Composições do cavaquinista integram dois volumes da série “Clássicos do Choro Brasileiro – Você é o Solista!”, que na última década lançou 27 álbuns deste gênero com grandes referências do choro
Leonor Bianchi
Conhecida pela publicação dos seus famosos songbooks, que já contemplaram muitos chorões, como Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Severino Araújo, Benedicto Lacerda entre muitos outros, a editora Choro Music lançou, em dezembro último, seu novo songbook playalong da série “Clássicos do Choro Brasileiro – Você é o Solista!” com composições do cavaquinista Waldir Azevedo, personagem importante na historiografia do Choro, que neste 27 de janeiro faria 94 anos. Waldir faleceu em 1980 deixando um enorme legado para a música popular brasileira, e com este projeto sua obra se torna atual, viva e mais próxima das novas gerações.
Daniel Dalarossa, fundador da Choro Music, flautista e produtor de muitos dos produtos da empresa, inclusive do songbook-lançamento com Waldir Azevedo, falou à Revista do Choro sobre a produção do novo projeto, que marca os dez anos de produção dos já tradicionais songbooks playalong da editora.
Revista do Choro: A editora Choro Music tem tradição em publicar songbooks com compositores que se dedicaram a diferentes instrumentos, sempre voltados ao choro. Trata-se da ‘série “Clássicos do Choro Brasileiro – Você é o Solista!’ Quantos songbooks vocês já publicaram até este último com obras do cavaquinista Waldir Azevedo?
Daniel Dalarossa: Começamos em 2007, então são 10 anos produzindo songbooks playalong para choro. Já produzimos 25 songbooks dos principais compositores do choro de nossa história, e, agora, no final de 2016, lançamos dois volumes de Waldir Azevedo, completando então 27 songbooks.
Revista do Choro: O que você quis mostrar sobre Waldir com este projeto?
Daniel Dalarossa: Como em todos os projetos que produzimos, o objetivo é mostrar a vida do compositor através de suas obras. Isso sempre é um desafio, porque temos a restrição de 12 músicas por CD. É verdade que sempre incluímos uma pequena biografia do compositor e comentamos sobre sua relevância na história da música brasileira, mas a ideia é sempre selecionar as músicas do seu repertório que foram mais relevantes. Não foi diferente agora com os songbooks do Waldir Azevedo.
Revista do Choro: Como foi a seleção do repertório que o songbook traz?
Daniel Dalarossa: A ideia da produção do songbook de Waldir Azevedo apareceu em 2008, quando começamos receber solicitações do público, após o lançamento de dois volumes de Ernesto Nazareth. Eu não me senti motivado em produzir na época, porque a editora Todamerica, detentora da maioria das obras importantes de Waldir Azevedo, já tinha um songbook no mercado (embora não playalong).
O tempo passou, produzimos uma série de songbooks de compositores importantes e em 2015, em contato com o cavaquinista de São Paulo Felipe Dourado, decidi iniciar o projeto.
Assim como Jacob de Bandolim, decidi fazer dois volumes para Waldir Azevedo e o repertório eu já havia definido anos antes (assim como tenho definido neste instante o repertório de vários songbooks que pretendo produzir no futuro de outros compositores), mas aqui a participação do Filipe Dourado foi fundamental. Ele sugeriu a entrada de músicas como Lamento de um Cavaquinho, Contraste, Eterna Melodia, Mirian, Chorinho Antigo, Flor do Cerrado e Quitandinha, que não poderiam mesmo ficar de fora.
As demais músicas já faziam parte do meu repertório e acabei incluindo Amigos do Samba e Paulistinha a partir de pesquisa no site do Instituto Moreira Sales.
Revista do Choro: Quem foram os instrumentistas que você convidou para participar do CD?
Daniel Dalarossa: Israel Bueno da Silva, o Israel 7-cordas, e Arnaldinho do Cavaco, que haviam gravado conosco Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, anos antes. Getulio Ribeiro, no cavaco. Adriano Busko, na percussão. Aqui um detalhe: eu fui atrás de um percussionista que não somente fosse craque no pandeiro, mas que também pudesse fazer outros instrumentos como zabumba, triangulo e principalmente o aro de bateria, que marca registrada do Waldir Azevedo em suas gravações na década de 1970. O Adriano Busko preencheu perfeitamente essa posição. Filipe Dourado, no cavaco, teve participação muito importante gravando a maioria dos solos de cavaco, dois choros no cavaco centro e participando da transcrição de harmonia, melodia e revisão do songbook, além da ajuda na definição do repertório, como comentado anteriormente.
Destaco também Italo Peron, no violão de 6 cordas, que foi absolutamente crucial na produção deste songbook. O Italo fez a transcrição dos baixos e a revisão musical do songbook como um todo, com absoluto zelo e atenção aos detalhes que são tradicionais do trabalho dele (o Italo tem trabalhado comigo na revisão musical de outros songbooks desde 2010). Um outro detalhe a destacar do Italo foi sua dedicação em fazer o Brasileirinho o mais perto possível da gravação original.
Logo após a gravação da base do Brasileirinho, eu comentei que tinha intenção de gravar os contracantos do violão do Jorge Santos, que para mim fazem toda a diferença neste choro. O Italo topou o desafio. Foi para casa estudar, e na semana seguinte voltou ao estúdio com todas as frases desse contracanto ensaiadas. Ele acabou gravando num violão com cordas de aço. Todas as frases desse contracanto ele depois transcreveu e incluímos em nossas partituras.
