Zilda: uma mulher entre os Batutas


Leonor Bianchi

Este ano faz 115 anos do nascimento da grande atriz do Teatro de Revista brasileiro, Aracy Côrtes, e 100 da formação d’os Oito Batutas. Pouco se fala sobre a amizade de infância de Aracy com Pixinguinha e de suas participações em diversas apresentações dos Oito Batutas, inclusive no teatro, território que ela dominava. Nesse tempo, 1921, ela ainda não usava o nome Aracy; apresentava-se com os Oito Batutas como Zilda Côrtes.

Seu nome de batismo não era Aracy, mas sim Zilda de Carvalho Espíndola. Aracy Côrtes foi um nome artístico criado muito depois e como qual ela fez muito sucesso, como uma das maiores estrelas do Teatro de Revista brasileiro e o do rádio.

Sua carreira artística começou quando ela ainda era jovem e passou a integrar o grupo amador Filhos de Talma, e a se apesentar com a companhia do Circo Spinelli.

Na biografia de Aracy Côrtes – Linda Flor, publicada em 1984 pela Funarte, o autor Roberto Ruiz conta como ela ganhou seu nome artístico. Em um tarde, na redação do jornal A Noite, estavam conversando Mário Magalhães, crítico teatral do jornal, e Otávio Viana, o China, irmão de Pixinguinha. Eles estavam decidindo o repertório de uma série de apresentações dos Oito Batutas. Como havia somente homens no grupo, eles pensaram em inserir uma figura feminina, alguém que interagisse bem com o conjunto. China, que era compadre da mãe de Zilda, lembrou logo da garota que, desde pequena, acompanhava a ele e aos irmãos nas rodas de choro. Ele disse que a menina era boa mesmo! Porém, Mário Magalhães não gostou do nome Zilda para uma artista. Depois de pensarem bem, e citarem vários nomes, chegaram conclusão de que Aracy era um nome bem brasileiro. Mas Aracy de quê? A essa altura, outras pessoas se juntavam à conversa, como o secretário do jornal, Silva Ramos. Era preciso encontrar um sobrenome eufônico, que combinasse com o prenome. Eis que, nesse momento, entrou esbaforido, trazendo uma notícia urgente, um repórter policial da casa, conhecido por Côrtes. Mário Magalhães deu um pulo da cadeira, saudando o colega de jornal, que não entendera patavina do que estava acontecendo. Silva Ramos caiu na gargalhada e Mário se voltou para China com o novo nome da artista: Aracy Côrtes.

Porém, antes dela, já existia uma Aracy Côrtes. Que não era artista, mas professora.

5

Sobre Aracy Côrtes, a professora, encontramos algumas informações desde 1905, quando fazia seus exames finais de instrução primária através da Escola Modelo Benjamin Constant. Estagiou no ensino público, sendo efetivada em 1912. Fez seus estudos com distinção e ensinou em várias instituições, sendo uma professora conhecida e respeitada nas décadas de 1910 e 1920.

Grupo de alunos da professora Aracy Côrtes.
O Malho 1912.
http://memoria.bn.br

Já idosa, Aracy Côrtes, a artista, relembraria a coincidência: “… quem me arranjou esse nome foi o Mário Magalhães, de A Noite e eu não queria pseudônimo. Só Zilda estava bom; ficava mais cartaz. De repente, me aparece esse Aracy Côrtes que eu nem sabia quem era. Resultou que era uma inimiga pavorosa, uma professora que achou que eu tinha feito de propósito para achincalhá-la. Mas por quê? A arte é uma missão divina. Enquanto às vezes meu lar está de luto, o de vocês está alegre por causa da minha pessoa. De qualquer maneira pegou e ficou Aracy Côrtes”.

Zilda Côrtes ao lado dos Oito Batutas em Na casa da Chica do Velho Fluminense 22 outubro 1921

Zilda Côrtes ao lado dos Oito Batutas.
A Noite, 10 de outubro de 1921, p.5.
http://memoria.bn.br

Aliás, seria como Zilda Côrtes que ela faria sua estreia no teatro, em 15 de outubro de 1921 na burleta Na casa da Chica do Velho, onde interpretava Chica. O resto do elenco era interpretado pelos integrantes dos Oito Batutas e outros artistas: Mané Piqueno (Galleguinho), Octavio Vianna (Bolacha), José de Lima (Juca Ficha), Ernesto dos Santos (Porfirio Grosso), João Thomaz (Pinga-Fogo), Alfredo Santos (Pé Leve), Nelson Alves (Cambucá), Sizenando de Oliveira (Pendenga), José Monteiro (Boa Vida).

