Marcello Tupynambá ganha site com acervo digital


Projeto que homenageia 125 anos de nascimento do compositor paulista, disponibiliza mais de 200 partituras para download

Por Leonor Bianchi com colaboração de Alexandre Dias*

É preciso enaltecer os mestres, e o paulista do Tietê, Marcello Tupynambá (1889-1953), foi e continua sendo um mestre. Compositor, pianista e um dos maiores nomes da música brasileira, Fernando Álvares Lobo, que escolheu ser chamado pelo pseudônimo de Marcello Tupynambá (na época ele usava esta grafia, mas hoje se grafa com um l só e i no lugar de y) ganha uma homenagem à altura de sua obra. Em celebração aos 125 anos de seu nascimento, que acontece este ano, o pianista e pesquisador Alexandre Dias, e o bisneto do pianista, Marcelo Tupinambá Leandro, dedicaram-se a pesquisar a vida e a obra do compositor, e o resultado (ou parte dele, já que o projeto está em busca de patrocínio e o conteúdo levantado pela pesquisa ainda não está disponibilizado na íntegra) está no site Acervo Digital Marcello Tupynambá (www.marcellotupynamba.com), organizado por ambos com a colaboração de muitos amigos, instituições e familiares do compositor.

O site, dedicado à memória do compositor brasileiro, traz trechos de sua biografia, letras de centenas de canções, extensa discografia, vídeos, filmografia, imagens, listagem bibliográfica e um catálogo oficial com suas obras incluindo mais de 200 partituras para download livre.

A interface virtual ganhou uma arte inspirada em uma das fotos mais conhecidas do pianista, onde ele apoia o queixo em uma das mãos em expressão de profundo pensamento… A ilustração foi encomendada ao artista gráfico Ralfe Braga especialmente para as ocasiões de comemorações aos 125 anos de Tupynambá, como foi o caso do Festival Marcello Tupynambá, que contou com a participação de Sonia GoussinskyGiacomo BartoloniDenise Tavares, Anaí Rosa, Hercules Gomes, Grupo Papo de Anjo, Alexandre Dias e Deise Hattum. Organizado pelos dois últimos músicos, o festival aconteceu no Centro Cultural Mestre Assis, em Embu Artes e foi um momento especial para relembrar a obra deste importante nome da música brasileira e também para o Choro.

O site tem concepção e coordenação de Alexandre Dias, pesquisa de Marcelo Tupinambá Leandro e Alexandre Dias, assessoria para upload do conteúdo online de Douglas Passoni de Oliveira, e parceria com o Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros/USP, que mantém a coleção pessoal de Marcello Tupynambá, e que forneceu cópias digitalizadas de todo o material para disponibilização no site, com autorização da família.

Segundo Marcelo Leandro, Tupynambá era filho de músicos portugueses de sobrenome Lobo, seu tio, Elias Álvares Lobo, foi autor da primeira ópera escrita em português no Brasil, e seu pai, Eduardo Lobo, foi destacado no cenário musical de sua época para reger a orquestra que recepcionou D. Pedro II no interior paulista.

Também foi engenheiro formado pela Politécnica da USP, radialista, crítico musical e poeta. Teve ativa participação durante a Semana de Arte Moderna; foi amigo e colaborador das rodas literárias e artísticas onde conviveu com Villa-Lobos, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, etc.

Foi ao lado de Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha, fundamental na edificação de um estilo de composição que se tornaria paradigma na identificação de uma música verdadeiramente nacional.

Sua obra compreende mais de trezentas canções para canto e piano ou piano solo, incluindo outros gêneros como operetas, bailados, corais e quartetos de corda.

A música de Tupynambá exerceu enorme influência no gosto popular entre as décadas de 1910 e 1930. Os foliões, durante o período de carnaval, saiam às ruas entoando as melodias do autor, que eram, ainda, difundidas através dos teatros, cinemas, discos e mais tarde também através do rádio e TV, resultando num enorme índice de popularidade e aceitação. Famosas, as músicas de Tupynambá logo foram impressas e consumidas em forma de partitura.

As músicas de Tupynambá já receberam mais de 200 gravações desde 1913 até hoje por intérpretes como Pixinguinha, Francisco Alves, Inezita Barroso, Eudóxia de Barros, e foram reverenciadas por Villa-Lobos, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia e Darius Milhaud.

Site tem como um dos objetivos difundir a obra do compositor

Grande parte das músicas de Marcello Tupynambá permanece desconhecida do público em geral também porque, até pouco tempo, os músicos não tinham fácil acesso a suas partituras.

