Um dedo de prosa com o compositor e chorão mineiro Dinho Nogueira sobre seu primeiro CD, ‘Amanhecer de Minas’


Por Leonor Bianchi

Nascido em Poços de Caldas, mas morando há alguns anos em São Paulo em função dos estudos de música e do trabalho, Dinho Nogueira, violonista, compositor, arranjador e que gosta também de explorar a experiência musical em outros instrumentos – o bandolim é um deles -, mantém suas raízes culturais (e as da alma) fincadas no interior e no gosto pelo que é simples; no cheiro da mata, da terra, do ar puro e no sabor do cafezinho com rapadura.

Lançando seu primeiro disco, que tem ninguém menos que o gigante Heraldo Do Monte como produtor e parceiro em duas músicas, mas para ele mais que isso; um grande amigo, Dinho conversou sobre o CD ‘Amanhecer de Minas’ com a Revista do Choro, e contou um pouco sobre este belíssimo trabalho que já nasce abençoado. Além da produção, que contou com um dos maiores guitarristas brasileiros, o Heraldo, o disco ganhou a arte gráfica da capa de presente do cenógrafo José de Anchieta Costa, e textos do encarte do renomado jornalista Eduardo Magossi.

O disco conta com a participação dos músicos Fabio Leal, Alessandro Penezzi, Carlinhos Antunes, Eduardo Sueitt, Rafael Abdalla e Heraldo Do Monte.

Leia agora como foi esse agradável ‘dedim’ de prosa que tivemos com essa alma pura e genial do choro moderno brasileiro.

Arte da capa: José de Anchieta Costa

Arte da capa: José de Anchieta Costa

Revista do Choro: Como surgiu a ideia de gravar o disco Amanhecer de Minas e como foi o processo de produção do CD e a participação do Heraldo Do Monte no projeto?

Dinho Nogueira: Em 2014 comecei a frequentar a casa do Heraldo toda semana para fazer uma espécie de aula, mas a coisa acabou virando mais um encontro do que uma aula propriamente dita, até porque eu já tinha estudado bastante… E na verdade o que a gente busca quando está na companhia desses grandes ídolos é poder conviver com eles, tocar com eles… não essas questões teóricas, porque isso a gente resolve facilmente nos conservatórios, faculdades, mas a vivência, a experiência de tocar com eles, não. Você tem que conviver com a pessoa e tocar com ela para absorver sua influência. Você tem que conviver com a pessoa e tocar com ela para absorver a influência dela. Então, pra mim foi maravilhoso esse período porque eu ia para a casa dele e ao invés de uma hora eu passava duas, três, quatro horas conversando. Ficava ouvindo histórias dele e de sua esposa, Dona Lurdinha, do tempo que eles viajavam muito com Dominguinhos. Foram tantas histórias… que enfim… foi realmente um privilégio poder conviver esse tempo com ele, com eles.

Às vezes eu mostrava pro Heraldo uns pedaços das minhas composições e foi aí que a coisa começou e ele me incentivou a gravar esse disco. Ele dizia: – Poxa, Dinho, você tem várias músicas com um enorme potencial! Grave um disco, rapaz!

E aí, num período de uma, duas semanas, eu finalizei todas as músicas e comecei a mostrar pra ele. Foi então, que ele começou a coproduzir o disco falando ‘faz isso nessa música’, ‘faz um final para aquela outra’… E a coisa foi surgindo bem nesse clima de amizade, de encontro. Uma aula de composição, de arranjo, um monte de experiências que acumulei com ele.

Depois disso, obviamente falei que iria gravar o disco e que gostaria que ele participasse, e num dado momento perguntei se ele não poderia ser o produtor. E ele, sempre muito bem humorado, me deu uma resposta bem interessante: – Eu posso sim assinar o disco como produtor, mas não me chama pra ir ao estúdio no dia da gravação nem na mixagem… nada disso. Isso é muito chato e todo produtor que faz isso é muito chato. Todo músico sabe o que deve ou não fazer. A única coisa que te peço é: quando o disco estiver gravado, traga-o aqui para ouvirmos juntos. Só isso. Eu ouço com atenção e te falo alguma coisa que possa ser diferente. E lógico, foi compreensível, pois ele está com 82 anos e não é mais saudável nesta idade passar um dia inteiro num estúdio.

Veja a entrevista que Dinho deu ao programa Senhor Brasil e ouça a música Amanhecer de Minas

Havíamos combinado que ele participaria em duas músicas minhas: ‘Do meu Lado’, um choro canção; e ‘Entre Amigos’. Esta última foi ele quem pediu para eu fazer. O Heraldo sempre foi muito famoso por ler partituras à primeira vista e de qualquer nível, só que agora ele já perdeu um pouco da visão e não lê mais; então, ele decorou a música ‘Entre Amigos’.