Revista do Choro: Que músicas eles tocam?
Daniel Dalarossa: Israel Bueno, Italo Peron e Adriano Busko estão em todas as bases dos dois songbooks. Arnaldinho do Cavaco fez o cavaco centro do volume 1, e Getulio Ribeiro fez o cavaco centro do volume 2. FIlipe Dourado fez um cavaco centro no volume 1 e um no volume 2.
A lista dos solistas está a seguir:
VOLUME 1
Amigos do Samba
Getulio Ribeiro (cavaquinho)
Carioquinha
Filipe Dourado (cavaquinho)
Cavaquinho Seresteiro
Daniel Dalarossa (flute) and Filipe Dourado (cavaquinho)
Chiquita
Filipe Dourado (cavaquinho)
Chorinho Antigo
Daniel Dalarossa (flute)
Frevo da Lira
Daniel Dalarossa (flute)
Lamento de um Cavaquinho
Getulio Ribeiro (cavaquinho)
Minhas Mãos, Meu Cavaquinho
Arnaldinho do Cavaco (cavaquinho)
Paulistinha
Filipe Dourado (cavaquinho)
Pedacinhos do Céu
Getulio Ribeiro (cavaquinho)
Quitandinha
Daniel Dalarossa (flute)
Vê Se Gostas
Filipe Dourado (cavaquinho)
VOLUME 2
Brasileirinho
Daniel Dalarossa (flute)
Camundongo
Arnaldinho do Cavaco (cavaquinho)
Choro Novo em Dó
Filipe Dourado (cavaquinho)
Cinema Mudo
Daniel Dalarossa (flute) and Filipe Dourado (cavaquinho)
Contraste
Getulio Ribeiro (cavaquinho)
Delicado
Filipe Dourado (cavaquinho)
Eterna Melodia
Getulio Ribeiro (cavaquinho)
Flor do Cerrado
Daniel Dalarossa (flute)
Lembrando Chopin
Filipe Dourado (cavaquinho)
Mírian
Filipe Dourado (cavaquinho)
Sem Pretensões
Filipe Dourado (cavaquinho)
Uma Saudade
Filipe Dourado (cavaquinho)
Revista do Choro: E a sua participação no cd?
Daniel Dalarossa: Eu fiz algumas músicas na flauta (listadas acima). Em especial, resolvi gravar o Brasileirinho em dueto de flautas, que é um sonho antigo que vem da infância.
Em todos os songbooks que produzo eu procuro colocar outros instrumentos, não somente o original do compositor, principalmente a flauta. Foi assim também com os songbooks do Jacob do Bandolim (que colocamos também clarinete e sax), Severino Araujo e outros.
Revista do Choro: Waldir Azevedo completaria 94 anos neste 27 de janeiro. Foi, é um compositor que a ‘nova geração’ de estudantes de música e de choro não conheceu, não viu no palco. O lançamento deste songbook com suas musicas traz à tona sua obra e acende o universo de suas composições para as novas gerações. Como você avalia esse ‘movimento’?
Daniel Dalarossa: Eu me sinto muito privilegiado em poder produzir os songbooks da Choro Music. Minha intenção, desde o começo, quando fundei a gravadora e editora, em 2007, foi de poder deixar registrado para a geração atual e futuras as principais composições do choro brasileiro, de forma que qualquer músico, amador, estudante ou profissional, possa tocar junto. Esse é o princípio do “playalong”, um conceito que descobri em 1995 morando aqui nos Estados Unidos.
Em particular, dois de nossos songbooks foram muito marcantes para mim: Altamiro Carrilho e Severino Araujo. A produção desses songbooks foi feita com a participação desses artistas consagrados enquanto vivos. Altamiro Carrilho inclusive gravou dois choros e conduziu a gravação dos demais em estúdio. Severino Araujo gerou, com o próprio punho, aos 90 anos de idade, todos os choros do songbook, que publicamos como encarte no livro.
Nossos songbooks têm ajudado milhares de músicos pelo mundo a descobrir o choro, inclusive em nosso próprio país. Tenho visto inúmeros vídeos no Youtube de jovens no Brasil tocando choro com nossos playbacks. Fico muito feliz em poder contribuir para o desenvolvimento do choro, em especial entre os jovens.
‘Lá fora’ sabemos que a cultura dos songbooks é muito comum, mas e aqui no Brasil, o brasileiro curte songbooks? Como você avalia o uso deste ‘método’ de suporte para o músico brasileiro que deseja estudar e se aperfeiçoar?
Daniel Dalarossa: Como comentei, descobri esse conceito de playalong em 1995 aqui nos EUA. Eu me deparei com songbooks impressos com partituras e um CD contendo solos e playbacks das músicas. Fiquei maravilhado e comprei tudo que tinha disponível para flauta clássica. Quando acabou o repertório para flauta, comprei para violino, e depois para oboé … mais tarde descobri que havia playalong para Bossa Nova. Comprei tudo … Sou um apaixonado por playalongs… Foi óbvio para mim que sempre toquei choro, me perguntar “por que não se faz nada de playalong para choro?”.
Em 2007 decidi abrir a Choro Music e me dedicar à causa da música instrumental brasileira, principalmente o choro, produzindo songbooks que permitam que as pessoas tenham sempre um regional de choro da mais alta qualidade em suas casas e possam tocar junto quando quiserem. É um excelente material para estudo e divertimento.