O centenário de Marília Batista: A ‘Princesinha do Rádio’


Leonor Bianchi

Ela não foi exatamente uma chorona, mas transitou durante toda vida pelo meio do rádio e do samba e conviveu e gravou com praticamente todos os chorões do seu tempo, como Pixinguinha e Benedicto Lacerda, por exemplo. Marília Batista (18/ 04/ 1917 – 09/ 7/1990) divide com a polêmica e irreverente Aracy de Almeida, o título de grande intérprete das músicas do sambista de Vila Isabel, Noel Rosa. E é por aí que podemos começar a contar um pouco da história desta ‘pequena burguesinha’ que se envolveu profundamente com o universo do samba, chegando a ser uma das maiores compositoras e cantoras do seu tempo, merecendo, em função disto, o título de ‘Princesinha do Rádio’.

Sua amizade e convivência com Noel começou em 1931, quando ela tinha apenas 14 anos! A ocasião era o espetáculo “Uma Hora de Arte”, no Grêmio Esportivo Onze de Junho, apresentado por ela. Deste dia em diante, ficaram tão amigos, que após sua morte prematura, sua mãe, D. Martha, que sabia do carinho do filho por Marília, entregou-lhe os manuscritos do filho. Anos mais tarde, a cantora daria para o radialista e também amigo de Noel, este precioso material para que ele o guardasse em seu acervo.

Para homenagear o amigo de juventude, em 1963, Marília Batista gravou o LP duplo “História musical de Noel Rosa” pela gravadora Nilser, de Nilo Sérgio, interpretando 44 composições de Noel Rosa.

Marília Batista em matéria publicada na revista Carioca (1938).

Uma aristocrata no samba

Nascida em família de aristocratas, era neta do poeta e barão Luís Monteiro de Barros e filha do médico e militar do Exército Renato Hugo Batista. Além de Marília, a mãe, a pianista Edith Monteiro de Barros, teve outros dois filhos, Renato e Henrique, que também foram compositores de samba.

Quando tinha seis anos, Marília conheceu o violão por acaso e dele nunca mais se separou. A história que contam desse encontro ‘por acaso’ com a música se deu por causa do barbeiro da família, que em uma de suas idas à sua casa esquecera lá o seu violão. Encantada, a menina não se separou mais daquele instrumento, que seria uma de suas eternas paixões, além do piano, que também tocava muito bem, porém não tinha o mesmo ‘apelo’ popular que o violão para os sambas compostos por ela.

Marília ficou tão envolvida pelo convívio com o violão, que certa vez escreveu:

“Fala tudo que meu peito sente

Pois, meu amigo verdadeiro…

… nem brincando você mente”.

Precoce, começou a compor ainda na infância, criança, com apenas oito anos. Na juventude, apesar de abandonar o curso de piano no quarto ano – estudou no Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da UFRJ), se formou em teoria, solfejo e harmonia.

Seu estudo de violão teve início aos 12 anos, após o grande violonista Josué de Barros ter ficado admirado com um recital feito pela jovem no Cassino Beira-mar (RJ). Barros fez questão de ministrar-lhe aulas de graça.

Depois, estudou violão clássico com o virtuoso José Rebelo. Nessa época, Marília estava completamente absorvida pela música e pretendia seguir carreira de concertista, o que não se concretizou, pois ela acabou se casando e abandonando a música para se dedicar ao lar e à família.

Carioca 1938 marilia batista

O início da carreira como compositora e cantora na década de 1930

No ano em que conheceu Noel Rosa, conheceu também, em uma festa na casa da cantora Elisinha Coelho, grandes nomes da música popular da época, como o Maestro Heckel Tavares, o compositor Luís Peixoto, Almirante e os instrumentistas do Bando dos Tangarás.

Em 1932, gravou seu primeiro disco com composições suas em parceria com seu irmão Henrique Batista: o samba “Pedi, implorei” e a marcha “Me larga”. Na ocasião foi acompanhada pelo violão de Rogério Guimarães e o bandolim de João Martins.

Em 1933, foi convidada por Almirante para fazer parte do oitavo “Broadway Cocktail” (show que precedia o filme no Cine Broadway), ao lado de grandes nomes da música popular de então: Sílvio Caldas, Jorge Fernandes e Rogério Guimarães. O sucesso foi tanto que a jovem cantora recebeu convite de Ademar Casé para integrar o famoso “Programa Casé”, na Rádio Phillips, com um contrato altíssimo para a época, de 45 mil-réis. No Programa Casé, em dupla com Noel Rosa, ficaram famosos os improvisos com o samba “De babado” (De babado sim/ Meu amor ideal/ Sem babado, não…) de Noel e João da Mina e dos versinhos das propagandas de anunciantes do programa. Os improvisos, às vezes, chegavam a durar 10 minutos sem repetição de versos criados na hora por ela e o parceiro Noel. Chegou a criar um prefixo para sua participação no programa: “Fala o Programa Casé!/ Veja se adivinha quem é…/Faço a pergunta por troça/ pois todo mundo já conhece/ A garota da voz grossa.”. Foi no programa que a cantora lançou o samba de Noel “Pela décima vez”, em 1935.

