A importância da reedição do livro Carinhoso etc: história e inventário do choro, de Ary Vasconcelos


Leonor Bianchi

Resgatar textos que se perderam na memória da literatura da música popular brasileira durante os últimos 30, 50, 70, 100 anos e até mais é um trabalho de suma importância para recuperar para as gerações atual e vindoura materiais que ajudam a construir ‘um pensamento da música brasileira’.

O livro que agora ganha nova edição – a primeira desde sua publicação, em 1984 – ‘Carinhoso etc: história e inventário do choro’, foi pensado, elaborado e publicado num contexto sociocultural e político absolutamente diferente ao que vivemos hoje. Naquele momento, o Brasil vivia uma oxigenação ideológica em nível político, econômico, social também refletida no segmento cultural, e que desaguaria no fim de um longo e triste período de ditadura militar. Ganhava força a valorização ao produto interno bruto, à cultura popular brasileira. E foi, neste contexto, que o jornalista, pesquisador, crítico musical, colecionador Ary Vasconcelos, um dos que mais contribuiu para o que hoje temos nas prateleiras sobre história da música popular brasileira, publicou o livro em questão.

Passados 37 anos, a publicação, que teve tiragem limitada, se esgotou rapidamente e nunca mais ganhou atenção dos editores e pesquisadores de música. Eu, enquanto uma observadora, uma estudiosa do segmento editorial, enquanto jornalista, editora da Revista do Choro – uma publicação visionária, a primeira e única no mundo a pautar exclusivamente o CHORO -, venho percebendo a necessidade da reedição de muitas obras literárias relacionadas à música popular brasileira e ao choro. E, nessa minha pesquisa, nessa curadoria eterna que venho fazendo para construir o catálogo da Editora Flor Amorosa com bastante delicadeza e sensibilidade, e tendo o livro em sua primeira edição no acervo da Revista do Choro, foi que resolvi investir nesta reedição. Afinal, passaram-se, praticamente, 40 anos, e as gerações que vieram depois da primeira edição não tiveram acesso a esta obra; estão tentando comprar o livro em leilões virtuais onde um exemplar não sai por menos de 150 reais. 

Fazendo um paralelo entre o momento em que este livro foi publicado e o atual, embora estivéssemos, realmente, como o próprio Ary Vasconcelos frisa em seu texto de apresentação, sem investimentos do Governo em projetos de choro, e também sem novos discos no mercado, pois as gravadoras estavam mudando o foco e preferindo lançar discos de música eletrônica – , nada pode ser comparado ao estado de miserabilidade no qual a Cultura se encontra hoje, no Brasil. O Governo atual desmontou o Ministério da Cultura e, consequentemente as gestões em âmbito estadual e municipal ficaram prejudicadas. Além disso, extinguiu importantes mecanismos de fomento ao setor. Neste sentido, nunca se fez tão necessário falar em Cultura em nosso país! Nunca se fez tão necessário falar em memória, em reedições de livros raros e importantes, que possam contribuir para a revitalização da nossa memória social e para a construção de uma nova ideologia do pensamento brasileiro.

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Lançamento do selo editorial ‘brasileirinho’

Aproveito este momento mágico e oportuno para lançar o primeiro selo editorial da Flor Amorosa: o ‘brasileirinho’. Isso mesmo; com letra minúscula. Estou dedicando o brasileirinho às reedições de livros clássicos sobre a nossa querida música popular brasileira.

Após este livro que você tem em mãos lançarei Na roda do samba, do jornalista Francisco Guimarães, primeiro crítico musical do Brasil, conhecido como Vagalume. Foi ele quem publicou uma crítica sobre o samba Pelo telefone, de Donga, Ernesto dos Santos, e Mauro de Almeida (1916), no jornal onde trabalhava, na época, o JB, Jornal do Brasil, abrindo a senda da crítica musical que conhecemos hoje na imprensa brasileira. Veja a importância de reeditar esta obra perdida no tempo e no espaço!!! Não existem mais exemplares deste livro nem nos leilões virtuais. No ano passado, assim que publicizei no Facebook a reedição deste livro do Vagalume e outros de Catulo da Paixão Cearense, todos os poucos exemplares de ambos que ainda estavam à venda em sebos online, triplicaram de preço e, em duas semanas, sumiram, foram vendidos. Não existe mais nem nos sebos virtuais. Foi o livro que inaugurou a historiografia do samba no Brasil. Foi este, e na sequência dele, o livro de Orestes Barbosa Samba: sua história, seus poetas, seus músicos e seus cantores, publicado originalmente em 1933, assim como o do Vagalume. Lançarei os dois pelo selo brasileirinho. 

