Por Rúben Pereira
O pianista André Mehmari vem despontando no meio musical com sua sensibilidade aguçada em trabalhos onde podemos desfrutar de novos ares para composições já urdidas pelo tempo.
No disco Ouro sobre azul, o pianista André Mehmari une seu trabalho de arranjador e compositor ao de intérprete de forma magistral. Por todo disco o que se ouve é música pulsante e viva. A Suíte Nazareth é obra inspirada e serve como um manifesto de como o músico vê e ouve Nazareth.
Mehmari deu às melodias e harmonias de suas peças pianísticas novas vozes harmônicas que ora fazem menção a progressões harmônicas clássicas do choro, ora mencionam compositores do universo clássico, como Chopin.
Ernesto Nazareth [1863 – 1934] foi um compositor único no choro. Sua obra rica e complexa requer do intérprete ou do arranjador sempre um tratamento e senso estético muito bem resolvidos. Suas obras são verdadeiros desafios interpretativos, uma vez que o autor indica com detalhes cada caminho interpretativo a se tomar e a escolha, que fica a cargo do instrumentista só tem dois caminhos: seguir Nazareth ou desbravar trilhas e caminhos ainda selvagens. Jacob do Bandolim deliciava-se em suas “filigranas musicais” e criou a seu modo um jeito próprio de tocar Nazareth.
Pelas mãos de Mehmari viajamos em um Ernesto Nazareth atualizado em 2015, com liberdade de reharmonizações com muito bom gosto. Criar além do que Nazareth criou para suas obras é trabalho árduo, pois, ao mesmo tempo em que se pode chegar a grandes achados escondidos no emaranhado nazarethiano, pode-se desfigurar um gênero ou intenção do compositor. No caso de André Mehmari o que acontece é que o fundamento da música brasileira é colocado em primeiro plano e as criações do pianista e arranjador se somam de tal maneira com a intenção nazarethiana, que tal fato só faz aumentar o interesse do público por suas obras e interpretações.
“… Ainda lembro do meu tempo de criança, quando adormecia ouvindo minha mãe costurando as profusas semicolcheias de “Apanhei-te Cavaquinho”, que se multiplicavam no agudo do piano de onde brotava sem preconceito um noturno de Chopin, uma valsa de Jobim, um rag de Joplin – e o tudo muito de Ernesto Nazareth, claro. E assim, livre e solto de qualquer nome prejudicial, esse repertório me nutria continuamente de influências das mais variadas e tudo isso se reflete na maneira como faço e entendo música hoje. Neste meu projeto, a obra humanista de Nazareth revela e convida ao baile esse amplo espectro de músicas e sons que me fascinam e assombram desde o útero: e se amalgamam no mais sagrado lugar do meu ouvido-coração musical, para homenagear com viva gratidão o pianeiro-mestre-inventor em sua contínua e necessária mestiçagem que receberá sempre novas cores e leituras. Essa Música (que não é nem nunca será objeto de museus) quer e pede claramente por isso. Ainda lembro do meu tempo de criança como se fosse hoje…” revela o pianista André Mehmari.
‘Ouro sobre Azul’ é disco para se ter e ouvir sempre, cada dia mais.