Leonor Bianchi
‘A história de ‘Carinhoso’ na palavra de Pixinguinha’ é o título da entrevista que abriu, em 9 de maio de 1950, a série ‘Como se faz um sucesso’, publicada na glamourosa e hoje extinta Revista do Rádio.
O jornalista cujo nome não é revelado na entrevista vai até a casa de Pixinguinha, no bairro de Olaria, subúrbio carioca, e lá encontra com o maestro em seu mais íntimo ambiente familiar, ao lado da esposa Albertina, a Dona Beti, e do filho Alfredo, chamado afetuosamente pelo diminutivo.
A entrevista é ilustrada com três fotos em preto e branco: duas de Pixinguinha em casa, com a família, mexendo em sua flauta; outra ao telefone, ao lado do filho, que lê um livro, e da gentil esposa, que aparece na sala servindo-lhe um cafezinho. A terceira foto ‘abre’ a entrevista no topo da página esquerda, à direita. É uma fotografia clássica de Pixinguinha com seu maior parceiro musical, Benedicto Lacerda, que foi bastante popularizada pela imprensa e que talvez seja a imagem mais conhecida da dupla.
Na entrevista, breve e objetiva, que ficou apenas ‘em cima’ do fato do enorme sucesso da composição ‘Carinhoso’, Pixinguinha revelou ao jornalista como teve inspiração para criar a música:
“A inspiração vem quando se está de bom humor, sem nenhum aborrecimento. Esta é a verdadeira inspiração natural, não a comercial em que todos brigam porque vivem uns roubando as músicas dos outros. A inspiração para compor Carinhoso me veio durante o dia. Estava eu ao piano, sentado, fazendo uns acordes, quando me veio a vontade de compor. E primeiro foi feita a música”, enfatizou o maestro Pixinguinha.
Pixinguinha segue contando ao jornalista algumas situações inesperadas e até inusitadas que envolvem a história da música. Em um dado momento da entrevista, perguntado sobre porque teria escolhido João de Barro para fazer a letra para a sua melodia, Pixinguinha respondeu:
“Não escolhi, mas acontece que eu estava no “El Dorado” e ele chegou para apreciar a dança. Quando toquei ‘Carinhoso’, se ofereceu para fazer a letra. E eu estava precisando de uma letra para poder fazer a gravação da música. Por isso, aceitei-o como parceiro”, explicou Pixinguinha.
Por fim, outra revelação durante a conversa com o jornalista da Revista do Rádio: a de que ele também não havia convidado o cantor de maior expressão da época, Orlando Silva, para gravar a música. Tinha outro cantor em seus planos, mas o acaso… mais uma vez…
“Não escolhi o Orlando Silva, pois o primeiro indicado era o Silvio Caldas, mas este não apareceu à gravação. Depois, Carlos Galhardo, com quem aconteceu o mesmo. E, finalmente, Orlando Silva gravou ‘Carinhoso’.
Depois de responder a esta pergunta do jornalista, Alfredinho, ao piano, tocou sua versão para a música do pai com um arranjo seu.
Pixinguinha não soube dizer, durante a entrevista, quantos discos já havia vendido ao longo de sua carreira, mas deu a entender que eram tantos que justamente por isso não sabia…
“Não sei dizer, mas ‘Carinhoso’ já foi gravada no México e nos Estados Unidos”, explicou o compositor.
Nosso ‘Pai do Choro’ também não deu uma reposta exata quando o jornalista perguntou quanto ele recebia pelos diretos autorais de suas composições, mas reafirmou o grande sucesso de ‘Carinhoso’ como sendo responsável por parte importante desta receita:
“Não faço a mínima ideia, porque tenho muitas composições, mas posso afirmar, entretanto, que ‘Carinhoso’ é a que me dá mais dinheiro”, concluiu Pixinguinha.