Leonor Bianchi
A relação entre choro e festa junina começa com formação mesma do gênero no Brasil, com a chegada da família real vinda de Portugal para a colônia trazendo as danças de salão europeias, como a valsa, o minueto, a schottisch e principalmente, a polca.
Nos anos de 1930 e 1940, era de ouro do rádio no Brasil, muitos músicos brasileiros emplacaram grandes sucessos compostos para os festejos juninos. Se não eram especificamente ‘do choro’, eram do samba e tocavam com instrumentistas chorões, como veremos neste artigo.
Do choro, Benedicto Lacerda, o flautista de Macaé que se transformou no maior empresário da música do seu tempo e tornou-se parceiro de Pixinguinha, cabe a gravação da clássica ‘Pedro, Antônio e João’, de 1939, em parceria com Osvaldo Santiago. A música, gravada pelo Regional de Benedicto foi imortalizada na voz de Dalva de Oliveira. Dalva por sua vez já havia feito um sucesso junino com a música ‘Noites de junho’, em 1929. Ainda integrante do Trio de Ouro, ao lado de Herivelto Martins e Nilo Chagas, Dalva já era uma cantora requisitada quando gravou sua primeira marcha junina, composição de Braguinha (João de Barro) e Alberto Ribeiro. Os versos captam um lado poético e delicado da festividade: “Os balões devem ser, com certeza/as estrelas daqui deste mundo/que as estrelas do espaço profundo/são os balões lá do céu”. A música foi regravada anos depois por Emilinha Borba.
Voltando a Benedicto Lacerda, como contou o biógrafo do flautista, Sidney Castello Branco, à Revista do Choro, com exclusividade para este artigo:
“Em 1938, o jornal A Noite promoveu um concurso de Canções de Junho, destinado aos festejos de São João. Neste concurso, Benedicto Lacerda ganhou uma flauta de prata com a música junina intitulada “Sob um Céu de Anil”. Esta obra nunca foi gravada.
Em 1936, em concurso, também promovido pelo mesmo jornal, hábito existente na época de vários jornais, Benedicto ganhou, também, uma outra flauta de prata com a composição ” Estou de mal com São João ” e não ” Briguei com São João” conforme consta, equivocadamente em diversos textos.
Em 1939 Benedicto Lacerda gravou a música junina “Pedro, Antônio e João”, que é um dos hits dos festejos de São João, sendo uma das 10 obras juninas mais executadas até os dias de hoje”, disse Sidney.
Assis Valente chegaria ao extremo do sucesso com ‘Cai, Cai Balão’, em 1933, desenvolvendo a quadrinha popular, interpretada por Francisco Alves e Carmen Miranda. Sem o mesmo sucesso, mais tarde Assis Valente lançaria na voz de Chico Alves ‘Olhando o Céu Todo Enfeitado’ e ‘Mais Um Balão’.
Mas entre os chorões, foi Pixinguinha o grande arranjador das marchinhas juninas.
O primeiro grande sucesso junino, lançado em julho de 1933 foi ‘Chegou a hora da fogueira’, composição de Lamartine Babo, gravada por Carmem Miranda e Mário Reis pelos Diabos do céu.
Braguinha, João de Barro, também compôs clássicos para os festejos de junho. Com o Bando dos Tangarás, também em 1933, já registrava uma ‘Festa de São João’, em duas partes, consignado na Odeon como “cena regional”. “Capelinha de Melão”, com o parceiro Alberto Ribeiro, aproveitando tema folclórico, é sucesso absoluto até hoje em qualquer canto do Brasil. Ribeiro compôs também ‘Sonho de Papel’, de 1935:
O balão vai subindo
Vem caindo a garoa
O céu é tão lindo
E a noite é tão boa
Lamartine, amigo dessa turma toda compôs “Chegou a Hora da Fogueira”, que estourou nas rádios na voz da imortal Carmen Miranda e de Mário Reis. São de sua autoria ainda “Isto É Lá com Santo Antônio”, Pistolões e Roda de Fogo, em parceria com Alcyr Pires Vermelho.
Outro grande compositor famoso do tempo de ouro do rádio no Brasil, Ary Barroso, o mais baianos de todos os mineiros, escreveu ‘Sobe meu Balão’.
Pouco conhecido como os músicos já mencionados neste artigo, Getulio Marinho e João B. Filho são os autores de ‘Pula a Fogueira’, talvez o maior sucesso de todos os tempos para o período junino.
O paulista José Maria de Abreu e o fluminense Francisco Matoso compuseram ‘São João Há de Sorrir’. Humberto Pinto e Kid Pepe são lembrados por ‘Pra Meu São João’. Mário Travassos e A. L. Pimentel anotam ‘Fogueira de Meu Coração’.
Nássara e Orestes Barbosa, em momento mais contido, escrevem ‘Meu São João’, e Nássara ainda voltaria ao tema com ‘Carneirinho’.
Luiz Gonzaga, como bom sanfoneiro, comandou muitas festas movidas a pipoca e quentão. Estreou em disco com ‘A Véspera de São João’, em 1941, uma valsa instrumental, e voltou ao tema várias vezes. A bela “Olha pro Céu”, parceria com José Fernandes, até hoje é regravada com sucesso:
Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo.
Olha praquele balão multicor
como no céu vai sumindo
Conhecido como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga lançou dois discos inteiramente dedicados à músicas juninas, tamanha sua identificação com a causa, ambos intitulados “Quadrilhas e Marchinhas Juninas”, o primeiro de 1965 e o volume 2 de 1979, que trazia ainda o epíteto “Vire Que Tem Forró”. Mas nenhuma música de sua autoria produziu tanto impacto quanto “Olha pro Céu”, parceria com José Fernandes lançada em 1951 e regravada por Elba Ramalho e Gilberto Gil.
É fato que nem todas as canções que falam de festas juninas são canções juninas, como por exemplo, ‘Último Desejo’, de Noel Rosa e ‘Festa Junina’, de J. Cascata e Leonel Azevedo, ou o ‘Chico Mulato’ (Raul Torres/ João Pacífico), que ‘por causa de uma caboclinha chamada Tereza deixou o sertão sem São João’.
Vários compositores contemporâneos fazem referências saudosas às festas juninas, mas não chegaram a compor sucessos de animar a quadrilha. Aliás, “Quadrilha” é o nome de uma engraçada canção de Francis Hime e Chico Buarque, trilha do filme A Noiva da Cidade, de 1978. Caetano criou um São João Xangô Menino, Gil lançou um CD forrozeiro dedicado à festa (São João Vivo), Tavinho Moura e Ronaldo Bastos fizeram a delicada ‘Noites de Junho’, Cazuza citou Alberto Ribeiro em ‘Festa de São João’.
Quem criou talvez o último grande sucesso junino foi Morais Moreira, com sua ‘Festa do Interior’, letra de Abel Silva. É tocada em ritmo de frevo, de marchinha, anima carnavais, mas também entrou para o repertório dos sanfoneiros que fazem a poeira levantar do chão nessa época do ano.
Seja como for, canção junina é que nem canção de carnaval: as antigas são sempre cantadas com alegria, e a festa não seria a mesma sem elas.
Mas a música mais tocada em todas as festas juninas de ponta a ponta deste enorme Brasilzão não é nenhuma das mencionadas acima; chama-se ‘Festa na Roça’, composta pelo sanfoneiro Mário Zan.
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Nilo Chagas, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Trio de Ouro) e o Regional de Benedicto Lacerda (1937).