Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo é o primeiro livro sobre choro publicado no formato audiolivro


A versão permite o acesso de deficientes visuais a uma das obras mais importantes da atualidade sobre a música e o choro em São Paulo

Por Leonor Bianchi

Um dos livros mais importantes da atualidade sobre a música e o choro em São Paulo, e até mesmo da música no Brasil, na medida em que contribui sobremaneira para contar a história da música popular em nosso país, Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo (2013), de José de Almeida Amaral Júnior, foi publicado recentemente em audiolivro. A Revista do Choro entrevistou o autor para saber como surgiu a proposta.

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O livro, com prefácio de Fernando Faro, traz uma breve discussão com base bibliográfica sobre o cenário socioeconômico do país ao longo do séc. XIX, fim do período colonial até a República, incluindo os primeiros anos do séc. XX. O autor traça um panorama dos elementos que deram origem ao choro, o nascimento no Rio de Janeiro e seus principais personagens. Um espaço para a compreensão do choro em geral, incluindo verbetes dos grandes nomes.

Apresentando uma visão resumida do contexto socioeconômico da cidade de São Paulo e também das manifestações musicais que influenciaram e caracterizaram o choro paulista, o livro também traz verbetes explicativos sobre gêneros como o samba, o frevo, o jongo, o tango brasileiro, entre outros, assim como aborda, também, a vida dos seresteiros, de profundo vínculo com os chorões paulistas.

Depoimentos de 42 compositores, cantores e instrumentistas de renome nacional e da cena musical paulista compõem a obra. Entre eles estão Izaías Bueno de Almeida, Laércio de Freitas, Toninho Carrasqueira, Milton Mori, Proveta, Danilo Brito, Luizinho 7 Cordas, Edmilson Capelupi, Guta do Pandeiro, Ventura Ramirez, o pesquisador e produtor J.L Ferrete e Luis Nassif.

Bibliotecária Bruna Pacheco e o exemplar original do audiolivro Chorando na Garoa - Memórias Musicais de São Paulo.

Bibliotecária Bruna Pacheco e o exemplar original do audiolivro Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo.

Leia a entrevista

Revista do Choro: Conte-nos um pouco sobre o livro Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo.

José de Almeida Amaral Júnior: Bem, o livro “Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo” surgiu a partir de uma ideia que foi homenagear e, ao mesmo tempo, guardar um pouco da visão dos músicos de choro e seresta sobre sua atividade, seu mundo. Eu convivia com vários deles, ao frequentar as lojas Casa Del Vecchio e Contemporânea, redutos dessa cultura na cidade de São Paulo. Todo sábado, essa gente se reunia simultaneamente ali na região de Santa Ifigênia, no Centro. Como a Del Vecchio terminava o expediente mais cedo, ao fechar as portas, as pessoas iam para a Contemporânea, dois quarteirões de distância dali, onde já havia outra roda rolando e que se estendia até mais tarde. Aliás, hoje a Del Vecchio não propicia mais esses encontros, infelizmente. A Contemporânea mantém a tradição, para a alegria geral.

Então, alguns dos participantes das referidas rodas começaram a adoecer ou, pior, a falecer. Isso foi mexendo comigo, afinal, desde que me interessei pela história da música brasileira popular, notei que sobre os chorões, os seresteiros de São Paulo havia pouca coisa escrita disponível ao grande público. O que existia era trabalho universitário. E, mesmo assim, nada em grande escala. Isso ao longo dos anos 1990. Então, em 2009, o Sr. Miguel Fasanelli, dono da Contemporânea, figura emblemática, também nos deixou. Isso me impulsionou, definitivamente, a escrever um livro que desse uma visão geral sobre o choro local, sem a pretensão de ser algo acadêmico. Mas, claro, apesar disso, que fosse sério no levantar dados bibliográficos e, especialmente, colocando no trabalho algo que os livros de choro que eu conhecia, isto é, o do Animal, do Lúcio Rangel, o “Carinhoso Etc & Tal” do Ary Vasconcellos, do Henrique Cazes e o do Afonso Machado, não possuíam: os músicos falando. E o livro foi construído nessa toada. Quarenta e tantas entrevistas. Ao todo foram quatro anos de dedicação. Obviamente como eu já havia lido muita coisa, ajudou no processo. Lido e ouvido. Livros, discos e rádio sempre foram coisas que andaram comigo.

