Moleque Diabo: o ‘sub’ de Nelson Alves na excursão dos Oito Batutas à Argentina


Leonor Bianchi

Pouca gente conhece a história que eu vou contar agora, salvo os pesquisadores de música popular brasileira e choro, creio. História de Moleque Diabo, uma espécie de Aníbal Augusto Sardinha, ‘Garoto’ do seu tempo. Tocava todos os instrumentos de corda, ganhou fama de ser o primeiro banjista do Rio de Janeiro e teve uma participação muito especial e importante quando da excursão dos Oito Batutas à Argentina, entre o final de 1922 e 1923, substituindo Nelson Alves dos Santos, cavaquinista do grupo em sua formação original e que tinha acabado de chegar da turnê que o regional  fizera em Paris patrocinada pelo empresário Arnaldo Guinle.

Aristides Júlio de Oliveira nasceu na Bahia e faleceu no Rio de Janeiro em 1938. Não encontramos informações sobre em qual cidade nasceu nem a data. Virtuose nos instrumentos de corda, tocava tudo o que parasse em suas mãos e não à toa foi convidado a viajar com os Batutas no lugar de Nelson Alves, que voltara de Paris com um cavaquinho-banjo e o peso dos desacordos que aconteceram entre os músicos durante a passagem pela França. Provavelmente a escolha por um outro integrante foi a solução mais razoável encontrada pelos músicos para realizar a turnê no país latino-americano onde gravaram inclusive um disco (hoje raríssimo) pela Victor RCA, do qual o Moleque Diabo participou.

“De acordo com os arquivos do Centro de Estudios Migratorios Latinoamericanos (CEMLA), de Buenos Aires — entre os doze brasileiros que desembarcaram no porto da capital argentina no dia 07 de dezembro de 1922, provenientes da cidade do Rio de Janeiro no navio italiano Duca Di Aosta, dez pessoas declararam a profissão de “músico” ou “artista”. Seus nomes e idades declaradas constam assim: Antonio Gonçalves (33), Sofia Gonçalves (26), Antonio Rivas (35), Aristides de Oliveira (25), Octavio Litleton (35), Ernesto dos Santos (36), João de Oliveira (24), Jose Bargos de Barros (34), Nelson Santos Alves (37), Alfredo da Roca Viana (24). Obedeço aqui a grafia dos nomes tal como consta nos “Certificados de Arribo à América”.

Os emitidos pelo CEMLA mantendo os eventuais erros de ortografia dos registros originais. Entre os nomes citados, três são de músicos que ficaram mais conhecidos por seus apelidos no universo da música popular brasileira. São eles: China (Otávio Liplecpon Vianna), Donga (Ernesto dos Santos Alves) e Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho). Dos dez nomes listados pode-se afirmar com relativa segurança que os dois primeiros — Antonio e Sofia Gonçalves — são dos integrantes de uma dupla de dançarinos chamada Les Zuts. Os outros oito correspondem à formação dos Oito Batutas. A composição do grupo de músicos baseada nos arquivos do CEMLA não coincide completamente com aquela apresentada por outras fontes para esta mesma turnê. Segundo Cabral3 e Silva e Oliveira Filho4, a formação teria sido a seguinte: Pixinguinha (flauta e saxofone), J. Tomás (bateria), Donga (violão e banjo), China (violão e voz), Nelson
Alves (cavaquinho e cavaquinho-banjo), José Alves (bandolim e ganzá), J. Ribas (piano) e Josué de Barros (violão).

A comparação entre os registros do CEMLA e a formação dada pelos autores citados pode ser mais bem visualizada no quadro seguinte:

Antonio Gonçalves (Les Zuts)

Sofia Gonçalves (Les Zuts)
Aristides de Oliveira – José Alves
João de Oliveira – J. Tomás
Antonio Rivas – J. Ribas
Octavio Litleton* – China (Otávio Liplecpon Vianna)
Ernesto dos Santos* – Donga (Ernesto dos Santos Alves)
Jose Bargos de Barros* – Josué de Barros
Nelson Santos Alves* – Nelson Alves
Alfredo da Roca Viana* – Pixinguinha (Alfredo da Rocha Vianna Filho)

Para os cinco nomes marcados com asterisco, a concordância parece imediata e evidente, considerando-se pequenas omissões e equívocos na escrita, de ocorrência provável no momento do registro quando da entrada dos músicos na Argentina.

Com relação ao nome registrado pela imigração (CEMLA) como Antonio Rivas, deve-se notar que o “v” na pronúncia espanhola de “Rivas” soa muito parecido com o “b” da pronúncia portuguesa de “Ribas”, podendo-se supor que se trata da mesma pessoa, com a possível omissão de alguma parte do nome, como aconteceu com outros integrantes. Não
disponho de outros dados sobre Antonio Rivas/J. Ribas. Sobre aquele que consta na coluna do CEMLA como João de Oliveira, trata-se, com toda probabilidade, de João Thomaz de Oliveira5.

