O violão de sete cordas no choro – com Ricardo Vieira


Leonor Bianchi

Consultoria de Fernando Dalcin*

Depois da série Sete vidas em sete cordas, dirigida por Pablo Francischelli​, com curadoria e apresentação de Yamandu Costa​ (produção do Canal Brasil​), lançada ano passado contando a história do instrumento e revelando a tradição e a escola do 7 cordas em várias gerações de instrumentistas de diferentes estados e regiões do Brasil, nunca se viu tantos jovens estudando o instrumento.

Essa ‘febre’, moda, volta no tempo em torno do violão de sete cordas não parece ser à toa. Com a difusão e até mesmo popularização do choro e das oficinas de choro no Brasil, nos últimos 10, 15 anos, a linguagem do gênero tem se difundido mais entre a juventude, que está descobrindo o instrumento antes mesmo de ‘pegar’ no seis cordas, como recomenda um dos maiores violonistas de sete cordas e de choro da atualidade, Maurício Carrilho. Não à Revista do Choro, mas em diversas entrevistas que já li suas, o coordenador e um dos fundadores da Escola Portátil de Música (EPM) afirma que o sete cordas hoje é a escolha de 2/3 dos estudantes de violão da EPM, que antes tinha 1/3 de interessados no instrumento. Carrilho diz que a garotada nova que chega no sete cordas já quer logo fazer baixarias e frases e sem conhecer fundamento harmônico e rítmico, cria baixarias e frases em momentos inoportunos, deformando a proposta do choro e do samba. Ele considera que sem o fundamento harmônico e rítmico de quem passou pelo violão de seis cordas fica difícil se desenvolver bem no sete cordas. Segundo ele a EPM não tem curso de sete cordas especificamente, mas sim de violão, pois ele acredita que os alunos, futuros violonistas, precisam conhecer bem duas coisas fundamentais para o domínio do instrumento: harmonia e ritmo – que são a base do violão de seis cordas -; e contraponto, que seria o fundamento do sete cordas.

Atendendo aos muitos pedidos de leitores e instrumentistas que se dedicam ao violão de sete cordas, a Revista do Choro conversou com alguns dos maiores violonistas de sete cordas do momento para saber mais sobre como eles usam o instrumento, sobretudo no choro.

Entrevistamos o pesquisador e violonista sergipano Ricardo Vieira​, que abre série ‘O violão de sete cordas no choro’ apresentando um pouco da história do violão de sete cordas, suas origens, chegada ao Brasil e incorporação ao choro. O instrumentista falou sobre suas referências no sete cordas, sobre como ele ‘prepara’ baixarias e o uso da sétima corda no choro.

Toda primeira quarta-feira do mês você ainda lerá entrevistas com a violonista do grupo Choro Das Três​, Lia Meyer Ferreira​; Edmilson Capelupi​, professor, arranjador, grande violonista de sete cordas e músico extremamente respeitado no ambiente do choro, com o mestre Escola de Choro e Cidadania Luizinho Sete Cordas​, que há alguns anos coordena uma escola de choro vinculada ao Clube do Choro de Santos​, em São Paulo, e finalizando a série, uma entrevista com Rogério Caetano​, muito conhecido no meio do samba por integrar a banda de Zeca Pagodinho​, mas exímio sete cordas de choro e criador de um método para sete cordas lançado recentemente com prefácio de outro importante violonista brasileiro; Marco Pereira​.

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*Músico, professor de música, bandolinista, integra o Quinteto Fernando Dalcin, que recentemente lançou uma música inédita de Jacob do bandolim chamada Domingueira. Vejam o vídeo da música clicando aqui

O violonista Ricardo Vieira

O violonista Ricardo Vieira

Qual a origem do violão de sete cordas e como ele chegou ao Brasil e foi introduzido ao choro?

Ricardo Vieira: Uma origem Russa? Afinal, de onde vem o 7 cordas? Sim, de fato, tudo indica que um dos instrumentos mais emblemáticos da história da música genuinamente brasileira, o violão de 7 cordas, tem suas raízes matriciais na Rússia. Porém, esta “novidade” organológica ganhou no Brasil uma linguagem, técnica e sonoridade singulares ao longo de sua história. Das rodas de choro até as salas de concerto, tem deixado um rico e vivo legado através de seus representantes.

De fato, não há comprovação documental que indique com precisão a data ou o responsável por esta importante alteração organológica do violão. Por ter sido o primeiro a transcrever obras de Robert de Visée para uma guitarra de sete cordas, tem-se atribuído a criação deste instrumento a Napoleão Coste (1806-1888), porém, alguns pesquisadores creditam ao Andrey Osipovich Sikhra (1771-1850) o status de criador e responsável pela tradição do violão russo de sete cordas. A popularização desse instrumento na Rússia se consagrou pela grande produção de material didático, arranjos, transcrições, composições originais e concertos por Sikhra entre 1790 e 1850 (ZENEV, 2012). Apesar de ser afinada em Sol aberto (D,B,G,D,B,G,D), a guitarra russa de sete cordas é quem mais se aproxima das características organológicas do violão de sete cordas popularizado no Brasil, principalmente devido à utilização de cordas simples, e não duplas como aquele encontrado na Espanha e França naquele período.