Bem que gostaria de colocar um disco na publicação, mas, como não obtivemos investidores para bancar o projeto, não foi possível. As faixas até já tinham sido selecionadas com a CPC – Umes. Dois anos tentando captar pela Lei Rouanet… Muito tapinha nas costas, muitos parabéns, coisa e tal, mas, choro não é um produto fácil de se vender. Publico restrito. Faixa etária elevada. Muito idealismo e pouco retorno… e coisas do gênero, foi o que ouvimos aos montes. Eu e as pessoas que me ajudaram a tentar achar patrocínio. Se tivéssemos a contemplação por parte de algum mecenas, incluiríamos palestras com um conjunto para andarmos por escolas falando sobre o choro, a seresta, o samba… Uma quimera… Mas, assim mesmo, resolvi levantar uma grana e bancar o livro sozinho. Realizar ao menos uma parte do sonho… Quinhentas e trinta páginas, com tanto conteúdo interessante, rico, prefácio de Fernando Faro… meu Deus, não poderia ficar enfiado numa gaveta!

Conversei com a família e resolvemos meter as caras, arriscar. Logo acertamos com uma pequena editora, na base do ‘on demand’. E, aos poucos, a obra acabou sendo consumida por alunos de escolas de música, por professores e, claro, chorões e fãs do gênero. Até que um dia o livro chegou ao gabinete da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, que resolveu fazer uma tiragem especial para um evento. Leram o livro, gostaram e fizeram a proposta dessa edição. Topei e isto compensou o Projeto original frustrado: livros iriam para as bibliotecas públicas, com o acordo que selamos. Uma beleza! Grande vitória!

Então, o trabalho caminhou dentro do que é possível, em se considerando nossa estrutura. Andou porque várias pessoas que gostaram ajudaram a divulgá-la. E também pelo Facebook do livro, algo que foi essencial para contatos nesse movimento todo. Atualmente tem uma distribuição bem melhor, em livrarias e tal. Ruy Godinho, escritor, produtor e radialista da Rádio Câmara (DF) o chamou de ‘atual bíblia do Choro’, a Revista do Choro o considerou como ‘o lançamento de 2014’; foi destaque em jornais, na internet e até TV; entrou para o Dicionário Cravo Albin da MPB; teve lançamento no Teatro Guarany, em Santos, apoiado pelo Clube do Choro local, ganhou um choro de presente do sr. Izaías Bueno de Almeida e motivou um show homenagem na casa de espetáculos Terra da Garoa, entre outras coisas mais. Muito bacana. E vai seguindo seu curso… contornando as dificuldades, as dores de cotovelo dos invejosos, os preconceitos contra o gênero… É assim…

Revista do Choro – Depois da extensa promoção/ divulgação da obra impressa em todo o Brasil, como surgiu a ideia de publicar o livro Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo em audiolivro?

José de Almeida Amaral Júnior O Mário Luiz Brancia é um querido desde a época em que juntos fazíamos coral no CCSP, meados da década de 1980. Mário, tenor afinado, é uma dessas pessoas apaixonadas pela música brasileira. Ouve rádio, boa conversa. Conhece muito…  Aliás, ele próprio é radialista, embora hoje esteja fora do dial. E é deficiente visual (DV). Nesses papos, zanzando por aí, foi que aprendi bastante sobre o universo dos DV. Ele está muito envolvido com os grupos locais que amparam essas pessoas, caso do Instituto Padre Chico, com a Laramara, o Grupo Terra, entre outros. Essas entidades promovem atividades várias com os DV. E, no meio delas, também disponibilizam livros em braille através das suas bibliotecas. E, como essas associações não têm dinheiro sobrando, a vida não é fácil, para sua manutenção etc. E livro em braille é diferente das tiragens comuns. Daí, o pessoal passou a utilizar também os audiolivros ou audiobooks. Mais práticos, afinal, podem ser utilizados por quem não conhece a leitura e a escrita dos símbolos em relevo, criadas por Louis Braille. Aliás, Braille usou sua invenção também para a notação musical, sabia?

