Leonor Bianchi
Instrumentista, compositor e professor, Joaquim Antonio da Silva Callado Júnior nasceu no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1848 e morreu nesta cidade e, 20 de março de 1880. Filho de mestre de banda de música cresceu ouvindo os instrumentos da banda que o pai regia e em meio a partituras desenvolveu seu talento musical. Seu pai chamava-se Joaquim Antonio da Silva Callado. Tocava trompete e cornetim, além de ser mestre da Banda Sociedade União de Artistas.
Aos 10 anos de idade Callado começou a estudar música formalmente com Henrique Alves de Mesquita e a aprender flauta e piano em casa.
Henrique Alves de Mesquita tinha formação clássica, era professor do Imperial Conservatório de Música, regente da orquestra do Teatro Fênix e foi o primeiro músico brasileiro a receber uma bolsa do Império para estudar na França. Compunha óperas e operetas e foi o primeiro compositor a editar um tango brasileiro no Brasil.
A vida no Rio de Janeiro naquele tempo girava em torno do piano e a presença da corte imperial trazia ao Rio de Janeiro os maiores músicos do mundo com todas as novidades musicais da Europa, que era o grande centro cultural do mundo.
Joaquim Callado tem contato com muitos virtuoses e estuda flauta com muita paixão para alcançar seus objetivos. O Maestro Baptista Siqueira em seu livro ‘Três vultos históricos da música brasileira’ assim se refere a este momento que Callado viveu: ”Quando começaram a surgir os seresteiros, com a vida boêmia noturna que invadiu a cidade, o piano teria fatalmente que ser substituído pelos conjuntos instrumentais e pelos pequenos instrumentos de maior expressividade melódica, como a flauta e o violão. Assim é que o Choro se tornou a mais viva expressão da música popular no final do século XIX”. (Baptista Siqueira, 1969).
Os músicos das camadas mais populares ao terem contato com as práticas musicais das danças de salão europeias (polca, schottisch…) amalgamaram em seus instrumentos todos os sons e ritmos ouvidos do salão com suas práticas cotidianas de batuques, lundus e candomblés.
Joaquim Callado e o Choro são frutos deste amálgama. Mulato com um talento inigualável para a música, viveu no Rio de Janeiro da metade do século XIX, quando as transformações do mundo passavam obrigatoriamente por ali. Vendo a matéria prima de uma música popular e nacional nascer, com sua flauta conduziu a criação do que hoje conhecemos como Choro.
Naquela época o belga Mathieu-André Reichert, que viera para o Brasil contratado por D. Pedro II e trouxera para cá os métodos e técnicas mais avançados de ensino de flauta na Europa, espantou-se com a expressão do mulato Joaquim Callado.
Callado foi professor de flauta do Imperial Conservatório de Música e também do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Tendo entre seus alunos o flautista Viriato Figueira da Silva, também considerado junto dele um dos Pais do Choro.
“Como os lugares em que se apresentava eram pequenos, estava sempre acompanhado de violão, ou cavaquinho. Às vezes a casa dispunha de um piano, então poderia ser acompanhado do piano. […] esses artistas aprendiam uma polca de ouvido e a executavam para que os violonistas se adestrassem nas passagens modulantes, transformando exercícios em agradáveis passatempos. Esses grupos geralmente contavam com um instrumento solista, dois violões e um cavaquinho. Todas as cordas eram improvisadores. As melodias que resultavam desse processo de improvisação tornaram-se características da composição de Callado.” (Carmen Silvia Garcia).
Callado faleceu em 1880, portanto, não pode deixar nenhum registro gravado de sua arte; os primeiros discos brasileiros são de 1902.
Curiosidades
Callado tocava uma flauta transversa de ébano de cinco chaves. Reichert foi o introdutor das flautas de prata no Brasil, mas Callado recusava-se a usa-las por não gostar de seu som mais brilhante e menos suave.
Com um pé no Conservatório e o outro na rua, Callado acostumou-se a tocar acompanhado de cavaquinho e violão – formação que deu origem aos grupos de choro –, eventualmente ‘complementados’ pelo piano. Em 1870 seu conjunto ‘Choro Carioca’, ou ‘Choro do Callado’ passou a ser presença constante nas festas da Corte Imperial.
“O Conjunto de Callado era composto de dois violões, um cavaquinho e sua flauta, que era o instrumento de solo. Devido ao fato de as flautas serem de ébano, essa formação era também chamada de “pau-e-corda”. No conjunto de Callado os instrumentistas de cordas tinham liberdade e todos eram bons em fazer, de propósito, improvisos sobre o acompanhamento harmônico e modulações complicadas com o intuito de ‘derrubar’ os outros músicos. Ou seja, foi desenvolvido um novo diálogo entre solo e acompanhamento, uma característica do choro atual.”
De seu grupo fizeram parte músicos como Chiquinha Gonzaga (maestrina, pianista e compositora) e Viriato Figueira da Silva (flautista, saxofonista e compositor).
“Os editores consideravam as músicas de Callado muito avançadas e difíceis. Temiam o fracasso de vendas. Isso fez com que editasse suas próprias músicas. De inovador, havia na partitura um estribilho que poderia ser repetido inúmeras vezes, caso o intérprete assim o desejasse, utilizado possivelmente para improvisações.” (Carmen Silvia Garcia).
São conhecidas cerca de 70 músicas de Callado, segundo pesquisa de Anna Paes e Maurício Carrilho. São todas elas polcas, quadrilhas, lundus e valsas.
A polca, gênero dançante europeu, chegara ao Brasil através da corte de D. Pedro II, pouco antes do nascimento de Callado, sendo a primeira dança em que os casais dançavam juntos. A quadrilha era uma dança camponesa. O lundu uma dança dos negros. E a valsa a grande dança vienense que dominou os salões na segunda metade do século XIX.
Sua primeira composição publicada foi “Querida por todos”, uma polca em homenagem a Chiquinha Gonzaga, sua grande amiga.
Seu maior sucesso, ainda hoje, é “Flor Amorosa”, de 1877, parte do repertório de todos os chorões.
Interessante assinalar que, se a obra de Callado foi preservada, isso se deve ao trabalho de diversos copistas e pesquisadores informais.
Entre os copistas, o principal foi João Jupyaçara Xavier, seu aluno no Conservatório de Música, cujo acervo está no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Outros copistas importantes foram Frederico Olympio Augusto de Jesus, Theodoro Aguilar, Azevedo Pimentel e Candinho Trombone.
A caixa “Joaquim Callado – O Pai dos Chorões” (Acari, CD/2004), é a principal discografia da obra de Callado que, por ter morrido antes do advento das gravações fonográficas, não deixou nenhum registro de sua obra. São cinco CDs nos quais 70 obras de Callado são interpretadas por um grande número de instrumentistas modernos. Junto ao CD, um livro homônimo traz a biografia de Callado e uma rigorosa pesquisa de suas composições.
Este recorte biográfico está baseado no conteúdo do livro:
“Um Sopro de Brasil” (Projeto Memória Brasileira, 2006), organizado por Miriam Taubkin, com verbetes redigidos por Maria Luiza Kfouri.
choro me faz chorar de alegria a melhor música do mundo!