Leonor Bianchi
Sempre que lembramos das grandes cantoras brasileiras pensamos nas grandes divas do rádio, como Dolores Duran, Emilinha Borba, Dircinha Batista, Alaíde Costa… todas elas inspiradas, de uma forma ou de outra, em Carmen Miranda.
Mas… depois da ‘Era do rádio’ a música popular brasileira seguiu tendo importantes nomes femininos.
A pernambucana Dalva Torres, nascida em 1951, na cidade de Moreno, região metropolitana de Recife, onde faleceu em 2002, foi uma importante cantora de choro brasileira, compositora, arranjadora e instrumentista, mas quase não lembramos dela.
Relendo hoje cedo o livro ‘Os sorrisos do choro: uma jornada musical através de caminhos cruzados’, da flautista Julie koidin, publicado em 2011 pela Global Choro Music, reli a entrevista que pesquisadora norte-americana apaixonada por choro e pela cultura brasileira fez com a cantora Dalva Torres.
Dalva se destacou como cantora de choro no final dos anos de 1980 e pelos dez anos seguintes, uma década em que o choro praticamente já não era executado tampouco gravado comercialmente no Brasil. E Dalva não só arriscou a interpretar o gênero, como levou o choro para mundo à fora com sua voz.
Na rápida biografia de Dalva Torres apresentada antes da entrevista percebemos logo que se tratava de uma pessoa sensível, expressiva e apaixonada pelo choro.
Dalva Torres, que não fura nascida em família de músicos profissionais já tocava piano aos quatro anos de idade.
“Nasci num ambiente bem musical. Meu pai tocava instrumentos de sopro, de cordas e teclas. Era músico e arranjador, e minha mãe era professora de piano e cantava. Numa família de seis filhos sou a quinta. Os quatro irmãos são mais velhos que eu, aliás, muito mais velhos. Existe uma diferença de 10 anos entre eles e eu. Quando nasci ouvia muita música por intermédio dos meus pais e irmãos. O instrumento básico da família era o piano. Meus três irmãos tocavam piano, e aos quatro anos eu também já tocava. Para mim era muito fácil. Estudei piano clássico, mas hoje em dia já não toco mais. Que me lembre tem um tio que era músico, só que meu pai não era músico profissional; aprendeu música sozinho. Nós tínhamos um piano tipo armário, antigo, não me lembro a marca”, relembra Dalva, contando que a casa da família estava sempre cheia em função da música, e ela crescera observando os irmãos mais velhos tocando.
Dalva estudou harmonia jazzística, com o maestro Nenéu Liberalquino. Tem na bagagem também curso de harmonia avançada e arranjo musical com o professor Thales Silveira, pelo método da escora de Berklee.
O apadrinhamento de Canhoto da Paraíba
Mesmo que sempre tivesse em contato com o choro e a música popular brasileira Dalvan não era cantora profissional até se apresentar no Festival Pernambucano Música Hoje.
“Sempre gostei muito de música e o choro me fazia muito bem. O primeiro contato foi por intermédio do Canhoto da Paraíba, um violonista Canhoto, mas que tocava sem trocar a posição das cordas. Como compositor e intérprete ele tem um acervo muito grande de choros. Isso foi nos anos 70; eu tinha uns 20 anos nessa época e estava na faculdade”, contou a chorona, que mais adiante, ao longo da entrevista, comentou que seu íntimo contato com o choro foi por intermédio do canto.
Hermínio Bello de Carvalho escreveu letra para três músicas de Jacob do Bandolim, as quais ela aprendeu a interpretar muito rapidamente. Nessa época, final dos anos de 1970, Dalva conheceu Rossini Ferreira, e por intermédio dele a poetisa Ana Ivo. Ana escrevia as letras para as músicas de Rossini.
Na década de 1980, Dalva cantava todos os choros mais populares do repertório e tornou-se bastante conhecida, principalmente por cantar choros de compositores pernambucanos.
“A primeira vez que eu subi num palco foi para fazer um show cantando choro. Ainda não era profissional nessa época, trabalhava como funcionária pública. Fiz o curso de Direito na Universidade Federal de Pernambuco e era Auditora Fiscal do Trabalho”, disse Dalva.
Ao lado de Elizete Cardoso
Como não ser admiradora a grande intérprete Elizeth Cardoso que cantou belíssima Choros imortalizando o gênero para sempre com sua voz e sua amizade com os chorões?
Dalva Torres também era uma grande fã de Elizete com quem teve a oportunidade de dividir o palco em um espetáculo no Recife, em 1984.
“Eu já admirava e daí em diante nasceu uma grande amizade. Ela foi minha maior influência. Começou a vida artística por intermédio de Jacó do Bandolim aos 16 anos. Era uma pessoa e uma profissional brilhantes; merece todos os elogios. Para mim foi a maior cantora brasileira de todos os tempos. Era carioca e morreu em 1990. Se estivesse viva estaria fazendo 82 anos depois de amanhã, 16 de julho”, reverenciou Dalva.
Aposentada como funcionará pública federal passou a dedicar-me exclusivamente à música e por seis anos cantou, às sextas-feiras com grupo ‘Os quatro boêmios’.
Achei engraçada a resposta que Dalva deu quando Julie lhe perguntou se os cantores(as) brasileiros que estão fazendo sucesso agora conhecem choro:
“Marisa Monte sabe o que está fazendo. Caetano Veloso e Ney Matogrosso também já gravaram”.
Dalva se apresentou no Projeto Pixinguinha, dividiu o palco com Tetê Espíndola, Marlui Miranda, Hermínio Bello de Carvalho, Alaíde Costa, Dois de Ouro, Conjuntos Pernambucano de Choro, Rossini Ferreira, entre outros.
Apresentou-se várias vezes em Portugal, onde, em 1985, cantou com a Orquestra de Cordas Dedilhadas.
Em 1990, excursionou por 11 cidades brasileiras com Aldemar Paiva e o grupo de Canhoto da Paraíba e Ewerton Brandão Sarmento (Bozó) com o projeto ‘Cumplicidades’.
Gravou um disco sobre Ismael Silva, ‘Peço Bis’ (Funarte, 1985), e dois sobre o compositor pernambucano Antônio Maria: A noite é grande (Funarte, 1989) e Dalva Torres canta Antônio Maria – ao amor onde o amor foi demais (Independente, 2008).