Música para quem não é cego já é algo maravilhoso; imaginem para os DV, então! Podemos dizer que o universo dos sons é tudo para eles. E a música, propriamente dita, é uma companhia inseparável. Entre os chorões, por exemplo, o violonista mato-grossense Levino Conceição era cego. E os Titulares do Ritmo, sexteto vocal que estreou em São Paulo, com sucesso entre os anos 1950 e 70? Excelentes. Talvez, por preconceito da mídia, não existam muitos outros astros DV, porque talento eles tem aos montes…

Então, quando o livro foi publicado em tiragem especial pela Fundação Theatro Municipal de São Paulo, na primavera de 2013, os volumes foram às bibliotecas municipais. E, assim, obviamente, o CCSP também recebeu o seu. Desde que foi fundado, em 1982, eu frequento o local. Shows, teatros, bibliotecas, discoteca, jardins, coral… aquilo é tudo de bom! Quando dos 80 anos da Discoteca Oneyda Alvarenga, que faz parte do acervo do CCSP, a convite da jornalista Márcia Dutra, até escrevi uma crônica em louvor ao espaço (http://centrocultural.cc/discoteca/index.php/2015/08/03/uma-cronica-de-toca-discos-trilha-sonora-de-minha-vida/)…  Acabei, então, fazendo um programa, o “Crônica de Toca-Discos” (http://www.ccsplab.org/maisccsp/jose-de-almeida-amaral-junior/)  pela WebRádio do CCSP com a Rita Daher, falando sobre choro. E conheci também um funcionário muito especial da Discoteca, Sr. Edson Marçal. Outro apaixonado por música e super dedicado na sua função. Recomendo a todos visitar o CCSP.

Sra. Pergy Grasse Ramoska, da Discoteca Oneyda Alvarenga e documentação de música do CCSP e sr. Edson Marçal, técnico da Discoteca.

Sra. Pergy Grasse Ramoska, da Discoteca Oneyda Alvarenga e documentação de música do CCSP e sr. Edson Marçal, técnico da Discoteca.

Então, nessas andanças, preparando o programa por lá, porque foi feito com o material da própria Discoteca, conversando com o pessoal da Rádioweb, foi que cruzei com gente da Biblioteca Braille. Estão fisicamente perto, no interior do prédio. A Braille está no CCSP desde 1986.

Radialista Marta Fonterrada, no estúdio de gravações do audiolivro, a Web rádio do CCSP.

Radialista Marta Fonterrada, no estúdio de gravações do audiolivro, a Web rádio do CCSP.

Nos estúdios da emissora, conheci Nelson Katayama, responsável pela edição dos áudios. Então, com toda essa gente por ali, comentamos o livro pioneiro que estava chegando para a biblioteca, o programa sobre choro e, assim, papo vai e papo vem, surgiu a ideia de transportá-lo para o áudio. Achei perfeito.

Nelson Katayama, responsável pelas edições dos audiolivros.

Nelson Katayama, responsável pelas edições dos audiolivros.

Revista do Choro: Além do sr. Takayama, quem foram as pessoas envolvidas na produção do audiolivro?

José de Almeida Amaral Júnior O Mário já havia me falado da Sra. Maria Helena Chenque, que trabalha na catalogação dos livros na Braille. Como de praxe, enviei, assim, uma proposta para avaliação da obra pelo pessoal da Biblioteca Louis Braille. Segundo as regras, o volume para fazer parte do acervo deve atender aos critérios estabelecidos pela Divisão de Bibliotecas do Centro Cultural, ou seja, ter “fortuna crítica, que tenham indicação de revistas e jornais especializados, publicadas  por editoras conceituadas; obras sugeridas por nossos leitores”. E, aconteceu o ok. Daí, como autor, decidi ceder a eles os direitos para a publicação do audiolivro em função de política de inclusão, isto é, dirigido em exclusividade ao público DV. A sra. Maria Helena da S. Corrêa é a coordenadora da Biblioteca Louis Braille. Foi ela que, depois de quase dois anos, deu-me a notícia de que os trabalhos estavam concluídos pela equipe da Braille. São 530 páginas…  Longo trabalho executado!

Eles intitulam ‘ledor’ ao técnico que coloca a voz para a gravação. No nosso caso, foi o Sr. José Carlos Liguori Dias, quem narrou o livro. E é um trabalho voluntário. Eles contam com uma equipe de aproximadamente 20 pessoas. É importante frisar que não é necessário ser radialista, locutor e tal, mas sim ter boa voz, boa leitura, boa dicção e tempo disponível para a agenda do CCSP. Quem tiver condições, portanto, pode se candidatar. E, responsabilidade acima de tudo: se começou, deve ir até a conclusão. Afinal, cada livro é sempre realizado por uma só pessoa, e tanto faz ser homem ou mulher.

