Leonor Bianchi
Criando um paralelo com a máxima do cineasta Glauber Rocha – uma câmera na mão e uma ideia na cabeça -, o mineiro Lucas Rezende nos conta que começou a gravar o documentário Waldir Azevedo – um brasileirinho, praticamente assim, com “uma câmera na mão e um Cavaquinho na cabeça”; e os recursos eram todos próprios. O ano era 2008, mas foi em 2009 que ele iniciou a captação das imagens do longa-metragem que ficou na lata até este ano, quando voltará a ser gravado.
O cineasta já tem muito material gravado, mas diz que desta primeira parte poucas horas do filme já foram editadas. O longa-metragem ainda não tem data para ser finalizado e lançado, mas o diretor pensa alto e quer distribuir a fita além dos circuitos de mostras e festivais; quer exibir o doc. no circuito comercial também.
“A primeira parte está ainda com pouca edição. Como não tínhamos garantia de poder seguir com o projeto e eu já tinha colocado muita grana pessoal nele, suspendi isso. Foi gravado em HDV, parte está em formato digital já. A segunda parte será toda já em material digital. O projeto começou, inicialmente, em 2008. As gravações foram em 2009, a ideia era que ele tivesse saído em 2010. De lá pra cá, pouco mexi nessas coisas.
A ideia é que o filme tenha em torno de 90 minutos, ou seja, é um longa. Além das mostras e festivais, se conseguirmos investimento para a distribuição comercial, que é o nosso objetivo para poder maximizar o alcance do público, entraremos nessa sim”, conta o cientista político que toca cavaquinho e estudou cinema”, conta Rezende.
“Sou cientista político, atualmente coordeno o curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Sou de BH, mas sempre curti o chorinho. O Waldir apareceu na minha vida através do Canhotinho, meu mestre no cavaquinho. Há alguns anos, pelo Canhotinho, fiquei conhecendo o Marco Antonio Bernardo, outro grande amigo, que é o biógrafo do Waldir. Como eu toco cavaquinho e estava, à época, estudando cinema, resolvi fazer esse documentário sobre o Waldir. A ideia era mesmo ajudar a fazer o público de hoje conhecer esse que, por certo, é um dos maiores músicos que o país já teve. A biografia escrita pelo Marco Bernardo foi um importante guia inicial, mas o documentário é centrado nos depoimentos mesmo” conta Lucas.
Marco Bernardo, Canhotinho, Sérgio Rosa, Izaías e seus Chorões e Yamandú Costa são alguns músicos que estão no filme
Em busca de conteúdo para seu filme e, mais do que isso, da memória de pessoas que conviveram, tocaram e foram influenciadas pela obra de Waldir Azevedo, Lucas Rezende precisou viajar para encontrar e conversar com músicos importantes da cena do choro.
“À época, cheguei a realizar entrevistas no Rio e em São Paulo. Entrevistei o Marco Bernardo (biógrafo do Waldir e um importante pianista de choro), o Canhotinho, o Sérgio Rosa (dos Demônios da Garoa), o Altamiro Carrilho, o grupo Izaías e seus Chorões, o Yamandú Costa, o Caçulinha e o radialista João Tomás do Amaral (que tem o programa Chorinho Brasil, na rádio Boa Nova).
Daí seguimos para o Rio. Lá, gravamos com a Ademilde Fonseca, Beth Carvalho, Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Moraes Moreira e com o Helio do Souto (dono da loja Ao Bandolim de Ouro, e que fazia os cavacos “Do Souto”, que o Waldir usava). Entrevistamos também o Ricardo Cravo Albim e o Sergio Cabral, importantes nomes da historiografia da nossa música, e Henrique Cazes, referência do cavaquinho no Rio de Janeiro e um dos seguidores do caminho aberto pelo Waldir”, enumera Lucas Rezende.
Olinda, viúva de Waldir, foi uma grande colaboradora, mas não está no filme
No começo do projeto, Lucas contatou a viúva de Waldir Azevedo, D. Olinda,que o ajudou muito fornecendo contatos, lembrando de fatos e pessoas que pudessem ser importantes para contar a história que o jovem cineasta pretendia.
“Cheguei a conversar muito por telefone, em especial no começo do projeto, com a D. Olinda Azevedo, viúva do Waldir; uma pessoa fantástica. Desde o início ela recebeu com entusiasmo o projeto; nos ajudou com muitos contatos e nomes a serem entrevistados. Infelizmente, à época das gravações, sua saúde já estava muito frágil, motivo pelo qual, por recomendação da família, acabamos não gravando o depoimento dela”, argumenta Rezende.
