Por Leonor Bianchi
Famoso compositor de sambas de sucesso nos anos de 1930, 1940 e 1950, Henrique Batista nasceu em Vila Isabel (RJ), terra de Noel Rosa – que fora muito seu amigo e com quem chegou a ter um trio musical com Marília Batista, cantora dos áureos tempos do rádio no Brasil, sua irmã -, em 28 de setembro de 1908.
Funcionário público, trabalhou no Ministério do Trabalho e no Ministério da Guerra, mas foi à frente de um dos programas radiofônicos de maior cartaz – como se dizia em seu tempo -, o Samba e outras coisas, transmitido pela primeira vez em 1934, pela rádio Cajuti, que Henrique Batista traçaria uma carreira profissional de sucesso no rádio, ganharia notoriedade e popularidade, como um dos apresentadores e locutores com mais tempo no ar com o programa.
Em abril de 1952, depois de muitos anos trabalhando na Rádio Clube do Brasil, Henrique levaria seu programa Samba e outras coisas para a Rádio Vera Cruz (PRE-2), onde passou a exercer o cargo de diretor artístico, em novembro de 1952, com a saída de Whashington Fernandez. Nessa época, Henrique chegou a suspender toda a programação de auditório da rádio a fim de reorganizar a ‘casa’.
Na Vera Cruz, ele dirigiu pelo menos quatro programas radiofônicos. Dentre os mais conhecidos estavam o seu Samba e outras coisas, que ia ao ar às quintas-feiras das 20h às 22h30, e o Teatro Policial, transmitido nas tardes de sábado, das 14h às 15h.
Uma espécie de drama policial de muito sucesso na Vera Cruz assim que Henrique Batista assumiu a direção artística da rádio e mudara muitas coisas em sua grade de programação fora o programa “Policial E-2”. A série de rádio-peças tinha texto de Luiz Bueno e era interpretada por um elenco no qual destacavam-se Homero Bruce, no papel do detetive Sansão; e Américo Andrade, como o delegado. A direção da série era de Tancredo Fayão, a sonoplastia, assinada por Marcus Levy, a direção de estúdio ficava a cargo de José Silva, e o contrarregra do programa era Evêncio Barbosa. Homero, vale o adendo, além de ator no programa, era também repórter da emissora e figurava entre um dos funcionários mais antigos do quadro da Vera Cruz.
Henrique fazia de tudo para manter a qualidade da programação e dos seus programas da rádio, que era pequena e tinha um estúdio modesto na rua Buenos Aires, no centro do Rio de Janeiro.
Além de ocupar a direção artística da vera Cruz, durante o tempo em que trabalhou na emissora ele fora também seu diretor comercial e orgulhava-se de ter duplicado o faturamento da rádio, que naquele tempo, era a única a transmitir missas ao vivo.
Em 1953 Henrique deu uma entrevista à badalada Revista do Rádio, e falou sobre a dificuldade de trabalhar numa emissora pequena, e da valorização de novos artistas de rádio, os quais eram muito bem recebidos e abraçados pela Vera Cruz:
– Revista do Rádio: Você acredita que consiga realizar todos os seu sonhos?
– Henrique Batista: Sim, porque até agora tenho conseguido, embora com bastante esforço, muita coisa.
– Revista do Rádio: Por exemplo…
– Henrique Batista: Organizamos um quadro artístico em que se destacam valores como Albenzio Perrone, Moacyr Nascimento e América Cabral, além de outros artistas novos que, embora não tenham muito cartaz, são de fato valores.”
E de fato enquanto esteve à frente da Vera Cruz Henrique Batista foi conhecido por abrir espaço para novos cantores e atores e revelar muita gente boa que acabou fazendo a vida no rádio e ou na TV. Muitos músicos de sucesso na época começaram no programa Samba e outras coisas: Alcides Geraldi, Gilberto Alves, Djalma Ferreira, Trio de Ébano, Francisco Carlos, Dora Lopes, Bidu Reis, e muitos outros.