Revista do Choro: É o primeiro livro do choro nesse formato. Fale um pouco sobre este feito…

José de Almeida Amaral Júnior Acredito que esta edição em audiolivro de “Chorando na Garoa” seja um marco, de fato, como a Revista do Choro levantou a hipótese assim que o CCSP disponibilizou o livro para o público. Pelo visto, os clássicos livros do choro não foram vertidos para esta plataforma ainda e não parece ter surgido outro título em MP3. Fico feliz porque é um serviço feito ‘na raça’, desde o princípio, sem apoio financeiro, mas honesto e determinado. Está vencendo por méritos próprios. São Paulo tinha biografias de chorões, livros de estudos instrumentais e etc., é verdade, porém, não um livro geral sobre o choro. Agora tem. E com um elemento extra, saindo do forno: o audiobook para os DV.

Revista do Choro: Onde o livro está disponível? Como as pessoas têm acesso?

José de Almeida Amaral JúniorA obra na Biblioteca Louis Braille está disponível no formato MP3. Assim, é só aparecer lá na Rua Vergueiro nº 1000, bairro do Paraíso, ao lado do metrô Vergueiro, para se plugar e curtir o “Chorando na Garoa – Memórias Musicais de São Paulo”, versão audiobook, para qualquer DV.

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O livro, então, está disponível para o público em geral que seja DV. Caso alguma entidade, alguma associação, se interesse pelo conteúdo, pode procurar a Biblioteca Louis Braille para um acordo. Ligar para 3397-4088 ou 3397.4092 de terça a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 18h. Endereço eletrônico bibliotecabraille@prefeitura.sp.gov.br.

Revista do Choro: O livro, neste formato, sairá do Brasil? Ele poderia virar um audiobook em outros idiomas. Existe essa possibilidade?

José de Almeida Amaral JúniorComo o conteúdo de “Chorando na Garoa” tem um percentual que trata sobre o choro no País, é um livro que fala de Brasil, embora tenha foco principal em São Paulo, já perguntaram se não sairia em língua estrangeira para o mercado exterior. Bem interessante. Como isto vem se ampliando, esta pergunta vem se repetindo, vamos estudar as possibilidades. Talvez um audiobook em inglês? Se houver uma boa proposta de patrocínio para essas coisas… Vamos ver.

Revista do Choro: O choro em São Paulo está vivendo um novo momento, uma revitalização, se assim podemos dizer, com o novo Clube do Choro de São Paulo. Há uma atmosfera propícia para falar sobre choro em Sampa. Como está sendo o livro Chorando na Garoa, agora lançado em audiolivro, neste contexto?

José de Almeida Amaral JúniorO importante é que estas conjecturas indicam que o livro cumpre bem o seu papel, a saber, homenagear e divulgar os músicos brasileiros. E é pé quente, hein?!  Até uma nova edição do Clube do Choro de São Paulo aconteceu depois que ele pintou! Em 2015, a Prefeitura resolveu ceder o Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, para sediar a entidade paulistana, renascendo das cinzas. Duas outras tentativas foram feitas anteriormente, nos anos 1970 e 80, todavia, não foram adiante. Agora, a torcida é para que vá e cumpra o papel de espaço permanente de apresentação, obviamente; todavia, não podendo esquecer algo fundamental que é a educação, o ensino, a geração de novos músicos e de novos ouvintes, a formação de plateia, um semear para que o choro, primeiro gênero instrumental urbano brasileiro, seja constantemente rejuvenescido. Ele não pode cristalizar, virar item de museu, estar associado a algo passadista, ‘coisa de velho’, como ouvi várias vezes enquanto busquei captar recursos para a publicação. É cultura brasileira que deve ser valorizada. É preciso incentivo aos estudos. Quem leu as quinhentas e tantas páginas de “Chorando na Garoa” sabe bem que essa é a moral da história.

Sobre o autor

José de Almeida Amaral Júnior ouvindo um raro LP dos festivais do choro dos anos 1970.

José de Almeida Amaral Júnior ouvindo um raro LP dos festivais do choro dos anos 1970.

José de Almeida Amaral Júnior é professor universitário na área de ciências sociais. Economista, pós- graduado em Sociologia e mestre em políticas de educação. Estudou clarinete na Universidade Livre de Música do Estado de São Paulo com o Maestro Portinho e o Maestro Roberto Bomílcar. Foi membro do grupo Choro & Canção do SESC/SP Consolação. Fez Canto Coral na EMESP com a regente Ana Beatriz Valente Zaghi. É coautor do livro “São Sebastião e a Vila Guilherme – Memórias Paulistanas da Zona Norte” (2002). Participa regularmente como colunista da Rádio 9 de Julho AM, da Revista Família Cristã, do Jornal Cantareira e do Jornal Mundo Lusíada. Membro honorário do Clube do Choro de Santos.

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Author: imprensabr