São muitas as tentativas de explicar como o violão de sete cordas entrou na cultura musical brasileira. Segundo depoimento de Pixinguinha acredita-se que alguns ciganos russos que frequentavam a casa da matriarca baiana Tia Ciata poderiam ter sido o elo do instrumento com a cultura brasileira (LIMA, 2006). Dentre as várias e contrastantes hipóteses, acredita-se que esse violão possa ter sido inserido no Brasil por Arthur de Souza Nascimento (Tute) e Otávio Littleton da Rocha Viana (China) – os pioneiros na utilização do Sete Cordas em acompanhamentos de choro, respectivamente nos grupos ou regionais Choro Carioca e Os Oito Batutas nos primeiros anos do século XX (PELLEGRINI, 2005).

Além de ter sido consagrado no choro pelo acompanhamento e pelas baixarias contrapontísticas de China, Tute, Dino Sete-Cordas e Donga; o violão sete cordas teve o seu lado solístico apresentado singularmente por Raphael Rabello na segunda metade do século XX (BORGES, 2008), e atualmente tem representantes de sua linguagem no choro nos quatro cantos do Brasil.

No choro, quais os violonistas de sete cordas mais o influenciaram/ influenciam?

Ricardo Vieira: Dino 7 Cordas, Valter Silva e Raphael Rabello.

Se tivesse que citar três violonistas de 7 cordas que deixaram seu trabalho, sua marca ao instrumento na história do choro e do próprio 7 cordas (no choro), que nomes seriam estes?

Ricardo Vieira: Dino 7 Cordas pelo estabelecimento de uma linguagem original (no choro),  Valter 7 Cordas pela sua intensa atividade e contribuição na perpetuação desta linguagem. Raphael Rabello por estabelecer novos rumos nos âmbitos da organologia, técnica e linguagem, onde a partir do qual a própria função do 7 cordas no choro foi reformulada.

Como você pensa as baixarias na hora em que escuta uma harmonia pronta numa gravação? Você pensa em alguma referência violonística; tem um padrão que sempre usa; um ‘banco de dados de baixarias’ em sua cabeça?

Ricardo Vieira: Tudo depende do clima e energia do momento. Penso nas baixarias de formas distintas a depender do contexto musical. Quando em rodas de choro e gigs com formações instrumentais não tradicionais, não deixo de lançar mão dos clássicos fraseados cuja linguagem nos foi presenteada por Dino 7 Cordas. Em ambiente de gravação, procuro explorar outras possibilidades, sonoridades, timbres, em fraseados que se apoiam na harmonia funcional moderna. Não penso em padrões, sobretudo quando em formações instrumentais não tradicionais. Sempre penso em “comunicar algo” como produtos daquilo que sinto no momento em que toco. Neste contexto, escalas diatônicas e/ou exóticas, arpejos e todo conteúdo teórico constituem apenas ferramentas à disposição para criar fomentar as baixarias e linhas harmônicas de acompanhamento.

A troca da sétima corda é um ritual que varia de instrumentista para instrumentista; e também do trabalho que se pretende fazer, gravar… enfim…  Alguns instrumentistas trocam a sétima corda semanalmente. E vc, qual a sua prática?

Ricardo Vieira:                 Costumo trocar a 7ª cordas a cada dois meses. De fato, em caso de gravações com datas pre-definidas, costumo trocar com quinze dias de antecedência pois tenho apreço pelo timbre mais aveludado do violão.

O som da sétima corda melhora com o tempo de uso da mesma?

Ricardo Vieira: Sim, de fato, na minha vivência, percebo que a 7 corda (assim como os outros bordões) recém colocada apresenta um timbre relativamente áspero, particularmente gosto mais dos timbre mais “aveludado” que a 7ª corda apresenta em sua meia vida (depois do primeiro mês de uso no meu caso). Vale ressaltar que uso tensão 0,56 mm em nylon.

Recomende aos estudante de sete cordas uma ibliografia básica sobre o 7 cordas (no choro)

Ricardo Vieira: Podemos dividir as publicações sobre o violão de sete cordas em duas vertentes: Didática, Performance e Acadêmica.

DIDÁTICA:

A bibliografia básica sobre o sete cordas no âmbito didático abrange a metodologia de ensino voltado basicamente para o violão de acompanhamento na pratica do choro. O primeiro nome que vem à mente é Marco Bertáglia com o livro “O violão de 7 cordas” onde apresenta ao iniciante nos caminhos do choro e do sete cordas. Traz vários exercícios de escalas e arpejos – ferramentas fundamentais para o desenvolvimento das baixarias, bem como desenho de acordes e cifras musicais.

Em seguida destacamos o autor Luis Otávio Braga com o livro também intitulado “O violão de 7 cordas”, divido em 3 partes, apresenta ao leitor a linguagem das danças ligadas ao choro (maxixe, polca, etc…), aspectos teóricos-práticos (escalas, condução dos baixos, etc…) e repertório com transcrições de alguns dos mais idiomáticos e conhecidos  temas tais como Doce de Coco (Jacob do Bandolim) e Ingênuo (Pixinguinha), dentre outros.

A mais recente publicação do tipo é de autoria de Rogério Caetano e Marco Pereira, intitulado “Sete Cordas Técnica e Estilo”, direcionado para o músico que domina as ferramentas da estruturação musical (leitura musical, harmonia funcional, etc…), o livro traz um compendio de frases (baixarias) sobre diversas possibilidades harmônicas presentes no repertório do choro, apresentando claramente uma linguagem contemporânea da raiz criada pelo nosso querido e eterno Dino Sete Cordas.

Há também publicações no âmbito didático produzidas por profissionais que oferecem cursos on line, tal como o recente curso on line de 7 Cordas oferecido pelo violonista Gian Correa. Estas constituem apostilas disponibilizadas em formato digital e abrangem diversos âmbitos da linguagem e da técnica do violão de 7 cordas.

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Author: imprensabr