A outra música que ele iria gravar comigo; ‘Do meu Lado’, ele não conseguiu decorar, e aí, um dia antes da gravação, quando fui até a casa dele para passarmos as músicas antes de chegarmos ao estúdio, ele disse que não iria tocá-la porque não tinha decorado. Disse que iria gravar uma outra música; uma música dele, que inclusive é a única música do disco que não é minha; é a ‘Pra Lurdes’, uma composição que ele fez para a mulher dele. Eu como já conhecia todos os álbuns do Heraldo, sabia que música era essa. E essa música tem uma gravação maravilhosa! Sai desse encontro e voltei pra casa desesperado. Liguei para o pessoal que iria fazer a base das músicas no disco comigo e falei: – Pessoal, mudaram os planos. Vai ter uma música nova. E aí o pessoal disse: – Mas como? Nós já ensaiamos!… E eu expliquei: – Aconteceu isso, isso e isso, e eu vou ter que fazer um arranjo novo para essa música do Heraldo de hoje para amanhã, e o Heraldo vai estar lá amanhã, e nós vamos ter que gravar essa música amanhã!

A essa altura fiquei imaginando mil maneiras de fazer uma música um pouco diferente ou com uma proposta nova. Mas e aí? É difícil pra caramba mudar o que um cara como ele já fez. Mas eu fiz; e ele gostou. Fiz um arranjo novo, uma introdução diferente. É uma música na qual eu improviso junto com ele; depois ele improvisa. É uma música maravilhosa, linda, assim como todo repertório dele.

Revista do Choro: Quem mais você convidou para participar do disco?

Dinho Nogueira: O Fabio Leal. O Fabio foi meu professor no Conservatório de Tatuí; um excelente professor. Não é tão conhecido, mas é um cara de extrema importância; talvez um dos maiores guitarristas da atualidade e que tem formado muita gente. O Fabio é fã do Heraldo, mas o Heraldo também é muito fã do Fabio; ele sempre o assistia pelo Youtube.

O Heraldo até pediu para eu fazer um frevo para gravarmos com ele: – Já que você é amigo e aluno do Fabio Leal, você vai fazer um frevo para gravarmos juntos. Ele me deu essa tarefa e eu quase morri do coração, pois nunca havia composto um frevo. Frevo é difícil pra caramba; tem uma linguagem muito particular, muito peculiar. Mas, enfim, compus a música e acho que por sorte minha e por competência também, o Heraldo gostou muito. A esposa dele, que é quem sempre aprova ou desaprova, amou a música! No dia da gravação ela ficou vibrante! Pra mim foi a provação de todo um trabalho que eu venho produzindo durante anos. Foi emocionante! E ele gravou essa música comigo.

Além da participação do Heraldo Do Monte, o disco contou com a presença do violonista Alessandro Penezzi, que sempre foi um grande amigo e também um grande ídolo pra mim. Foi um cara que gentilmente topou participar do projeto e gravou duas músicas; inclusive essas músicas; ‘Fim de Tarde’ e ‘Choro de Rua’, têm versões em grupo e em duo, mas essa em duo eu não disponibilizei no disco; deixei como faixas bônus para poder oferecer em promoções. Elas foram gravadas com violão e bandolim somente. Ficaram muito bonitas. Eu gosto até mais dessa do que da versão em grupo. A gente tocou ali na hora para ensaiar, gravou e ficou muito legal.

A participação do Fabio Leal foi nessa música do Heraldo Do Monte; a música que eu fiz para o Heraldo e pra ele; o frevo ‘Entre Amigos’, e na música ‘Café com Rapadura’, que eu fiz em homenagem ao Fabio em um dos dias das aulas que tive com ele lá em Tatuí. É um samba em sete por oito. Ela tem esse nome porque o Fabio gosta muito de café e eu como mineiro, de rapadura… aí ficou ‘Café com Rapadura’.

Outro músico que também participou do disco e para mim foi um grande prazer foi o Carlinhos Antunes, um multi-instrumentista. Ele toca diversos instrumentos; tem um projeto chamado Orquestra Mundana. Tocamos juntos no Museu da Casa Brasileira aqui em São Paulo no projeto ‘Comboio Atlântico’; viajamos para o Acre com esse projeto e acabamos estabelecendo uma bela amizade. A convite dele participei de um concerto no Museu da Casa Brasileira com a Orquestra Mundana e a Orquestra Metropolitana. No disco ele gravou a música ‘Rio Acima’. Uma música que retrata bem a influência da música caipira no meu choro.

Revista do Choro: Como foi o trabalho de pré-produção do disco?

