se apresentava na cidade de Pitangui. O seu primeiro passo para deslanchar na carreira aconteceu com a gravação da composição autoral “Telegrama Musical”. Apesar de ser uma música eminentemente instrumental, essa composição, através das notas musicais isoladas, emitia uma mensagem expressa em código “Morse”, que encantou a todos. O sucesso na época foi tanto que Waldir Silva foi parabenizado pelo então presidente da República, Juscelino Kubistchek, que, por também ter sido telegrafista, assim como Waldir, entendeu perfeitamente a mensagem e agradeceu respondendo com o mesmo código.

De lá para cá a carreira de Waldir Silva foi coroada de sucessos. Passou pelas mais famosas gravadoras do país e tocou ao lado dos maiores artistas do nosso cenário. Gravou composições próprias e registrou em disco os trabalhos dos maiores compositores brasileiros. Com residência firmada em Belo Horizonte, o músico desenvolveu todo o seu trabalho sem se deslocar para o eixo Rio/São Paulo. Toda sua produção foi desenvolvida em Belo Horizonte e projetada para o mundo. Waldir Silva continua sendo um dos mais consagrados artistas do país. Com seu “cavaquinho de ouro”, gravou, além de inúmeros discos de 78 RPM, vinte e nove long-plays e nove discos.

Parceria com Zé Ramalho

Uma melodia composta há 40 anos por Zé Ramalho, 67, e Waldir Silva (1931 – 2013), ganhou letra inédita escrita pelo jornalista Raphael Vidigal, 28, em 2012. A música em questão, “Paraibeiro”, foi interpretada no disco “Waldir Silva em Letra & Música” pela cantora Luana Aires, com o acompanhamento da banda “Toca de Tatu”. A canção surgiu justamente de uma brincadeira entre Zé, um paraibano, e Waldir, um mineiro. A junção das sílabas culminou na palavra “paraibeiro”, mistura de paraibano com mineiro. Os dois se conheceram nos estúdios da Polygram na década de 1970. Na época, inclusive, Ramalho gravou uma participação no disco de Waldir, recitando a música “Pelo vinho e pelo pão”, de sua autoria. A melodia chegou às mãos de Raphael Vidigal pelo próprio Waldir Silva, que apresentou seu repertório autoral, todo instrumental, para que o jornalista colocasse as letras, em 2012. O resultado foi o álbum, que se tornou uma homenagem ao mestre do cavaquinho mineiro e traz a participação de vários artistas da cena local, como Geraldo Vianna, Carla Villar, Acir Antão, Ana Cristina, Lucas Telles e Pereira da Viola.

 

A equipe do projeto

A equipe do projeto

Ficha técnica

– Melodias autorais de Waldir Silva (chorinho, mambo, baião, dobrado, valsa).

– Letras de Raphael Vidigal e André Figueiredo.

– Uma parceria melódica com Zé Ramalho.

– 12 canções.

– Arranjos: Lucas Telles.

– Banda base: Toca de Tatu

Lucas Telles – violão e bandolim

Lucas Ladeia – cavaquinho

Abel Borges – percussão

Luísa Mitre – piano e (acordeom na faixa “Minas ao Luar”)

Bruno Vellozo – baixista convidado

 

– Instrumentistas convidados: Zé Carlos (Apenas duas lágrimas) – cavaquinho

Mozart Secundino (Minas ao Luar) – violão

Hélio Pereira (Quatro Cordas Que Choram) – bandolim solo

Dado Prates (Quando chora um cavaquinho) – flauta

Jairo de Lara (Cavaquinho no Mambo) – flauta e dois saxofones

Zito do Pandeiro (Cavaquinho Triste) – pandeiro

Pereira da Viola (Mil vezes só) – viola

Célio Balona (Veludo) – acordeom

Tiago Ramos (Quando chora um cavaquinho) – saxofones

 

– Direção musical: Geraldo Vianna. Masterização: Ricardo Cheib.

Intérpretes:

1 – Veludo (Ladston Nascimento)

2 – Duas Lágrimas (Lígia Jacques)

3 – Um Cavaquinho no Mambo (Violeta Lara)

4 – Paraibeiro (Luana Aires)

5 – Telegrama Número 2 (Mauro Zockratto)

6 – Uma Saudade [Ao Meu Xará] (Natália Sandim)

7 – Cavaquinho Triste (Giselle Couto)

8 – Quatro Cordas Que Choram (Acir Antão & Lucinha Bosco)

9 – Mil Vezes Só (Pereira da Viola)

10 – Minas ao Luar (Carla Villar)

11 – Ficou na Saudade (Lígia Jacques & Mauro Zockratto)

12 – Quando Chora um Cavaquinho (Ana Cristina)

* Raphael Vidigal é crítico musical e assina o site www.esquinamusical.com.br

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Author: imprensabr