Quando ele foi para a Vera Cruz vinha de uma amarga decepção no mundo artístico das rádios. Ele já estava há mais de 15 anos atuando em rádio e há sete trabalhava na Rádio Clube do Brasil. Mas viu-se preterido de uma hora para outra pela PRA-3, a Rádio Clube do Brasil, e pelos seus administradores Julio Cosi e Dias Gomes.
Depois desse episódio, ou seja, de sair da rádio Clube, Henrique quis deixar o rádio, esquecer a vida nos estúdios, e seguir sua vida como funcionário público. Contudo, eram muitos os convites feitos pelos diretores da Vera Cruz (PRE-2), e ele acabou cedendo e entrou para a rádio.
Em uma matéria publicada pela Revista do Rádio logo depois que Batista assumiu seu cargo na Vera Cruz, lemos:
– Quando Henrique Batista fala de seu tradicional programa é como se falasse de um filho. Lançado na velha rádio Cajuti, esteve na Educadora; teve sua fase áurea na Cruzeiro do Sul, ao tempo de Marília Batista e Noel Rosa, passou pela Transmissora e depois da Rádio Clube do Brasil, está na Vera Cruz.
Para esta matéria Henrique Batista deu a seguinte declaração ao jornalista:
– Faço o Samba e outras coisas com o coração e muito na base da amizade. Até minha esposa ajuda no programa. Não tenho vaidades tolas: meu cartaz é a honestidade. Tenho procurado fazer aqui um trabalho honesto e dedicado. Felizmente, venho contando com o apoio da administração, desde o Presidente, sr.Plácido de Melo, até o Diretor-Assistente, sr. Buarque Alvez e o Diretor-Gerente, José Bartholo da Silva. Nossas posses são modestas, mas o rádio que fazemos é limpo. Pagamos pouco, mas pagamos sempre em dia. Nossos compromissos são saldados sem atrasos. A estação segue uma orientação de moral elevada e de certo sentido religioso.
Os principais intérpretes do programa eram: Manoel Monteiro, Américo Cabral, Euclides Lemos, Anita Melo, Maria Ester, Ilka de Souza, Martha Reis, o tenor Gino Morelli, Teófilo Miranda, Adeildo Santos, Joel Rosa, Pérola Negra e Paulo Braz, D. Firmina Rosa de lima ao piano e o regional da rádio.
Dentre os novos programas que ajudou a criar e a dirigir em seu tempo de Vera Cruz, destaca-se o programa de calouros Olha o telefone. Criativo, como a rádio não tinha verba para premiar o calouro, o vencedor não ganhava dinheiro, mas sim um mês de espaço na programação da rádio para se apresentar cantando, e com isso recebia um belo cachê.
Durante o tempo em que atuou na direção artística da Vera Cruz, Henrique Batista colocou no ar também o programa Chorinhos e Chorões com o regional da rádio. O programa era irradiado todas as terças-feiras.
Considerado um dos mais tradicionais programas do rádio brasileiro, o Samba e outras coisas ficou no ar por mais de 20 anos e sempre teve em seu comando seu idealizador Henrique Batista.
Dentre as estrelas do samba da época quem muito iam ao seu programa estavam: Noel Rosa, Albenzio Perrone, Moreira da Silva, a cantora de choros amazonense Ilka de Souza, Maristane, Américo Andrade, entre tantos outros.
Mas a relação de empenho e dedicação à emissora Vera Cruz não duraria até 1959. Nesse ano, Henrique Batista processou a rádio acusando-a de não cumprir suas obrigações contratuais para com ele. Nesse mesmo ano, o radialista encerraria sua contribuição com a Vera Cruz e iria para a Rádio Mauá, onde também transmitiu seu programa Samba e outras coisas.