Este ano, reedito também três livros de poesia do maior cancioneiro que o Brasil já conheceu, o compositor da letra de Flor Amorosa, choro de um dos pais do choro, conhecido como ‘o pai dos chorões’, Joaquim Antônio da Silva Callado Jr, de quem Ary Vasconcelos fala bastante em sua pesquisa que deu origem ao livro agora reeditado. Trata-se da ‘Coleção Catulo – A Essência e o Coração da Natureza Brasileira’, com livros publicados originalmente em 1902, 1918, 1921 pela Quaresma Livraria do Povo; para mim a maior editora que tivemos até hoje no Brasil investindo em música popular. São ou não são obras raras, que devem merecer a atenção de qualquer editor e de todos os pesquisadores de música popular brasileira? 

O engenheiro e sua empreitada

A presença de Ary Vasconcelos é tão marcante no cenário da historiografia da música popular brasileira que seus livros são citados em artigos científicos escritos no mundo todo. Escreveu os seguintes livros: Panorama da Música Popular Brasileira, publicado em dois volumes, em 1964; Raízes da Música Popular Brasileira (1977); Panorama da Música Brasileira na Belle Époque (1977); Luís Pistarini: um bandolim esquecido (1983); Carinhoso etc: história e inventário do choro (1984); A Nova Música da República Velha (1985); Brasil Musical: viagem pelos sons e ritmos populares (com Tárik de Souza, Roberto Moura -, que tive o prazer de conhecer pessoalmente -, João máximo e outros; e Raízes da Música Popular Brasileira, 2ª edição revista e ampliada (1991).

Neste inventário do choro, Ary Vasconcelos cria recortes históricos e apresenta a história do choro através do repertório do choro e dos seus compositores, em seis gerações. Ele interrompe sua pesquisa em meados da década de 1980, deixando para nós, pesquisadores debruçados sobre o tema na atualidade, a empreitada de tentarmos dar cabo de seu intento não realizado integralmente, já que ele desejava fazer ainda mais dois volumes deste inventário, chegando, assim, à letra Z. 

Neste inventário o autor apresenta uma minuciosa e extensa pesquisa de repertório de choro (incluindo valsa, polca, mazurca, habanera, scottish, maxixe, baião, marcha, samba-choro, choro-seresta…) ainda inédita no Brasil e publicada em livro, e disponibiliza, praticamente, todas as gravações dos choros que haviam sido gravados em disco até o ano de 1983, listando o nome das músicas, discos, gravadoras que lançaram, ficha técnica dos músicos etc.

A empreitada de Ary Vasconcelos era grande, mas ele só conseguiu concluir a pesquisa do repertório de choro incluindo choros com nomes iniciados da letra A a D. Entretanto, o legado dessa primeira pesquisa de repertório publicada em livro é inegável. Não há hoje um pesquisador de choro que não conheça este livro.

E, embora já fossem clássicos, como o próprio Ary considerou, em função do expressivo número de gravações que receberam, inúmeros choros mencionados por ele neste seu inventário ficaram cristalizados no imaginário do brasileiro, e assim seguem por mais de um século sendo os mais executados até hoje nas rodas de choro, como Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu; Odeon, Bejeiro, Escovado, de Ernesto Nazareth; O Corta Jaca, Atraente, de Chiquinha Gonzaga; Brasileirinho, Delicado, Pedacinho do Céu, de Waldir Azevedo; Lamentos, Vou Vivendo, Um a Zero, Carinhoso, de Pixinguinha; Doce de Coco, Noites Cariocas, Santa Morena, de Jacob do Bandolim, entre tantos outros.

Trabalho solitário

Ainda que eu quisesse publicar uma reedição comentada e, ou até mesmo “concluída”, sem a pretensão de tentar concluir a pesquisa iniciada pelo autor Ary Vasconcelos, não o fiz; estou publicando o livro na sua integralidade sem comentários, fotos e prefaciadores ‘famosos’. 

Este foi um trabalho solitário, que me exigiu diariamente, por meses, muito empenho, pois executei todas as etapas da produção editorial, da criação da capa à diagramação do miolo. Tudo foi feito por mim, inclusive a digitação e digitalização do texto do livro original, pois não existia nenhuma matriz digitalizada; esta é a primeira.

Também estou publicando o livro em francês, inglês e áudio book em português. Estou tendo a colaboração de amigos queridos nas traduções, mas exceto isto, todo o processo foi feito solitariamente por mim, aqui em Lumiar, na redação da Revista do Choro, base da Editora Flor Amorosa.

Espero, do fundo do coração, poder contribuir para a difusão do choro e seu repertório com a publicação deste livro clássico do saudoso e estimado amigo de profissão Ary Vasconcelos, a quem dedico esta reedição.

Leonor Bianchi

Editora

Lumiar, março de 2021

Reedição da Flor Amorosa Inaugurando o selo editorial 'brasileirinho'. Compre agora

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Um beijo a todos! 

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Author: imprensabr