Jacob do Bandolim e a formação do primeiro núcleo de músicos de choro de Brasília


Leonor Bianchi

Em 1967, após sofrer um infarto no dia 19 de março, durante uma apresentação no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, Jacob do Bandolim, de repouso em sua chácara em Jacarepaguá recebeu duas visitas que marcariam (positivamente) a história do choro em Brasília: o conceituado médico neurologista Arnoldo Velloso, que fora do consultório era também violonista, e Francisco Carvalho de Assis, advogado do Banco do Brasil e cavaquinista. A iniciativa de ir até aquele que ele considerava ser o maior de todos os bandolinistas partiu de Assis, que tinha adquirido recentemente um bandolim e alimentava fixamente a ideia de conhecer Jacob do Bandolim. Frequentadores dos saraus que a pianista Neusa França promovia em sua casa numa Brasília praticamente recém-inaugurada, e amigos desta que eram, pediram a ela que os apresentasse ao tão virtuoso bandolinista carioca, pessoa de seu círculo de relações no meio musical. Em depoimento que deu à autora do livro ‘Sábado à tarde: Avena de Castro, a cítara e o choro em Brasília’, Beth Ernest Dias, Velloso disse:

“A Neusa foi quem fez a apresentação, dizendo que eu era um médico, que tinha feito um curso na Alemanha, que eu podia ajudá-lo, que ela sabia que eu estava a ser candidato de bandolim dele. Aí ele disse: – Claro! Sem dúvida!”.

Na foto, da esquerda para a direta: o presidente do Brasil em 1967, Costa e Silva, o citarista Avena de Castro, Jacob do Bandolim, Carlos Leite Jonas, Gilberto D'Ávila, Dino 7 cordas e César Faria.

Na foto, a primeira formação do Conjunto Época de Ouro. Da esquerda para a direta: o presidente do Brasil em 1967, Costa e Silva, o citarista Avena de Castro, Jacob do Bandolim, o violonista Carlos Leite, Jonas Silva, cavaquinista, Gilberto D’Ávila, Dino 7 cordas e César Faria (violão)

Quase um milagre!

Recebidos pela esposa de Jacob, D. Adylia, que solicitou uma breve visita, Velloso e Assis logo foram alertados do estado delicado de saúde do bandolinista. Contudo, a brevidade da visita (de médico), ou dos médicos, já que para estar ali o advogado Assis acabou tendo de se passar por médico também, estendeu-se a um convite feito por Jacob para que ambos participassem de uma roda musical em sua casa com os convivas que sempre frequentavam esses encontros.

Impressionado com a melhora que teve durante o encontro com os ‘médicos’, após doutor Velloso – com a ajuda de Assis -, aplicar-lhe uma técnica alemã de terapia neural, Jacob fez questão de ligar para os amigos para comunicar o milagre e avisar que estava de volta por causa daqueles ‘bruxos’, que o tiraram do leito.

Naquele encontro mágico para Jacob, mas, sobretudo, para Assis e Velloso, estes conheceram a essência da vida familiar de Jacob do Bandolim, e tiveram a oportunidade de desfrutar de uma das rodas de choro mais seletas daqueles tempos, com as presenças de Radamés Gnatalli, Elizeth Cardoso, Ataulfo Alves, o flautista Eugênio Martins, além dos integrantes da primeira formação do Conjunto Época de Ouro: Horondino José da Silva (Dino 7 Cordas), César Faria e Carlinhos Leite (violões de seis cordas), o cavaquinista Jonas Silva e o pandeirista Gilberto D’Ávila.

Acompanhado por esse naipe de instrumentistas, Jacob acabou por aceitar o convite dos médicos que o salvaram por quase um milagre e iniciou o planejamento de sua viagem a Brasília; a primeira de várias que faria a nova capital do país.

Em Brasília, Jacob e o regional hospedaram-se nas instalações da chácara do Dr. Velloso; Estrela d’Alva. Jacob retornaria ao Rio para as festas de fim de ano, mas voltaria à casa do novo amigo médico passado o período de férias de verão.

Mesmo ainda sentindo fortes dores na região da coluna, Jacob via-se motivado a estar naquele novo ambiente, cercado por novos amigos e novos músicos, e sob a guarda e cuidados do médico Velloso. Este, por sua vez, conta que ficou surpreso ao saber por Jacob, que em Brasília morava um citarista muito amigo dele e que para ele – Jacob -, era um grande intérprete seu. Jacob referia-se a Heitor Avena de Castro.

“O Jacob dizia “eu tenho aqui um grande intérprete meu’, e falava do Avena. Mas eu não sabia quem era o Avena. Eu conhecia o Castro, um homem que fotografava muito bem… Para mim, ele era apontador de obras de Pederneiras, a empresa construtora da rodoviária e que fazia a reforma da unidade do Hospital de Base, que eu chefiava, no décimo primeiro andar. Ele tinha que corrigir a reforma, verificava o que era preciso fazer, e depois passava para os operários. Mas eu não sabia que ele era músico. Fotografava, gostava de fotografia, eu também gosto. Aí a gente trocava fotografia, mostrava e tal. E, surpreendentemente, o Castro apareceu na minha casa, numa sexta-feira à tarde: “Vim aqui para ver o Jacob…’. O Jacob estava logo na sala e falou… ‘esse é o Avena de Castro’. Jacob apanhou o bandolim, trouxe e foram tocar os dois. Aí eu chorei! Fiquei emocionado demais. Os dois juntos eram impressionantes!”, conta Velloso.

A primeira estada de Jacob em Brasília e a homenagem no sarau da pianista Neusa França

Uma vez em Brasília, obviamente, Jacob iria a um sarau na casa da amiga Neusa França, compositora do hino de Brasília e quem o havia apresentado aos novos amigos músicos ‘e médicos’ Velloso e Assis, responsáveis por sua estada na nova capital federal.

Em sua casa no Rio de Janeiro, os saraus de Neusa eram frequentados por muitos artistas, músicos, poetas… Quem estava sempre às sextas-feiras prestigiando os encontros era Lamartine Babo, Francisco Mignone, a pianista Tia Amélia e o próprio Jacob do Bandolim.

Em Brasília, Neusa aproveitou a estada do amigo Jacob e organizou um grande sarau para homenagear o maior bandolinista brasileiro daqueles tempos. No dia 18 de novembro de 1967 ela recebeu cerca de 60 pessoas em seu apartamento, que foram até lá admirar e prestigiar a arte do instrumentista.

Dizem que foi uma noite memorável! Jacob agradecendo à amiga tocou em seu bandolim a composição “Mariposa da luz” da pianista, e deixou a todos surpresos com uma interpretação que fez de uma valsa de Chopin e das “Czardas” de Monti, em dueto com o violonista Ricardo Wagner. Nesta noite Jacob disse que Chico Buarque era para ele um dos maiores compositores da música popular brasileira daquela geração e que sua obra ficaria para a eternidade… Como era de costume, o marido de Neusa, Osvaldo, guardião da memória desses encontros, registrou todos os acontecimentos desta noite em áudio.

Acompanhe a continuação do artigo ao longo da semana…

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Author: imprensabr