Por Leonor Bianchi
Ernesto Nazareth (1863-1934), um dos pianistas mais populares do Brasil, acaba de ganhar um presente à altura da façanha que foi sua obra, considerada genial para estudiosos da música brasileira: a gravação de todas as suas composições pela pianista Maria Teresa Madeira. O resultado do projeto ‘Integral’ deu origem a uma caixa com 12 cds contendo 215 músicas; todas as composições de Ernesto Nazareth. Uma feita grandiosa, que exigiu quatro anos de pesquisas e muita dedicação de seus proponentes. Dentre 393 projetos, o Integral foi aprovado e venceu a edição 2012 do Prêmio de Música Brasileira, da Fundação Nacional de Artes (Funarte).
As gravações dos CDs aconteceram entre abril de 2014 e junho de 2015. Durante esse período, Maria Teresa debruçou-se sobre a leitura das partituras de Nazareth com o objetivo de observar detalhadamente cada uma delas. Seu intuito com este trabalho minucioso era dar o máximo de cuidado, em sua interpretação, ao registro de todas as repetições sugeridas por Nazareth em suas partituras. Pode parecer natural fazer isso, mas não é, como conta a pianista. Muitos que interpretam a obra de Nazareth esquecem de observar ou simplesmente não consideram essas repetições.
– Tentei ser o mais fiel possível à partitura, obedecendo todas as repetições feitas pelo autor, e também usar minha experiência com este repertório para fazer um registro estético de época que tivesse uma coerência musical para registrar uma obra integral e não somente um cd ou um apanhado de obras, conta Maria Teresa.
Por se tratar da gravação da obra integral de Nazareth, a caixa tem todos choros do compositor, muitos chamados naquele tempo de maxixe, tango brasileiro e polca.
– Na verdade, as únicas obras que ele chama de choro na partitura são: “Janota” (1926) e “Cavaquinho, por que choras” (1928), que são obras mais do final da sua vida. “Feitiço não mata”, de 1929, ele mesmo chamou de “Chorinho Carioca”. Nas primeiras composições a polca prevalece, mas já no final do século 19 vemos o tango brasileiro começando a dominar boa parte de suas criações, com características tão semelhantes ao choro, que fica difícil fazer uma distinção muito precisa. Vale citar “Dengoso” (1907), que ele chamou de maxixe. Mas sabemos que polca, tango brasileiro e choro foram se fundindo e se completando na sua linguagem pianística. Aliás, nenhum outro compositor conseguiu fazer essa fusão com tanta maestria. Como exemplo disso, cito os tangos brasileiros: Brejeiro, Odeon, Tenebroso, Travesso, Reboliço Fon-fon e tantos outros…., considerados clássicos do repertório dos chorões, diz Maria Teresa.
Durante a pesquisa que realizou para fazer as gravações de todas as músicas de Nazareth, a pianista recorreu a diversas fontes:
– Pesquisei conteúdo no site www.ernestonazareth150anos.com.br, no site Música Brasilis, e também trabalhei com as partituras que eu já tinha em casa das editoras Fermata, Arthur Napoleão e uma integral que foi patrocinada pela Petrobras. Algumas tive acesso ao manuscrito através do Instituto Moreira Salles com a supervisão do pesquisador e pianista Alexandre Dias, que escreveu o texto e me deu assessoria, diz Maria Teresa.
O piano usado nas gravações foi o da própria pianista, que gravou tudo em seu estúdio, com direção técnica do marido Marcio Dorneles, que gravou, editou, mixou e masterizou todas as 215 faixas.
– Nas gravações usei o piano Yamaha g2 que tenho em meu estúdio, o Laranjeiras Records (www.facebook.com/laranjeirasrecords) tendo meu marido Marcio Dorneles como técnico responsável, conta Maria Teresa.