Falta de material de arquivo interrompeu as gravações
“Isso acabou dificultando muito a continuidade do documentário naquele momento. Sem material de arquivo e a participação da família, o documentário ficaria muito pobre. E jamais poderíamos contar a história do Waldir sem falar com a dona Olinda e com a Marly Azevedo (filha de Waldir). Por conta disso, o projeto acabou sendo engavetado. Aguardávamos um momento mais propício para que pudéssemos retomar o contato, e acho que este momento finalmente chegou.
À época, conversei um pouco com a filha do Waldir, Marly Azevedo. Ela pretendia doar o acervo para que fosse feito um centro em Foz do Iguaçú. Ficamos aguardando sua definição sobre isso. Mas, felizmente, outro grande seguidor do Waldir, o Ronaldinho do Cavaquinho, ficou com parte desse acervo. Ele vem trabalhando na construção do Instituto Waldir Azevedo, que terá sede na cidade de Conservatória. Já conversei com ele e, certamente, a participação do Instituto será fundamental para a finalização das gravações. Farei o registro também de depoimentos do Ronaldinho e de outro cavaquinista aficcionado com o Waldir, o Ausier Vinícius – esse meu conterrâneo, de Belo Horizonte, e dono do mais importante local de choro da capital mineira, o “Pedacinhos do Céu”.
Nesse novo pique, estamos negociando também com outros parceiros. Infelizmente, no Brasil, esse tipo de registro tem muito pouca verba – ainda mais em períodos de crise como o atual. Logo, firmar as parcerias é importante para que o filme saia e a obra do Waldir possa ser divulgada para as novas gerações. O mundo precisa conhecer a história desse brasileirinho que, como ele mesmo dizia, com um pedaço de pau e quatro arames esticados, mudou a história da música popular brasileira.
Sinto que devo isso ao Waldir e à dona Olinda. Esse documentário é, acima de tudo, o reconhecimento do trabalho que ambos realizaram juntos. O músico era ele, mas a conexão dos dois era coisa de outro mundo. Uma união espiritual mesmo. Ela foi fundamental não apenas na trajetória dele, mas também na manutenção do nome e da música do Waldir após seu falecimento. Ela manteve o “Cantinho do Waldir”, com todas as coisas dele. Infelizmente, como já mencionei, na época que a conheci, sua saúde já estava bastante frágil. Mas foi possível, pelo menos, conhecê-la – ainda que brevemente”, comenta Rezende.
Depoimentos que valem ouro!
Depoimentos de chorões que não estão mais entre nós enriquecem a narrativa do documentário e dão peso de ouro ao filme.
“Nas gravações, chegamos a registrar um depoimento emotivo do cavaquinista gaúcho Avendano Jr., seguidor e amigo do Waldir. Fomos até Pelotas para gravar com ele. Infelizmente, sua saúde estava já frágil. Mas foi possível ter seu lindo depoimento. Os depoimentos dele, do Altamiro e o da Ademilde, valem ouro, pois eles já não estão mais entre nós”, destaca o diretor do documentário.
Cenas inéditas de Ademilde Fonseca cantando Delicado à Capela
Segundo Lucas, A Rainha do Rádio Ademilde Fonseca, grande parceira de muitos sucessos de Waldir Azevedo, dentre eles, Brasileirinho, imortalizado em sua voz, foi uma grande incentivadora do filme. Na fita ela aparece em um momento mágico cantando um dos maiores sucessos de Waldir Azevedo à Capela.
“Outra que deu também muito incentivo para o filme foi a Ademilde Fonseca. Essa merece um espaço especial também. Já quase com 90 anos, ela seguia cantando – e bem! Fez um registro de Delicado à capela que está de arrepiar… Com a paralisação do filme do Waldir, começamos a trabalhar num projeto de registro da Ademilde. A ideia era que ela lançasse um novo single: uma nova parceria dela com o Waldir. Cheguei a fazer uma letra, pensando nela, para o choro “Carioquinha”. Levei para ela e apresentei em um almoço delicioso que tivemos na Confeitaria Colombo. Ela adorou, e topou gravar. Infelizmente, menos de dois meses após o nosso encontro ela faleceu de um ataque cardíaco fulminante.
Cheguei a pensar que minha carreira cinematográfica estava amaldiçoada, pois não conseguia finalizar nenhum projeto! (risos) Mas, claro, isso é brincadeira. Espíritos evoluídos, como os do Waldir e da Ademilde, só servem para nos trazer luz.
Esse é um tema que vai perpassar o documentário: a espiritualidade da música do Waldir. São coisas tão fortes, tocam tanto o mundo inteiro sem o uso das palavras, que só podem mesmo ser pedacinhos do céu…”, conclui Lucas Rezende.