Após 70 anos de sua morte e aos 150 de seu nascimento, Catulo da Paixão Cearense ganha nova biografia


Leonor Bianchi

Em 2016 são celebrados os 150 anos de Catulo da Paixão Cearense. Não poderia ser mais oportuno o momento para o lançamento de uma nova biografia sobre esta importante personagem da história da música e da cultura popular brasileira.  

A Revista do Choro conversou com Luiz Americo Lisboa Junior, autor do recém-lançado livro ‘Da modinha ao sertão: Vida e obra de Catulo da Paixão Cearense’.

Capa Catulo

“O ano era 2013, estava em minha casa quando o celular tocou, não reconheci a chamada, mas atendi assim mesmo, do outro lado da linha uma pessoa convidava-me para a Feira do Livro de São Luis, no Maranhão, a fim de proferir uma palestra sobre Catulo da Paixão Cearense, que naquele ano seria o homenageado.  Aceitei o desafio e embarquei para São Luiz. Mal sabia eu que muita coisa iria acontecer a partir daquela viajem. Cheguei à noite cansado e logo me disseram que eu teria que realizar a palestra na escola Lillah Lisboa, no dia seguinte, à tarde. Senti-me aliviado; poderia descansar um pouco. No horário marcado, às 16 horas, iniciei os trabalhos. Salão lotado e eu apreensivo, afinal falar sobre Catulo da Paixão Cearense em sua terra era muita responsabilidade, principalmente após perceber que na plateia tinham pessoas que sabiam muito da sua vida e obra. Foram duas horas de atividade. No final, percebi pelos aplausos que tinha conseguido.

Ao término fui convidado para conhecer melhor a Feira. Apresentaram-me a algumas pessoas e encaminharam-me para o stand da Academia Maranhense de Letras, onde conheci intelectuais e escritores brilhantes. Durante o bate papo o assunto principal, como não poderia deixar de ser, era Catulo e a minha palestra. Foi quando um dos acadêmicos, Sebastião Moreira Duarte, perguntou-me por que eu não escrevia a vida de Catulo; e o os outros apoiaram a ideia. Mais eu nunca havia escrito uma biografia, disse-lhes; não sei se teria capacidade para tanto, principalmente de um personagem tão rico e controverso. Meus argumentos não os convenceram. Ali naquele momento nasceu este livro.

Minha estada era de apenas dois dias; acabei ficando dez; conheci outras pessoas, que se tornaram grandes amigos. O Maranhão definitivamente entrava em minha vida, e eu ficava muito feliz por isso.

Retornei a Bahia e iniciei o trabalho. No ano seguinte, 2014, convidaram-me novamente para a Feira do Livro. Eu já me sentia mais seguro e a cobrança pelo trabalho crescia. O desafio era pesado, mas eu estava encarando e, acreditem se quiser, junto com o poeta, Catulo era uma presença constante e me inspirava. Em 2015, novo convite, agora estava completamente à vontade; não ia apenas para a Feira do Livro, ia também rever amigos e respirar o ar colonial e cosmopolita de São Luis.

Levei uma boa parte do texto pronto e todos puderam ver que o poeta estava renascendo, com suas contradições, vaidades, boêmias, mas acima de tudo com muito talento. Catulo saía do limbo em que se encontrava, retornava com uma biografia nascida no Maranhão, no fundo, foi ele que me levou para lá e conduziu-me até aqui.

Não fiz uma biografia romanceada, tratei de buscar as fontes que achava importantes. Catulo teve uma vida muito rica, mas nos deixou há 70 anos. Seus contemporâneos não existem mais; sua vida, portanto, estava adormecida em seus livros, arquivos, jornais antigos e em bibliotecas. Os textos que foram publicados após a sua morte romancearam muito sua história. Era preciso deixar o mito, a fantasia e buscar o seu cotidiano, inseri-lo no seu tempo histórico, compreendê-lo com todas as suas contradições, reconhecer seus méritos, mas não fechar os olhos a seus defeitos.

Achei mais pertinente iniciar seguindo os passos da sua família, principalmente do seu pai, Amâncio Jose da Paixão Cearense. Tarefa árdua, pois estamos falando de uma pessoa que nasceu antes da primeira metade do século XIX no sertão do Ceará e uma figura tão controversa quanto o filho famoso, mas fundamental para compreender a sua história.

Textos de jornais e livros são analisados dentro de seu contexto, a sua inserção se tornou necessária para entender como seus contemporâneos o viam, além das próprias opiniões de Catulo sobre música, política, literatura, seu trabalho, sua relação com os que o elogiavam, seus embates com os críticos, e sobre seu cotidiano profissional e doméstico.

