Pensadores do Choro: Tudo Culpa do Choro – Parte V – A Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba


No domingo 24 de janeiro de 2016, a Revista do Choro começou a publicar o livro Pensadores do Choro na íntegra para seus assinantes. A cada domingo um novo capítulo vem sendo publicado desde então. Hoje, seguimos com o artigo Tudo Culpa do Choro, do autor Sergio Aires, contemplado pelo prêmio literário promovido pela Revista do Choro e e-ditora] (www.portaldaeditora.com.br) em 2014.

Boa leitura!

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Lançamento do livro Pensadores do Choro em João Pessoa. O autor Sergio Aires (em pé de blusa branca à direita) deu uma palestra sobre choro na ocasião.

A Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba

Por Sergio Aires

Em 2014, fui convidado para ser flautista da Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba, sob a regência do maestro Luiz Carlos Durier. Período de muito aprendizado, quando venho desenvolvendo minha leitura musical, além de perceber a importância dos ensaios regulares e da prosódia musical. Com isso, tive que parar de frequentar as regulares rodas de choro, mas não deixei de estudar o repertório. Na própria orquestra, tocamos um arranjo de Tico-tico no Fubá encomendado pela Orquestra Filarmônica de Berlim. Na ocasião, toquei flautim.

O PRIMA

Hoje sou professor de flauta no PRIMA – Programa de Inclusão através da Música e das Artes. Antes disso, trabalhei por um ano na Secretaria de Cultura de João Pessoa. Período em que aprendi a parte burocrática da música: projetos, editais, notas fiscais, orçamentos, entre outros. Hoje, no PRIMA, faço um trabalho que preenche meu coração, apesar de apertá-lo em muitas vezes.

O PRIMA foi implantado na Paraíba em março de 2012 e é liderado pelo maestro Alex Klein. A espinha dorsal do programa: ensinar cidadania através da música. Inspirado no El Sistema, da Venezuela, o PRIMA atua em comunidades de alto risco social e, através do ambiente orquestral, ensina a importância do trabalho em equipe, do esforço próprio, do saber ouvir e, dessa forma, vem mudando a realidade de diversas comunidades da Paraíba.

Para se ter ideia de uma das inúmeras vidas transformadas pelo PRIMA, conto brevemente a história que ouvi no bairro do Mutirão, na cidade de Guarabira. Afastado do centro, o Mutirão cresceu ao redor de um lixão. As famílias tiravam dali sua sobrevivência e uma dessas pessoas é Israel, hoje com 23 anos. Ele me contou que passou a adolescência frequentando diariamente aquele lixão para se alimentar e procurar objetos que pudessem render algum trocado. São palavras dele: “Eu tinha que estar bêbado para entrar naquele lixão. Não tinha condições humanas de fazer aquilo sóbrio”. Hoje, ele dá aula de clarinete, violão, é inspetor do polo de ensino de sua cidade, além de ser coordenador do Fórum Nacional de Juventude Negra e uma importante voz na política local.

Assim como Israel, milhares de outras histórias estão tendo uma página mais digna e justa, graças à música. Muitos alunos do PRIMA perderam seus pais para o tráfico e para a prostituição. Através da música eles estão recuperando uma autoestima que estava ofuscada pela realidade em que vivem. Apesar do programa ser novo, já é possível ver resultado nítidos, como alunos ingressando no curso de extensão de música da Universidade Federal da Paraíba, alunos – por iniciativa própria – organizando concertos em hospitais, asilos e escolas públicas, pais reconquistando o bom convívio familiar, bem como um sentimento de admiração pelo seu filho. Através desses filhos, os pais estão começando a ouvir e apreciar música clássica. Mais que isso, estão começando a aprender o que é um fagote, uma trompa, um clarinete e a participar dos concertos.

Mas… e o choro, que tem a ver com isso?

Bom, o choro é minha origem. Ele foi o gatilho que disparou meu entusiasmo em estudar música com seriedade. É através do choro que, em muitos casos, desperto o interesse e a curiosidade dos meus alunos. As histórias que já contei para o público, hoje conto em sala de aula. As histórias que conheci nos livros e nas capas de discos, hoje conto – com a ajuda da flauta – a alunos com olhos brilhando. Hoje passo como tarefa de casa uma pesquisa sobre Pixinguinha, Altamiro Carrilho, Pattápio Silva e tantos outros.

Apesar do PRIMA ser recente, começam a despontar os primeiros talentos dedicados. Esses alunos são convidados a formar grupos de câmara para, cada vez mais, aprimorar suas potências e servir de inspiração para seus colegas. Um desses grupos é o quinteto de sopros de Cabedelo, que tive a honra de criar e, hoje, lidero os ensaios com mais 4 alunos. No nosso repertório estão clássicos do choro – arranjados para o quinteto -, como Lamento, André de Sapato Novo, Oito Batutas, além de músicas da MPB, como A Banda (Chico Buarque) e outras do repertório regional, a exemplo de Presepada (tema do Auto da Compadecida).

É através da música brasileira que um mundo se abre, suscitando a curiosidade. Essa é a força motriz para o aprendizado do aluno. Ao contar um pouco da história de Pixinguinha, por exemplo, o aluno se reconhece nele e percebe que é capaz de muito, basta estudar. O PRIMA é uma escola de cidadania. Porém, já que usa a música como um meio para atingir esse objetivo, acaba, também, sendo uma oportunidade para darmos aula de História do Brasil, ao falarmos de como surgiu o choro, da importante e significativa presença da mistura de raças. Isso afeta não só a essência musical, mas a sociedade.

O choro abre as portas. Ao entrar, deparamo-nos com um mundo de possibilidades. Quanto mais entramos, mais percebemos como tudo isso pode ser transformador para uma sociedade tão carente, mas ao mesmo tempo tão virgem. Conhecer o choro e sua história é um privilégio que precisa ser estendido às escolas, às universidades, aos bares, aos lares. Precisamos de contadores de histórias. Documentários, palestras, concertos, rodas informais, saraus poéticos, livros e revistas. Que sempre haja choro na nossa vida, mas também vida no nosso choro.

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Author: imprensabr