O descaso perante a obra de Tupynambá, que parece ser histórico, foi relatado primeiramente por Mário de Andrade, em artigo da década de 1920 para a revista cultural Ariel e em seu famoso livro Uma Pequena História da Música. O autor de Macunaíma queixava-se, já naquele tempo, dos músicos que abandonavam as partituras de Marcello Tupynambá como se fossem moda passageira. O pensador, que liderou uma geração de compositores comprometidos com o desenvolvimento de uma verdadeira música nacional, de Villa-Lobos, Camargo Guarnieri, Luciano Gallet e tantos outros, se referia à música de Tupynambá como um dos mais sólidos pilares da cultura brasileira. Dizia serem “escritas como entre o povo se faz arte”. E concluiu em 1924: “O que exalta a música de Marcello Tupynambá é a linha melódica. Muito pura e variada. O compositor encerra nela a indecisão heterogênea de nossa formação racial…é atualmente, entre os nossos melodistas de nome conhecido, o mais original e perfeito”.

O compositor francês Darius Milhaud, pertencente ao Grupo dos Seis (Les Six) em Paris, de passagem pelo Brasil no final da década de 1910, também descreveu a falta de atenção dos músicos brasileiros aos temas de Tupynambá. Milhaud classificou Tupynambá como “umas das glórias e joias da arte brasileira”, e afirmou que suas melodias seriam como estrelas–guia da nossa riqueza musical, ignorada, desperdiçada, sem maiores explicações. (“Tupynambá e Nazareth precedem a música de seu país como aquelas duas grandes estrelas do céu sulino, Centauro e Alfa Centauri, precedem os cinco diamantes do Cruzeiro do Sul” (Milhaud, in La Revue Musicale, 1920). Fez o que aconselhava a todo músico brasileiro: estudou-as e tratou ele mesmo de citar sete melodias de Tupynambá em uma das suas músicas mais interpretadas até os dias atuais, o balé Le Boeuf sur le Toit.

Villa-Lobos, em 28 de abril de 1923, concedeu um retrato autografado a Marcello Tupynambá, que juntamente com o retrato assinado do maestro Eleazar de Carvalho e Souza Lima, tinham lugares reservados em cima do piano do compositor. Numa outra ocasião, Villa-Lobos, considerado nosso maior compositor, afirmou ter composto uma sinfonia sob inspiração dos temas de Tupynambá, e assim escreveu na dedicatória: “Foi de um tema, de uma parte de tua alma sonora, filha dos trópicos de nosso Brasil, que criei esta sinfonia sertaneja”.

As partituras da coleção Marcello Tupynambá, em sua maioria, são para canto e piano, piano solo, coro, banda e orquestra. Uma obra extensa, composta por mais de trezentas partituras para canto e piano (canções) e piano solo, uma dezena de peças para coro e orquestra (operetas), outra dezena de músicas para orquestra sinfônica (bailados e trilha sonora) e ainda algumas composições para instrumento solo e piano (lendas para violino e piano) e outras para coro (motivos folclóricos e música sacra).

Toda essa diversidade de composições incluía colaboradores, letristas, parceiros e arranjadores. Os versos das canções de Tupynambá são de sua própria autoria e dos poetas Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Afonso Schmidt, Amadeu Amaral, Manuel Bandeira, Castello Netto, Olegário Mariano, Homero Prates, Alphonsus de Guimaraens, entre outra dezena de escritores, alguns representantes da Semana de Arte Moderna de 1922.

Participaram de arranjos de músicas suas os maestros Guerra-Peixe, Pixinguinha, Gabriel Migliori, Souza Lima e Gaó. Interpretaram suas canções Francisco Alves, Vicente Celestino, Silvio Caldas, Inezita Barroso e Zizi Possi. Gravaram suas músicas Pixinguinha e Oito Batutas, Altamiro Carrilho, Eudóxia de Barros e Mário de Azevedo.

Composições para o teatro, o cinema, rádio e TV

O teatro musicado pode ser considerado o primeiro divulgador da música de Marcello Tupynambá; tão logo suas canções faziam sucesso nos espetáculos, as canções passavam a ser editadas no formato de partitura e gravadas em disco. A partir de 1924, também o rádio se tornaria outro importante instrumento de divulgação de sua obra. Tupynambá foi pioneiro na função de diretor artístico das rádios Educadora, Bandeirantes, Record, Tupi e Gazeta em São Paulo. Para o cinema, escreveu trilhas sonoras e seu oficio no dia a dia, assim como o de Ernesto Nazareth, era acompanhar as fitas de cinema mudo.

Marcello Tupynambá atuou desde sempre para o reconhecimento e valorização da arte popular brasileira. Ele preocupava-se com a música regional, por exemplo: as modas e toadas do interior, com melodias simples e letras inspiradas em assuntos do cotidiano, eram recriadas em versão para voz e piano.

Atuando em diversos campos artísticos, o compositor deve ser considerado um legítimo representante da consolidação da canção brasileira como música nacional por excelência.

 

A matéria contou com a colaboração do pianista e pesquisador e Alexandre Dias, que pessoalmente, atendendo à solicitação dos editores da Revista do Choro, recebeu por email a matéria e, após lê-la, sugeriu poucas alterações, mas importantes inserções ao texto.

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Author: imprensabr