A história do choro André de sapato novo


Leonor Bianchi

Imagine-se na seguinte situação: você acabou de conhecer uma linda mulher e gostaria de cortejá-la oferecendo um convite para um baile. Na noite de sábado, você, naquela beca, depois de pedir um terno emprestado e ter comprado um sapato na banca da promoção na rua Sete de Setembro, bate palmas no portão da casa da bela jovem, que o aguarda penteando os últimos fios de cabelo para estar impecável no primeiro baile de vocês dois.

Pois bem… Orquestra Tabajara no palco, 80 músicos na banda, o salão fervendo, todo mundo dançando… e você com os pés apertados dentro do seu novo sapato adquirido na promoção da rua Sete de Setembro sem conseguir dar mais um passo adiante quanto mais acompanhar sua bela dama durante o bailado.

Já com muitas dores em ambos os pés, você resolve pedir licença e convida sua companheira a ir embora da festa dada a condição calamitosa de seus pés. E… a noite que prometia ser inesquecível acaba de forma inusitada e um tanto desconfortável pra vocês.

Você está rindo? Pois essa foi a situação do compositor André Victor Corrêa, quando compôs o choro ‘André de sapato novo’, feito após ele viver exatamente isso que contei agora.

André teve espírito de músico e poeta e fez graça da sua própria situação. Ao chegar em casa com os pés inchados e cheios de bolhas depois de um baile onde calçava um par de sapatos novos que apertavam seus pés, mal sabia ele que estava compondo um dos choros mais executados dos todos os tempos.

Imortalizado em 1947 pela gravação de Pixinguinha ao sax tenor e Benedicto Lacerda na flauta, a música recebeu inúmeras outras gravações memoráveis, como  as duas de Altamiro Carrilho, uma do Regional do Canhoto, quatro de Abel Ferreira, dentre outras. Almirante, conhecido como a mais alta patente do rádio, comentou em certa ocasião que e chorinho de André Victor Corrêa tinha o privilégio de ser identificado por apenas uma nota, bastasse que Pixinguinha tocasse ao saxophone o mi grave que introduz a música para que todos reconhecessem que tratava-se do choro ‘André de sapato novo’, que tem esse mi no lugar das paradinhas que o compositor dava durante o baile para reconfortar-se das dores que sentia nos pés e ajeitar os dedinhos e calcanhares espremidos no novo calçado.

Foi assim que foi composta e depois executada por uma das maiores duplas de choro que o mundo já conheceu, Benedicto e Pixinguinha, ou Pixinguinha e Benedicto, o choro André de sapato novo.

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Author: imprensabr