A partir de 1905, todos os anos quando iniciados serão identificados, constituindo um subcapítulo dentro do capítulo, seguindo uma ordem cronológica. Considerei esse o método mais adequado para evitar repetições indicativas do ano no texto, não confundindo o leitor e situá-los melhor no espaço tempo dos acontecimentos. Desse modo, quem quiser pode consultar o livro por períodos que estão indicados nas aberturas dos capítulos, ou apenas no(s) ano(s) específico(s) de seu interesse.

Muitas surpresas são apresentadas ao leitor, como as verdadeiras datas de nascimento e da sua chegada ao Rio de Janeiro. Quanto a sua vida pessoal, apesar de seus muitos amores e de uma intensa vida boêmia, Catulo era reservado, não gostava de se expor, preservando os nomes de suas namoradas ou amantes, elogiava-as ou sofria as dores do amor através de poesia e após alguns dissabores, tornou-se um celibatário convicto. Portanto, como  não escrevo um romance, não considerei seus amores de alcova como algo relevante, priorizando desta maneira a sua obra e a grande importância que ela representa para a cultura brasileira.

O trabalho está agora sob o julgamento de vocês, leitores. Escrevi-o utilizando o método que achei mais adequado, espero que possam apreciá-lo e conhecer mais a fundo esse notável personagem de nossa história.

Como nada se faz sozinho, quero agradecer àqueles que me ajudaram e me apoiaram.

Ao ex-presidente, governador, senador e membro da Academia Brasileira de Letras, Jose Sarney, pelo belo prefácio que honra este trabalho; ao presidente da Academia Maranhense de Letras, Benedito Bogéa Buzar, pela atenção e acesso à biblioteca da Academia; Milton Lira, presidente da Associação dos Livreiros do Maranhão, cujo apoio foi fundamental para edição deste livro; Sebastião Moreira Duarte, professor e membro da Academia Maranhense de Letras, quem primeiro incentivou e se entusiasmou com este trabalho; Euges Lima, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, pelo apoio e divulgação; Antônio Guimarães de Oliveira, o mais importante escritor sobre a iconografia maranhense, pelas fotos de seu acervo; às funcionárias do Arquivo Público do Estado do Maranhão e da Biblioteca Pública Benedito Leite, no Maranhão, pela educação e paciência nas minhas constantes buscas em seus respectivos acervos; Jorge Murat e toda a equipe do Instituto Geia, pelo profissionalismo, cortesia e edição do livro;  Maria Luiza Castro Araujo, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, pela excelente revisão; Luiz Antônio Almeida, do Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro; Miguel Ângelo de Azevedo, Nirez, de Fortaleza, pela sabedoria, amizade e acesso ao seu acervo; Anna Naldi, chefe do Atendimento a Distância a Pesquisadores da Biblioteca Nacional e a todos os amigos que com suas palavras de incentivo deram-me força para concluí-lo.

A minha esposa Fatima, meus filhos Mateus e Ingrid, que souberam compreender meus momentos de reclusão durante a realização deste livro, e por fim ao Catulo da Paixão Cearense, cuja história muito me ensinou e emocionou, e, finalmente, a Deus, porque sem Ele nada na vida seria possível”, relata o autor. 

Leia a entrevista

Revista do Choro: No livro você defende a ideia de que Catulo seria um dos símbolos mais expressivos da cultura brasileira do século XX? Comente esta afirmativa.

Luiz Americo Lisboa Junior: Quando afirmo que Catulo foi um dos mais importantes poetas e músicos do Brasil, estou afirmando isso por ser ele o responsável pela reabilitação do violão tirando-o da condição de instrumento considerado de vadios e desocupados e levando-o a salões da elite musical brasileira no início do século XX, realizando um concerto em 5 de julho de 1908, no Instituto Nacional de Música a convite do seu diretor o maestro Alberto Nepomuceno. Catulo  foi também o primeiro letrista do choro e o principal responsável pela popularização da modinha entre o fim do século XIX e início do XX, sendo, também, seu mais importante letrista. Destaca-se também pelo fato de ter lançado o primeiro livro Meu sertão, em 1918, com poemas escritos em linguagem sertaneja.

Revista do Choro: A data do nascimento de Catulo é algo que sempre foi motivo de controvérsias entre críticos musicais e pesquisadores. Como você aborda isso em seu livro? Afinal, qual a data correta de seu nascimento?