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Com Noel e o Regional de Benedicto Lacerda

Em 1936, gravou com Noel Rosa o disco com o famoso samba “De babado” e com o samba “Cem mil-réis”, de Noel e Vadico. No mesmo ano, gravou mais dois discos com Noel Rosa, o primeiro, com os sambas “Provei”, de Noel e Vadico e “Você vai se quiser”, de Noel, pela Odeon acompanhados pelo conjunto de Benedito Lacerda. O outro disco foi lançado pela Victor e acabou sendo o último disco gravado por Noel Rosa com os sambas “Quem ri melhor”, de Noel e “Quantos beijos”, de Noel e Vadico, acompanhados pela orquestra de Pixinguinha e coro de Cyro Monteiro, Odette Amaral, Almirante e pelas pastoras e ritmistas da Mangueira, puxados por Cartola.

No rádio

Marília integrava o elenco oficial da Rádio Nacional, desde a sua inauguração, em 12 de setembro de 1936 e para a emissora criou o grupo vocal ‘As Três Marias’, com o qual acompanhava cantores da emissora. Atuou ainda nas rádios Tupi, Cajuti, Cruzeiro do Sul e Transmissora, apresentando o programa “Samba e outras coisas”.

Em 1938 fez uma turnê internacional. Foi se apresentar nas rádios do Uruguai. Em 1940, gravou pela Victor o samba “Silêncio de um minuto”, de Noel. No mesmo ano, gravou com Edmundo Silva o samba “No samburá da baiana”, de Moacir Bernardino e J. Portela e o batuque “Vai andar”, de Roberto Martins e Mário Rossi.

Em 1943, teve o samba “Grande prêmio” parceria com Henrique Batista, gravado por Linda Batista na Victor. Participou do programa de apresentação do novo programa de Almirante em seu retorno à Rádio Nacional, em 14 de março de 1944. Nesse mesmo ano, gravou seu último disco antes do casamento e do afastamento da vida artística por cinco anos interpretando os sambas “Liberdade”, de Pereira Matos e Manoel Vieira e “Salão azul”, de sua parceria com o irmão Henrique.

Em 1945, interrompeu a vida artística para casar-se e só retornou em 1950. Na década de 1960, resolveu voltar a estudar e formou-se em Direito.

Depois de um longo afastamento, voltou à carreira artística na década de 1950. Nessa década algumas de suas músicas passaram a ser difundidas, entre elas “Praça Sete”, gravada com sucesso por Elizeth Cardoso. Em 1951, gravou pelo selo Carnaval os sambas “Lamento” e “Tamborim batendo”, parcerias com Henrique Batista. Em 1952, lançou pela Musidisc o LP “Samba e outras coisas” no qual interpretou, entre outras, “Remorso”, de Noel Rosa e “Imitação”; “Vai, eu te dou a liberdade” e “Praia da Gávea”, as três, parcerias com o irmão Henrique. Em 1954, gravou um LP só com músicas de Noel Rosa interpretando entre outras composições do poeta da vila “Quando o samba acabou”; “Dama do cabaré”; “Até amanhã” e “Com que roupa”. Em 1956, gravou dois discos pela Musidisc interpretando os sambas “Vila dos meus amores”; “Você não é feliz porque não quer” e “Nunca mais”, de sua parceria com Henrique Batista e “Tipo zero”, de Noel Rosa. Em 1960 gravou o LP “Marília Batista, sua personalidade, sua bossa”, com composições como “João Teimoso”, que ela musicou a partir de versos deixados por Noel Rosa; “Morena sereia”, de Noel Rosa e José Maria de Abreu e “Consciência”, de sua parceria com Renato Filho.

Em 1961, com a TV em alta no Brasil, Marília Batista apresentou-se em vários programas de televisão, mas sem deixar de estar no rádio, que mesmo não estando em alta, permanecia sendo o maior comunicador do país. Nessa década, Marília se apresentou na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte. No mesmo ano, gravou pela Copacabana os sambas “Rio, 61” e “Bossa do futuro”, de sua autoria.

Em 1988, quando participou do projeto “Concerto ao meio dia” no Teatro João Teotônio, entrevista musical conduzida por R. C. Albin, se emocionou com o tributo de aplausos que recebeu da plateia que superlotava o teatro. Deixou cerca de 30 registros gravados em 78 RPM e vários LPs.

Marília Batista faleceu, no Rio de Janeiro, em 9 de julho de 1990. É uma artista que merece ser lembrada por sua enorme contribuição à música brasileira, não só por ter divulgado grandes sucessos de Noel Rosa, mas por ser uma artista completa. Como compositora deixou importante obra, com inúmeros sucessos de Carnaval e músicas que foram lançadas por grandes nomes, como Francisco Alves e Elizeth Cardoso.

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Author: imprensabr