O teatro era o Polytheama Meyer, onde o grupo fazia apresentações. Em 22 de outubro, apresentavam a mesma peça no Theatro Eden.

Em 31 de dezembro de 1921, pouco depois de dois meses, ela estreava como Aracy Côrtes na revista Nós, pelas Costas, no Theatro Recreio. Até hoje, essa seria considerada sua estreia oficial. Ao menos foi a primeira como Aracy Côrtes.

Atravessando as décadas de 1920, 1930 e 1940 com grande sucesso no teatro musicado, em especial na Revista, ela fixaria seu nome na história de nossa música popular como uma de suas principais intérpretes.

Aracy Côrtes faleceria no Rio de Janeiro aos 80 anos, em 08 de janeiro de 1985.

Trago algumas gravações de Aracy Côrte na Columbia, onde ela registrou algumas de suas mais bonitas músicas. No samba À La Aracy, ela canta em francês “abrasileirado”, misturando francês com palavras em português. Quem me compreende é uma belíssima canção de Ary Barroso, muito dolente. Teu Desprezo é um ótimo samba onde Aracy faz seus improvisos; essas duas composições chegaram a ser tocadas na novela Kananga do Japão, da Rede Manchete, em 1989. Verde e Amarelo quase teve problemas com a censura, ao inserir acordes do Hino Nacional Brasileiro. A Minha Dor é um lindo samba, onde Aracy é puro sentimento. Moreno Faceiro também seria interpretado por ela aos 80 anos. Todas as músicas de primeiríssima qualidade na bela voz de Aracy Côrtes.

À LA ARACY
Samba de Júlio Cristóbal
Gravado por Aracy Côrtes
Acompanhamento de Seu Conjunto
Disco Columbia 22.024-B, matriz 381016
Lançado em maio de 1931

QUEM ME COMPEENDE
Canção de Ary Barroso e Bernardino Vivas
Gravada por Aracy Côrtes
Acompanhamento de Orquestra
Disco Columbia 22.035-B, matriz 381012-2
Lançado em julho de 1931

TEU DESPREZO
Samba de Arthur Costa
Gravada por Aracy Côrtes
Acompanhamento de Regional
Disco Columbia 22.035-B, matriz 381017-2
Lançado em julho de 1931

VERDE E AMARELO
Samba de Orestes Barbosa e J. Thomaz
Gravada por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra de Concertos Columbia, com Armando de Araújo ao piano
Disco Columbia 22.127-B, matriz 381262-3
Lançado em junho de 1932

A MINHA DOR
Samba de Oscar Cardona
Gravada por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra de Concertos Columbia
Disco Columbia 22.127-B, matriz 381263-3
Lançado em junho de 1932

RECORDAÇÕES DE UM PASSADO
Samba de Benedito Lacerda e Alcebíades Barcelos (Bide)
Gravada por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra Columbia
Disco Columbia 22.134-B, matriz 381281
Lançado em julho de 1932

MORENO FACEIRO
Samba de Custódio Mesquita
Gravado por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra Columbia
Disco Columbia 22.153-B, matriz 381325
Lançado em dezembro de 1932

VOCÊ É O HOMEM DO MEU PEITO
Samba de J. Cabral e M. Rodrigues
Gravado por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra Columbia
Disco Columbia 22.153-B, matriz 381332
Lançado em dezembro de 1932

TENHO VONTADE
Samba de Guilherme Pereira
Gravado por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra Columbia
Disco Columbia 22.203-B, matriz 381419
Lançado em 1933

BATE BATE
Samba de Ildefonso Norat
Gravado por Aracy Côrtes
Acompanhamento da Orquestra Columbia
Disco Columbia 22.203-B, matriz 381437
Lançado em 1933

imprensabr
Author: imprensabr