Dinho Nogueira: Foi um trabalho bem rápido porque eu já tinha várias músicas prontas e, na verdade, finalizei as músicas e compus as outras em prol de um mesmo formato. Quando o Heraldo me incentivou a gravar, eu pensei: – Preciso gravar um disco que conte a minha história. E qual é a minha história? A minha história é que eu venho de Minas, do interior; amo Minas, sou um cara muito raiz, tenho muito orgulho de Minas! Acho que até hoje não perdi o sotaque mesmo estando em São Paulo por isso. A música mineira, a música raiz, de Folia de Reis, de moda de viola, de toada, a canção, o rasqueado, o chamamé, a guarânia, a polca paraguaia… todos esses ritmos exercem uma forte influência sobre minha música e minha maneira de fazer música, de improvisar, de compor…

Tive uma banda com meu pai e meus irmãos chamada ‘Os Nogueiras’ e a gente tocou profissionalmente durante muitos anos. Tocávamos de quinta a domingo em palcos para 10 mil pessoas. Nessa época eu era baterista e cantor. Comecei no violão com 16 anos quando conheci minha esposa. Foi ela quem me ensinou os primeiros acordes de violão. Tirou-me da bateria e passou-me para o violão, e com ele estou até hoje. Então, minha influencia é essa; é bem raiz, e o disco dialoga com esses traços meus.

Porém, antes do choro, trabalhei com artistas sertanejos; toquei muitos estilos. Quando fui para Tatuí, estudei profundamente jazz, improvisação… O meu disco tem uma influência forte do jazz.

Revista do Choro: E o choro, como ele aparece como influência no repertório do CD?

Dinho Nogueira: Acho que o que eu posso oferecer para o choro é essa mistura. Gosto de Toninho Horta, Milton Nascimento; tudo o que é mineiro me atrai muito, porém, sou aberto à sonoridade do mundo. Amo a música africana; pesquisei durante muitos anos a música africana; também a música americana através do jazz, e até o rock, o country. Trabalhei com todos esses estilos durante muito tempo, e tudo isso acaba gerando uma certa influência sobre a gente.

Mas a questão é que quando você cai no choro a coisa muda de figura. Todo músico que vai estudando, estudando… quando cai no choro é difícil sair. Eu acredito nisso. O choro tem um poder muito forte sobe o estudioso, o pesquisador porque é muito profundo.

O choro é um gênero que abarca muitos ritmos, muitas formas de interpretação chorísticas. E quando eu caí no choro vi que era ali que queria ficar. E também porque eu sou sedento por estudo, por desenvolvimento, e o choro é uma infinidade.

Mas eu não me atenho ao choro tradicional, embora eu tenha me dedicado muito ao estudo do choro tradicional. Fico o tempo todo transcrevendo esses choros tradicionais de ouvido e escrevo as partituras.

O ‘Tecendo o Choro’, grupo do qual faço parte ao lado de Zé Barbeiro, um dos maiores sete cordas do Brasil na atualidade, e da Cibele Palopoli (flauta transversal), surgiu dessa amizade e dessa vontade de continuar pesquisando choro.

Enfim, eu venho procurando realmente esse universo pra mim, mas os meus choros não são tradicionais, são misturados. Não posso dizer que meus choros são tradicionais porque a harmonia é mais carregada. O pessoal reclama pra tocar porque é difícil. E não é porque eu quis fazer difícil. Quando eu mostrei um choro meu pro Heraldo, ele olhou e falou: – Mas que tanto de acorde?! E quando eu toquei, ele viu que fazia sentido. É muito acorde, mas a melodia compõe e é construída sobre essa harmonia realmente; não é uma coisa que eu tenha inventado matematicamente; foi sentimentalmente, sensitivamente.

Acredito que todas as minhas músicas tenham esse lado ‘a flor da pele’. Pra mim a música é transpiração. Eu estudo muita teoria, mas na hora que vou tocar não faz mal se eu errar tudo; prefiro estar disposto e disponível para essa energia que a música nos oferece. Lógico que sempre buscando me aperfeiçoar e tentando fazer o melhor possível.

Então, acho que minha história no choro é essa… Um choro moderno, contemporâneo, sendo que estou sempre estudando muito o choro tradicional. Poderia sim ficar só no choro tradicional, mas acho que isso os antigos já fizeram muito bem; e eles já foram; já passou o tempo deles e a gente tem que buscar uma coisa nova.

O Zé Barbeiro me inspira muito porque ele é um cara moderno, mas com um conhecimento muito tradicional. Qual é a base do choro? Em nosso trabalho tem muito Joaquim Callado, Ernesto Nazareth, Henrique Alves de Mesquita, Viriato Figueira da Silva, mas estamos compondo músicas novas; o Zé está compondo músicas novas para gravarmos com um teor mais moderno, mas sem perder a graça do choro.