O ponto mais problemático na comparação entre as duas listas é a disparidade entre o que aparece como Aristides de Oliveira na lista do CEMLA e José Alves na coluna da direita. O nome de José Alves, citado também como José Alves de Lima, aparece, de fato, em diferentes fontes como integrante da formação original dos Oito Batutas. Como vimos, ninguém declarou este nome ao desembarcar do navio que levou os músicos à Argentina. Em seu lugar, consta o nome de Aristides de Oliveira, quem, de acordo com Cabral6, teria se incorporado ao grupo durante a temporada, regressando depois ao Brasil junto de Donga, Nelson Alves e J. Tomás (sic).

Com isto, e o necessário adendo de que Aristides Júlio de Oliveira não se incorporou ao grupo durante a temporada, mas chegou a Buenos Aires junto com os demais, temos como mais provável a seguinte composição dos Oito Batutas em sua temporada argentina: Alfredo da Rocha Vianna Filho (Pixinguinha), Otávio Liplecpon Vianna (China), Ernesto dos Santos Alves (Donga), Josué de Barros, Nelson Santos Alves, João Thomaz de Oliveira, J. Ribas/Antonio Rivas (admitindo que os dois nomes se refiram à mesma pessoa) e Aristides Júlio de Oliveira. Este último, de alcunha o
Moleque Diabo, era banjoísta.” (Luiz Fernando Hering Coelho, Palcos, enterros e gravações:
os Oito Batutas na Argentina (1922-1923)).

Pouco conhecemos a respeito de sua biografia, mas este poco que ficou registrado já é o suficiente para sabermos que ele foi um dos maiores instrumentistas e chorões do seu tempo. Liderou, quando foi soldado no do Corpo de Fuzileiros Navais, uma jazz band criada por ele, na qual tocava banjo e violão. Depois, quando saiu do quartel e deixou a carreira militar para trás, passou a trabalhar como servente nos Correios, mas sempre frequentando o meio musical e compondo. De suas músicas, as mais populares e executadas até hoje nas rodas de choro são Abigail, Elsa, Não gostei de seus modos e Teus olhos.

moleque diabo

O livro Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira, traz uma crônica que João Ferreira Gomes, o J. Efegê, publicou em 10 de janeiro de 1976 no jornal O Globo intitulada “Aristides fazia diabruras com o seu bandolim e o banjo”.

Segundo o referido artigo, Moleque Diabo foi soldado do Corpo de Fuzileiros Navais, mas não integrou a banda da corporação como se supunha. Na verdade, fez parte de um conjunto musical cujos integrantes também eram do Corpo de Fuzileiros Navais e cuja criação ocorreu por interferência de Antonio Rodrigues de Jesus, maestro da banda do Batalhão Naval. Denomina-se Jazz-Band dos Fuzileiros Navais, que se constituía numa imitação perfeita das congêneres norte-americanas. Esse conjunto logrou franca popularidade na década de 20, sendo solicitado para muitos bailes na época, e contava com excelentes músicos: Jonas ao sax, Nicodemos ao trombone, Cebola ao piano, Praxedes à bateria e Aristides que, em função de suas “diatribes” ao banjo, não só tornou-se a vedete do conjunto como também conquistou seu popularíssimo apelido.

O fim de sua vida foi trágico e triste: Moleque Diabo suicidou-se ingerindo formicida, no dia 5 de fevereiro de 1938, durante os preparativos para o carnaval. O que a história conta é que teria sido por causa de um amor não correspondido por uma portuguesa. Enquanto todos acreditavam que ele já estivesse a pronto para tocar seu instrumento na festa de Momo, chega a notícia de sua morte.

A imprensa da época chegou a noticiar:

“Suicidou-se “Moleque Diabo”. Não foram apuradas as causas que levaram o conhecido musico a tal extremo. Aristides Augusto de Oliveira, ou melhor, “Moleque Diabo”, era um dos homens mais conhecidos nos meios musicaes da cidade. Considerado o primeiro tocador de banjo do Rio, não ficavam ahi os pendores artisticos de Aristides, sendo eximio em todos os instrumentos de corda”.

“Hontem pela manhã por motivos ainda desconhecidos, “Moleque Diabo”, dentro do archivo da 3. secção dos Correios e Telegraphos, onde trabalhava como servente, ingeriu grande dóse de um toxico, vindo a fallecer quase que instantaneamente.”

Fontes:

Palcos, enterros e gravações: os Oito Batutas na Argentina (1922-1923), Luiz Fernando Hering Coelho, 2011.

Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira, J. Efegê, 2007.

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Author: imprensabr