S. Jorge fez aniversário dia 23 de abril, e Pixinguinha identifica seu nascimento pelas festas do santo guerreiro. Sim, esse que é Alfredo da Rocha Vianna Júnior no livro do cartório e em três ou quatro documentos obrigatórios, é simplesmente Pixinguinha, o autor da música mais executada na América e mais executada entre nós: “Carinhoso”. Houve muita festa na casa do artista, uma festa simples, cheia de gente amiga que foi vê-lo no terreiro de casa, como um pai de santo tirando sons de seu saxofone, em desafios com Benedicto Lacerda, em trejeitos mansos, e de vez em quando brindando S. Jorge, molhando a garganta. Êsse Pixinguinha é o que resta do Rio de ontem, do Rio mais romântico e menos rude na sua grandeza, e, era ele que varava essas madrugadas, espalhando gorjêios, trinados, livre como um passarinho. A serenata está morta, ninguém sabe por que, outros imaginam e afirmam coisas, mas a serenata está morta porque os outros do bando de Pixinguinha estão dormindo para sempre. Lembrando deles é que Pixinguinha vive e comemora êsse meio século a pretexto de aniversário, mas é uma festa de saudade. Todos estão hoje na casa de Pixinguinha e faltam apenas os que foram para longe. Falta Luís de Souza com seu pistão claro e liso para repetir “Clélia”, a valsa que ele fez apaixonado. Falta Juca Calluli com seu violão juntando acordes com o outro violão de Sátiro Bilhar. E Mário cavaquinho? Bomfiglio de Oliveira? Irineu de Almeida? João Pernambuco? Falta muita gente do seu tempo na festa que ele vai dar, mas há gente nova ainda batendo palmas à sua inspiração e ouvindo tôda aquela seqüência de choros que ele compõe facilmente. A festa durará todo o dia, varará a madrugada, entrará pelo sábado e até domingo, se os convidados não esmorecerem, porque era assim que ele e sua gente comemoravam os aniversários anteriores. Pixinguinha quer dizer “menino bom” como dizia a sua avó africana, e deve ter nesse apelido qualquer coisa de boa estrela, pois os amigos que ele têm, sendo assim tão simples, são tantos, que se justifica uma festa de três dias para que ele possa abraçar a todos. O terreiro foi iluminado, muquecas de peixe passaram na boca dos convivas, Pixinguinha cantou melodias no seu saxofone e não quis saber nem de longe de pegar numa flauta, e isso Benedicto Lacerda fêz por êle. Lá no canto, S. Jorge Guerreiro montado no cavalo matando o dragão e espiava Pixinguinha montado no saxofone matando a sede com um copo de “chopp” bem gelado. Pixinguinha fez cinquenta anos!
Revista O Cruzeiro, 5 de agosto de 1948.
Este conteúdo integra a série Pixinguinha 120 anos pelo olhar da imprensa brasileira.
Pesquisa | Leonor Bianchi, ed. Revista do Choro.