As rodas de choro no dia 31 de dezembro na Pensão Viana


Leonor Bianchi

Pixinguinha (1897 – 1973) nasceu no bairro da Piedade, zona norte do Rio de Janeiro, mas ainda muito criança seu pai se mudou para a Rua Floresta, N. 44, no Catumbi próximo a Santa Teresa, região central do Rio.

Alfredo Viana, o pai de Pixinguinha, levou a família para morar numa casa com oito quartos, que passaria a ser a famosa Pensão Viana, onde residiram e se hospedavam vários músicos, como, por exemplo, o pianista Sinhô, e o primeiro professor de música de Pixinguinha, ainda criança, Irineu Gomes de Almeida, o Irineu Batina, que tocava oficleide.

À noite, tradicionalmente, todos se reuniam em uma grande roda para tocar choro, mas Pixinguinha não podia participar porque era muito criança que tinha que dormir cedo. Só que quem disse que ele ia dormir? Ficava escondido observando a roda de choro e aprendendo tudo aquilo que via e ouvia avidamente.

O pai de Pixinguinha, que era um excelente flautista, gostava muito do gênero.

Quase todos na sua casa tocavam algum instrumento: Edith tocava piano e cavaquinho, Otávio (mais conhecido como China) tocava violão de 6 e 7 cordas e banjo, cantava e declamava. Henrique e Léo tocavam violão e cavaquinho. Hermengarda não se tornou cantora profissional diante da proibição do pai. Pixinguinha começou seu aprendizado musical inicialmente com seus irmãos, que lhe ensinaram cavaquinho.

Seu pai tocava flauta e promovia muitas festas em casa, das quais participavam chorões famosos, como Villa Lobos, Quincas Laranjeira, Bonfiglio de Oliveira, Irineu de Almeida, entre outros.

O seu gosto pela música era evidente, um reflexo do ambiente familiar e musical que o envolveu durante a infância.

E foi neste ambiente que Pixinguinha cresceu e passou muitos natais e festas de fim de ano participando como testemunha e integrante de todas essas rodas promovidas pelo pai, na Pensão Viana.

Não à toa aos 11 anos tocando flauta Pixinguinha começaria sua carreira profissional já de forma genial com uma enorme bagagem musical e cultural apreendida dentro de casa.

As rodas de choro o dia 31 na Pensão Viana*

No dia 31 de dezembro a festa começava cedo na Pensão Viana com um farto café da manhã preparado pela mãe de Pixinguinha, suas tias, a avó, sua irmã e primas, e servido a todos como refeição de Ação de Graças.

O cheiro do pernil já assando lentamente à lenha exalava um cheiro de comida natalina por toda a casa e saía pela Rua Floresta à fora convidando todos os vizinhos a participarem da ceia de fim de ano, à noite.

O ‘enterro dos ossos’ da ceia de Natal não pararia desde o dia 25, e os restos de rabanada, o bacalhau, já tradicional até entre as famílias de descendentes de escravos no Brasil, e não tão fresco, assim como os muitos tipos de carne assadas, e doces cristalizados ficavam em cima de uma mesa coberta com uma toalha de voal, para quem quisesse se fartar a qualquer hora.

A roda de choro começaria antes mesmo do meio-dia puxada pelo próprio pai de Pixinguinha, tocando na flauta uma composição criada espontaneamente naquela hora. todo ano era assim Ele criava uma música nova para começar a roda de choro no dia 31 de dezembro, e os outros músicos que chegavam iam fazendo arranjos a essa composição.

Descia de um quarto Irineu Batina, de outro, Bonfiglio de Oliveira, Catulo da Paixão Cearense, Sinhô… e logo começava a se formar a grande roda de choro do dia 31 de dezembro na Pensão Viana.

Pixinguinha participava da forma que podia, entre o cavaquinho e um sopro discreto na flauta do pai quando este parava para dar uma talagada numa caneca de vizinho e beber um copo d’água.

Em uma dessas festas de fim de ano, o menino Pizindim, curioso que era, foi tomar do copo do pai e acabou tendo seu primeiro pileque ainda criança, pois era vinho o que havia no copo.

Ao cair da tarde, a festa saia da Pensão Viana, atravessava a calçada e invadia todas as residências da Rua Floresta.

A meia noite, toda a rua era a roda de choro da Pensão Vianna numa grande celebração e comunhão à vida!

Os músicos mais ‘fominha’ nem largavam o instrumento quando o relógio marcava zero hora, mas alguns davam uma pausa na roda para se abraçar e desejar ao outro um feliz ano…

*Esta história contém fatos reais entre outros inventados por mim.

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Author: imprensabr