Por Leonor Bianchi
Em seu ateliê, em Niterói, o restaurador de bens culturais Marcelo Fraga Lima Motta recebeu com zelo e carinho a solicitação da Revista do Choro para conceder uma rápida entrevista sobre um de seus últimos objetos restaurados: o piano da ilustre chorona Chiquinha Gonzaga. Ao seu lado no processo de restauro que durou cerca de três meses esteve a restauradora Yedda Bello e sua equipe. O trabalho de excelência feito pelos restauradores pode ser visto no salão do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde está exposto, desde dezembro do ano passado, o piano de Chiquinha Gonzaga. O presente à memória da maestrina e chorona chegou em boa hora, pois em 2015 completam-se 80 anos de saudade da presença física desta personagem imortal para a música (brasileira).
Revista do Choro: Quando surgiu a ideia da restauração do piano de Chiquinha Gonzaga e a partir da iniciativa de quem ela se deu?
Marcelo Motta: A intenção de restaurar o piano, sabe-se, é antiga, sem que tivesse sido concretizada. Responsável pelo acervo do Museu dos Teatros, a iniciativa partiu de Fátima Cristina Gonçalves, de cultura e conhecimento profundos dos objetos que lá se encontravam. Foi quem me convidou para a execução da tarefa.
Participei de um projeto para higienização e acondicionamento dos objetos que vieram do Museu dos Teatros, através da empresa Cerne Sistemas, e um dos objetos era exatamente o piano. Quando fiquei sabendo de quem era não tive dúvidas, disse para Fátima que seria eu que iria restaurá-lo!
Revista do Choro: Quando o restauro começou e quando terminou tendo o piano sido levado para o Teatro Municipal do Rio de Janeiro?
Marcelo Motta: O piano chegou ao meu atelier às 13h do dia 13/09/2014, ficou pronto no dia 13/12/2014 e saiu do atelier às 12h30 chegando no Teatro Municipal às 14h do dia 20/12/2014.Tudo documentado.
Revista do Choro: Qual a origem do piano e quando Chiquinha o adquiriu?
Marcelo: O piano é da marca Rönisch, fundada em 1845 na cidade de Dresden- Alemanha, por Carl Rönisch.
Pelo número de série, enviado para a fábrica junto com algumas fotos e pedidos de informações, o piano foi fabricado em 1902. Mas como a fábrica pegou fogo na segunda guerra, não conseguimos outras informações como, por exemplo, o modelo dos candelabros. Por este motivo, não pudemos reproduzi-los.
Segundo Edinha Diniz, biógrafa de Chiquinha, o piano foi adquirido em 1909. Segundo ela “por determinação de João Baptista Gonzaga, companheiro da Chiquinha, esse piano foi doado ao Museu dos Teatros. Em carta, datada de outubro de 1960, ele pede ao Superintendente da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores), onde o piano se encontrava, que entregasse o piano ao Museu dos Teatros. Ele viria a falecer no ano seguinte.”
Em 1978, o piano chega, finalmente, ao Museu dos Teatros. E em 2014, com o fechamento do Museu dos Teatros, todo seu acervo foi para o Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Revista do Choro: Quais outros instrumentos assim, digamos, famosos, que você já restaurou.
Marcelo Motta: Se colocarmos como instrumento musical, este é o primeiro. Mas vamos colocar de outra maneira. Como somos Conservadores-Restauradores de Bens Culturais, conceitualmente, o que se fez foi restaurar um bem cultural para que ele volte a contar uma história e se conserve para as gerações futuras.
As matérias dos objetos restaurados aqui no atelier são, principalmente, madeira, obras sobre papel e telas, mas já passaram e ainda passam por aqui imagens sacras, metais, pedras, cerâmicas, etc.
Revista do Choro: E a previsão é de que o piano fique para sempre no Teatro Municipal?
Marcelo Motta: Foge ao meu conhecimento.
Revista do Choro: O que você destacaria sobre o processo de restauração do piano de nossa querida chorona Chiquinha Gonzaga?
Marcelo Motta: O piano estava em péssimo estado de conservação. Os Cupins fizeram um verdadeiro “Abre Alas”… Era lastimável. Ele foi quase totalmente desmontado. Todas as peças estavam necessitadas de atenção. Ou pelo ataque dos insetos ou por descaso.
Tivemos de preencher muitas galerias feitas pelos cupins, substituir algumas partes e construir outras. Todas com referências.
Não houve necessidade de restauro da máquina nem da caixa de ressonância, porém há a necessidade de manutenção específica.
As teclas são de marfim e estão íntegras, apenas com algumas manchas pontuais. Como curiosidade, uma das teclas estava completamente oca, mas íntegra por fora. Tivemos que abri-la pela parte inferior e preenchê-la com madeira muito leve para não interferir em seu peso.
Houve necessidade, ainda, de refazer o verniz (goma-laca) em algumas partes e outras não, pois, craquelados, fissuras, manchas na madeira e arranhões, presumivelmente são marcas que caracterizam a pátina do tempo e que podem ter sido, em algum momento, deixadas pela própria Chiquinha Gonzaga, seguindo os preceitos do restauro.
Por fim, os metais foram limpos e polidos.
Fotos: Marcelo Motta