Revista do Choro: Você mesmo cuidou dos arranjos das músicas?

Dinho Nogueira: Os arranjos das músicas do disco, praticamente, foram todos eu quem fiz; exceto alguns, que o Eduardo Sueitt, o baterista do grupo, e o Rafael Abdalla, o baixista, fizeram. Eles são dois grandes músicos e amigos pelos quais tenho extremo respeito e sempre me incentivaram muito na música e também sempre tiveram grande influência em minha música. E, obviamente, grandes músicos que são, criaram diversas coisas nas músicas… convenções; o Eduardo é muito bom pra isso. Mas a maioria dos arranjos foi composta por mim.

Revista do Choro: Fale um pouco sobre o processo de criação das músicas que a gente ouve no disco… Em que clima foram criadas?

Dinho Nogueira: As músicas do disco foram criadas nesse universo, incentivadas pelo Heraldo, mas algumas têm uma história bem engraçada, como a ‘Choro de Rua’, por exemplo. Eu toco bandolim no disco, guitarra e violão, mas o bandolim eu aprendi a tocar dentro do carro, no trânsito aqui de São Paulo. Como o trânsito aqui é muito caótico, eu queria uma maneira de não ficar sofrendo nesse caos e aí fiquei compondo vários pedaços de músicas dentro do carro, durante o trânsito. E essa música ‘Choro de Rua’ foi totalmente feita no trânsito, entre outras que surgiram dessa forma.

Outra música que tem uma história bacana é a ‘Amanhecer de Minas’, que dá nome ao disco. Foi composta num período em que minha família estava em Minas; tínhamos comprado uma casa em Minas e eu trabalhava em São Paulo. Era quando eu amanhecia nas estradas voltando de São Paulo para Minas e via aquele amanhecer lindo de Minas, com as montanhas no horizonte… e então compus esse tema cantarolando dentro do carro numa dessas viagens.

Revista do Choro: Como foi feita a arte da capa? É o José de Anchieta que assina a mesma, certo?

Dinho Nogueira: Toda produção da arte da capa foi direcionada pela Marinete Veloso, uma amiga, aluna, que viu que o disco estava gravado, mas que eu não conseguia resolver essa parte gráfica e visual. Eu mostrei para ela a prova de uma possível capa e ela disse: – Nossa, mas tá horrível essa capa! Eu tenho um primo que é cenógrafo e eu vou falar com ele; se você tiver sorte, ele vai fazer pra você. Aí ela falou com ele, que pediu para eu mandar as músicas para ele conhecer. Se ele gostasse, faria a arte. Então, eu mandei as músicas. Depois de uns três, quatro dias… achei até que ele tinha desistido… ele me deu retorno e disse: – Vamos marcar um encontro na casa da Marinete; assim aproveito e revejo minha prima e levo uma prova que fiz para a capa do seu disco. Quando cheguei lá e olhei, era tudo o que eu queria! Quase chorei. Era exatamente o que eu queria, só que eu não sabia que era aquilo. Era o que estava dentro de mim e o cara conseguiu, através das minhas músicas, saber o que eu queria. É uma coisa extranatural. O artista, quando tem essa ligação com a arte, você não precisa falar nada; ele sozinho descobre dentro de você o que você quer dizer sem nunca ter te visto. A gente nunca tinha se encontrado; nunca tínhamos nos visto; ele só ouviu as minhas músicas. Mas ele disse que gostava muito de Minas e que não foi difícil fazer a arte porque meu trabalho soava como algo que lembrava a terra, o interior… Para mim foi uma dádiva ter esse artista em meu disco. E, além disso, ele fez a diagramação.

Eu ia muito à casa dele para conversarmos sobre a arte da capa e um dia cheguei lá e o meu nome estava anotado num quadrinho de tarefas que ele tem: Dinho Nogueira. Eu até tirei uma foto desse quadrinho porque o meu nome estava dentre as tarefas do José de Anchieta. Um trabalho dele vale muito dinheiro; eu não poderia pagar. Ele fez várias capas de discos do Egberto Gismonti, foi cenógrafo da Broadway, do Cacá Rosset…

Revista do Choro: E o encarte, como você produziu? 

Dinho Nogueira: Pois é… Depois disso tudo, não suficiente, a Marinete convidou outro amigo dela para me ajudar neste sentido. Foi o Eduardo Magossi, um jornalista que escreve para o The Wall Street Journal e que fez a catalogação dos discos da gravadora Marcus Pereira. Ele fez toda parte escrita do meu disco. Fez uma entrevista comigo e tal… Ele escreve muito bem e muito fácil. Ficou excelente!

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Author: imprensabr