– Na época das gravações da integral, escrevi tudo num caderno: o que eu estudava, quando estudava, quanto tempo estudava, e anotava também o que estava pronto pra gravar, o que estava quase pronto e quais as partes da música que teria que estudar mais. Também anotava cada dia de gravação e o conteúdo do que tinha sido gravado. E, assim, gravei, num período de 14 meses, as 215 obras de Nazareth. Antes desse processo separei as partituras, fui lendo estudando e organizando uma sequência do que gravar primeiro. Antes disso testei com meu marido o posicionamento dos microfones, que microfones, que pré-amplificadores usar e também a sonoridade ideal que gostaríamos de ter durante todas as gravações. Ou seja, fixamos um padrão que nos agradasse de todas as formas, explica a pianista.
O projeto gráfico da caixa dos CDs foi desenvolvido pela Flamba, com coordenação do experiente Wandei Braga (organizador do site Chiquinha Gonzaga e de vários projetos ligados à maestrina) e Cintia Coelho. Os textos que integram o encarte da caixa de cds foram feitos pelo pianista e pesquisador da obra de Nazareth, Alexandre Dias.
– A Flamba, de Brasília, fez o projeto, que foi encabeçado pelo Wandrei Braga e pela Cintia Coelho. Ficou exatamente como eu imaginava: um resultado bonito, sóbrio e chique, que faz jus ao conteúdo musical. O piano da frente do box pertenceu a Nazareth e está exposto no Museu da Imagem e do Som, e todas as fotos são do craque Márcio Monteiro, ressalta a pianista Maria Teresa Madeira.
A caixa com a obra Integral de Ernesto Nazaret foi lançada com mil cópias, mas segundo Maria Teresa os produtores já pensam fazer mais discos. A caixa está disponível em www.mariateresamadeira.com.br e no site da distribuidora Mills Records, também para download.
Um encantamento antigo…
A relação de Maria Teresa Madeira com a obra de Ernesto Nazareth não é de hoje. Ela já gravou três discos dedicados ao compositor e mantém esse repertório em seus concertos e excursões.
– Nazareth entrou na minha vida no começo da adolescência. Ouvi A Cor do Som tocar ‘Brejeiro’, e também no programa 0 ou 800 ouvi Eudóxia de Barros responder sobre Nazareth na TV, muitas vezes tocando também, e depois disso tive contato com os LPs que o Arthur Moreira Lima gravou e também com um disco de Roberto Szidon com repertório brasileiro (selo Kuarup).
Nazareth tem uma linguagem pianística muito sedutora, pois mistura influências variadas transformando a música prazerosa de ser tocada, apesar de muitas vezes apresentar grandes desafios para o intérprete. Cedo me apaixonei por “Brejeiro”, “Batuque”, “Confidências”, “Escorregando” e “Fon-fon”, e, desde então, as descobertas não acabaram nunca mais e as surpresas também. E a paixão só aumentou… (risos)….
O primeiro CD que gravei com composições de Nazareth foi o “Sempre Nazareth”, com Pedro Amorim e participação especial de Oscar Bolão, lançado pela Kuarup, em 1998. Os dois outros discos “Ernesto Nazareth” (volumes 1 e 2) foram lançados pela Sonhos e Sons (www.sonhosesons.com.br) (coleção Mestres Brasileiros), em 2003. Um desses cds foi finalista ao Grammy Latino de Música Clássica, o que muito me honrou!!!, destaca Maria Teresa Madeira.
Próximos espetáculos de lançamento
Em fase de lançamento, a caixa com a obra Integral de Ernesto Nazareth interpretada pela pianista Maria Teresa Madeira já foi apresentado em um recital no Rio, na Sala Cecília Meireles, no final de abril, e em Brasília, em maio, no Clube do Choro. Em junho a turnê de lançamento segue no Espírito Santo, dia 3, no Teatro do Centro Cultural Sesc Glória, e no Rio de Janeiro, onde Maria Teresa Madeira fará apresentações na Casa do Choro, dias 15 e 16.