Um filho assassinado
Polêmico em suas relações profissionais, mas excelente profissional, nunca ficava um dia sem contrato com uma rádio. Todos conheciam sua capacidade num estúdio, num auditório e à frente da apresentação de um programa radiofônico. Henrique tinha boa aceitação do público e era venda certa de anúncios na rádio onde estivesse.
Fora dos estúdios, constituíra família e fora pai dois meninos; um deles Renato, um lutador de Box que fora assassinado ainda na juventude, no auge do sucesso, no dia 23 de setembro de 1961. O fato comoveu a sociedade carioca na época, pois fora um crime brutal; uma discussão entre Renato e um leão de chácara numa leiteria da rua do Rezende, que o levara à morte. Renato era popular; sempre visto no programa de lutas de Box Catch, transmitido pela TV. Seu outro filho tinha seu nome; Henrique Júnior.
Henrique Batista foi um dos introdutores do Box na TV brasileira. No dia 6 de outubro de 1956 ele apresentou a primeira luta de Box num canal de TV brasileiro. Um dos programas mais famosos de Box que ele comandou na TV foi o TV-Rio-Ringue, no canal 13, ao lado de Téte Afonso.
O lado compositor de Henrique Batista
Certa vez, numa ocasião inesperada, quando encontrara um jornalista da Revista do Rádio andando pelas ruas do centro do Rio, Henrique Batista foi com o repórter até um café e lá lhe concedeu uma rápida entrevista. Indagado pelo rapaz sobre o motivo pelo qual, sendo ele um compositor de sambas tão famosos e de sucesso, não compunha mais suas canções e seus sambas, Henrique respondeu:
– Nunca deixei de compor. O que acontece é que existe uma dificuldade tremenda para se colocar uma música, para se obter uma gravação. Agora mesmo a Emilinha Borba vem gravar um samba meu e de Marília, ‘Boa’. Nasci em Vila Isabel, “onde fazer samba é brinquedo”, como disse Noel, meu inolvidável amigo, numa de suas composições, razão porque jamais deixarei de compor meus sambinhas, embora, sabendo não poder gravá-los, uma vez, como disse acima ser isso dificílimo.
Insistindo, o jornalista perguntou ingenuamente: – Mas por que essa dificuldade toda? Pergunta que teve a seguinte resposta do compositor:
– Ih, meu caro amigo! Por uma série de causas e circunstâncias irremovíveis. Basta dizer que ‘todo mundo é compositor’ e tudo faz para conseguir uma gravação. Conheço indivíduos despidos de qualquer valor artísticos, outros analfabetos, que subornam cantores inescrupulosos para gravar ‘suas’ músicas. Em quase todas as fábricas gravadoras existe uma ‘posição chave’, um compositor barrando as pretensões dos que não são seus amigos, dos que não estão na panelinha.
A maioria dos cantores está acorrentada a grupelhos que lhes dão interesse. Existem, como em toda regra, honrosas exceções. Todo golpe baixo é aplicado contra o verdadeiro compositor, pelo falso que tem ‘as cartas na mão’.
No tempo em que fazer samba era diletantismo de um punhado de verdadeiros valores, como Lamartine Babo, o João de Barros, Noel Rosa, tudo era fácil. Mas depois que a música brasileira se mercantilizou, é essa miséria que você está vendo, só visam o dinheiro. A música brasileira que se dane! Daí a invasão do bolero. Hoje em dia, até um milionário é sambista. Uns visam o dinheiro, outros o cartaz.
O último golpe contra o compositor é o do discotecário. Agora, quase todas as emissoras têm um discotecário ‘compositor’. E já está surgindo o truque do animador de programas… Tenho muitas coisas a falar sobre esse assunto, mas infelizmente, estou em cima da hora. Preciso contar a vocês o negócio da compra e venda de sambas, que só isto dará uma entrevista notável.”
Compositor, Henrique fez muitas músicas e, em sua maioria, em parceria com a irmã Marília Batista. Suas primeiras composições foram gravadas em 1932, a marcha “Me larga!”, e o samba “Pedi…implorei…”, parcerias com Marília Batista, lançadas Victor.