Luiz Americo Lisboa Junior: Até a publicação de meu livro tinha-se como referência de nascimento de Catulo a data de 8 de outubro de 1863, apesar desta data ter sido contestada por Mozart de Araujo em 1963 quando se quis comemorar seu centenário, pois ele havia descoberto um outro registro de nascimento de 31 de janeiro de 1866, em seu nome. Catulo não desconhecia as duas datas, mas adotou a partir de 1921 a mais antiga quando precisou dos documentos para ingressar no serviço público, contudo, mantinha também dúvidas quanto ao seu nascimento, pois desconhecia o irmão homônimo. Tanto Mozart de Araujo, quanto Guimarães Martins, herdeiro de Catulo e outros amigos do poeta, especulavam sobre a existência de um irmão homônimo, mas não tinham como provar porque não conheciam sua certidão de óbito, pondo em dívida sua existência. Nas minhas pesquisas eu descobri esta certidão no arquivo Publico do Maranhão, e a reproduzo no livro. Portanto, temos pela primeira vez reunidas as três certidões, a do nascimento do primeiro Catulo ocorrida em 8/10/1863, seu óbito em 15/09/1865 e finalmente a do nascimento do poeta, musico e compositor ocorrida em 31/10/1866.  Lembrando que era praxe no século XIX os pais darem o mesmo nome de um filho falecido em tenra idade ao irmão caçula, foi o que ocorreu. Resolve-se, portanto, de modo definitivo o “mistério” sobre o nascimento de Catulo da Paixão Cearense.

Revista do Choro: Comente a escolha do ‘imortal’ (pelo fato de ser membro da Academia Brasileira de Letras) José Sarney para escrever o prefácio do livro. Essa escolha não poderia soar um pouco ‘polêmica’ em vistas de sua controversa figura política? 

Luiz Americo Lisboa Junior: Não vejo nenhuma polêmica em função do prefácio ser escrito por Jose Sarney. Foi uma sugestão da editora e eu aceitei. As pessoas tendem a confundir as coisas, misturar o político com o escritor, eu faço uma clara distinção nesse sentido. Posso não concordar com o político, mas não posso negar sua bagagem intelectual, nem sua íntima relação com a cultura de seu estado. Se o prefácio fosse escrito por FHC provavelmente seus desafetos políticos criticariam também, mas será que poderiam negar suas virtudes intelectuais?

Revista do Choro: O livro vem com um CD com 114 composições de Catulo. Que gravações encontramos no CD? Comente o conteúdo deste disco. 

Luiz Americo Lisboa Junior: As músicas encartadas no CD são as gravações originais do cancioneiro de Catulo gravadas em quase sua totalidade na Casa Edison do Rio de Janeiro, entre 1903 e 1927, e algumas outras realizadas na Odeon e na Columbia, entre 1927 e 1934. É o maior levantamento fonográfico/discográfico de sua obra já realizado.

Revista do Choro: Antes do seu livro, o que havia em nossa literatura sobre a vida de Catulo?

Luiz Americo Lisboa Junior: De Catulo foram publicadas três biografias: a primeira ,de Murilo Araújo, em 1949, trata-se praticamente de um romance, não confiável como fonte; a outra foi a de Carlos Maul, publicada em 1970, rica em informações, mas profundamente parcial na sua análise e com pouca base documental, e a última, a de Haroldo Costa, de 2009, praticamente um resumo das duas anteriores.

Revista do Choro: Quanto tempo durou a pesquisa que deu origem ao livro?

Luiz Americo Lisboa Junior: Foram mais de três anos de intensa pesquisa em arquivos públicos e privados, além de meu próprio acervo.

Revista do Choro: O que você destaca nessa pesquisa?

Luiz Americo Lisboa Junior: O livro baseia-se totalmente em documentos, não há suposições acerca dos fatos narrados. Catulo teve uma vida intensa desde o Império, passando pela República Velha, Revolução de 1930, até o fim do Estado Novo. Participou intensamente da vida musical, literária, radiofônica e teatral do país. Atuou como convidado nas exposições do Centenário da Abertura dos Portos, em 1908, e na do Centenário da Independência, em 1922.

Privou da intimidade dos maiores intelectuais de seu tempo, teve atuação política, foi amigo intimo de Hermes da Fonseca; opositor de Ruy Barbosa, apesar de ambos se respeitarem intelectualmente; apoiou a Revolução de 1930 e o Estado Novo, tendo, inclusive dedicado um de seus livros, ‘Oração à bandeira’ publicado pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a Filinto Muller. Uma vida riquíssima, um personagem polêmico e genial, que precisava ser mostrada sem retoques, mas em detalhes, focalizando suas virtudes e seus defeitos como homem e como artista.

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Author: imprensabr