Em 1940, o samba “Menina fricote”, parceria com Marília Batista, foi gravado na Victor por Aracy de Almeida. No ano seguinte Henrique passou a integrar o trio Os Três Marrecos, onde atuou ao lado da irmã Marília Batista e de Alcides Gerardi. Em 1942, foi parceiro de Marília Batista e Arnaldo Paes no samba “Samba de 42”, gravado por Arnaldo Amaral pela Columbia. Teve o samba “Grande prêmio” feito em parceria com a irmã Marília Batista, gravado por Linda Batista na Victor, em 1943. No mesmo ano, os sambas “Era eu” e “A mulher tem razão”, parcerias com Marília Batista e M. Quintanilha, foram gravados por Francisco Alves na Odeon, e os sambas “Pobre rapaz” e “É fingimento dela”, também com Marília Batista, foram lançados pelo trio vocal As Três Marias, pela Victor.
Em 1944, o samba “Salão azul”, parceria dele com Marília Batista, foi gravado pela cantora. Em 1950, Emilinha Borba gravou na Continental o samba “Boa”, também em parceria com Marília Batista. Em 1951, mais duas parcerias com a irmã Marília Batista foram gravadas por ela pelo selo Carnaval: os sambas “Lamento” e “Tamborim batendo”. Em 1952, os sambas “Nunca mais”, “Você não é feliz porque não quer”, “Imitação”, “Vai, eu te dou liberdade”, “Praia da Gávea” e “Vila dos meus amores”, todas feitas em parceria com a irmã, foram gravados por Marília no LP “Samba e outras coisas”, da Musidisc. Em 1957, o tango “Desengano”, com Marília Batista, foi gravado na Continental por Emilinha Borba, e o samba “Você não é feliz porque não quer”, com Marília Batista, foi regravado por Vera Lúcia, também na Continental. Em 1960, as músicas “Nunca mais”, “Imitação”, “Praia da Gávea”, “Vai, eu te dou liberdade”, “Vila dos meus amores”, e “Você não é feliz porque não quer”, todas também em parceira coma irmã, foram gravadas no LP “Marília Batista, sua personalidade… sua bossa”, lançado pela Musidisc. Em 1997, o samba “Menina fricote”, foi regravado por Olívia Byington no CD “A dama do Encantado”, homenagem à cantora Aracy de Almeida. Em 2001, o samba “Moreira na Ópera”, com Marília Batista, no qual é feita citação à ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, foi gravado por Jards Macalé no CD “Macalé canta Moreira”.
Henrique Batista teve cerca de vinte composições gravadas por nomes, como Vera Lúcia, Linda Batista, Alcides Gerardi, Francisco Alves e Emilinha Borba. Além, é claro, dos registros com sua quase exclusiva parceira, a irmã Marília Batista.
Veja quais foram suas composições
A mulher tem razão (c/ Marília Batista e M. Quintanilha)
Boa (c/ Marília Batista)
Desengano (c/ Marília Batista)
É fingimento dela (c/ Marília Batista)
Era eu (c/ Marília Batista e M. Quintanilha)
Grande prêmio (c/ Marília Batista)
Imitação (c/ Marília Batista)
Lamento (c/ Marília Batista)
Me larga! (c/ Marília Batista)
Menina fricote (c/ Marília Batista)
Nunca mais (c/ Marília Batista)
Pedi…implorei… (c/ Marília Batista)
Pobre rapaz (c/ Marília Batista)
Praia da Gávea (c/ Marília Batista)
Salão azul (c/ Marília Batista)
Samba de 42 (c/ Marília Batista e Arnaldo Paes)
Tamborim batendo (c/ Marília Batista)
Vai, eu te dou liberdade (c/ Marília Batista)
Vila dos meus amores (c/ Marília Batista)
Você não é feliz porque não quer (c/ Marília Batista)