Por Leonor Bianchi
João Nogueira, sambista, malandro, suburbano. Intérprete e compositor. Soube cantar os maneirismos cariocas como ninguém. Intérprete da obra de Noel Rosa, Geraldo Pereira e Wilson Batista. Compositor de sucessos como ‘Espere, ó nega’, ‘E lá vou eu’, ‘Súplica’,‘Mineira’ e ‘Espelho’, esta última inclusive nos dá pistas em sua letra do que foi a infância de João e sua relação com o pai, João Batista Nogueira.
Pouca gente sabe, mas João Nogueira tinha uma relação com o Choro da mais alta intimidade. Sua casa, no Méier, era palco de reuniões musicais com os mais aclamados instrumentistas e chorões dos anos de 1950, 60, 70, 80…
O pai de João Nogueira, João Batista, era chorão e grande violonista. Talvez pip isso, o Choro chegou antes do samba na veia musical do sambista. Em entrevista ao Jornal ‘Última Hora’ publicada em 8 de abril de 1983, João Nogueira revela a relação do pai com a musica e sua convivência com o Choro dentro de casa desde a mais tenra idade.
“Meu pai, um sergipano, era um grande violonista, tocou no regional de Rogério Guimarães, tocou com Jacob do Bandolim, era amigo particular de Pixinguinha, Donga, João da Baiana, e muitas vezes levava esse pessoal lá pra casa, no Méier, pra tocar. Me habituei a ouvir os papas da música brasileira ao vivo. Eu ia dormir com eles tocando, e às vezes acordava com eles ainda tocando. Infelizmente outros jovens não têm essa formação de música brasileira, estão habituados a ouvir música no rádio, que, sempre, em todas as épocas – não só agora – deu preferência a coisas importadas.”. Mais adiante, na mesma entrevista, João Nogueira nos fala mais sobre seu pai:
“Era formado como Advogado, trabalhava no Ministério da Fazenda”. Perguntado se estas noitadas de música eram apenas nos fins de semana, responde:
“Não, meu pai era músico profissional. Chorão, violão de seis, da pesada.”
O pai de João Nogueira era violonista e compositor. Boêmio inveterado, realizava muitos encontros musicais em casa, onde aparecia a turma da Velha Guarda, com quem tocava. Pixinguinha, Donga e João da Baiana eram habitués. Morreu com 49 anos de idade, deixando esposa e os filhos Gisa Nogueira e João Nogueira, que tinha então 10 anos de idade.
João Batista Nogueira Júnior, o sambista João Nogueira, nasceu em 12 de novembro de 1941, no Rio de Janeiro e veio a falecer na mesma cidade em 5 de junho de 2000. Cantor e compositor, João Nogueira aprendeu a tocar violão de ouvido e com 15 anos já compunha com sua irmã. Em 1958 frequentava o bloco carnavalesco ‘Labareda do Meyer’, do qual foi diretor. Já com diversos sambas compostos, mas ainda restritos ao pessoal do Labareda, coube a Airton Silva (filho do saxofonista Moacir Silva, então diretor da gravadora Copacabana), também integrante do bloco carnavalesco, viabilizar a gravação, em 1968, da música “Espera, ó Nega”. Neste samba, João foi acompanhado por um conjunto de samba que depois passou a se chamar Nosso Samba.
Com 29 anos, João Nogueira compôs a canção “Corrente de Aço” que foi gravada por Elizeth Cardoso, graças à apresentação de outro freqüentador do Labareda, Paulo Valdez (compositor e filho da cantora). Adelson Alves, radialista da Rádio Globo tornou-se seu produtor e, em 1970, Nogueira lançou o disco Quem Samba Fica, com destaque para as faixas “Mulher Valente é Minha Mãe” (… “Dos seus 72 de existência / Tem 50 de sofrência / Mas não é de se encostar / Ela lava, ela passa e cozinha / E ainda vê três novelas na televisão…”) e “O Homem de um Braço”. Em 1971, Clara Nunes lançou “Meu Lema” (composta com Gisa Nogueira) e “Morrendo de Verso”; Eliana Pittman gravou “Das Duzentas pra Lá”. Com “Sonho de Bamba” – gravada em LP em 1972 – João Nogueira venceu um concurso na Portela, passando a integrar a ala dos compositores da escola.
Em 1974 lançou o LP E Lá Vou Eu e, no ano seguinte, Vem Que Tem, que trouxe a música “Mineira”, inspirada na cantora Clara Nunes, com citações de versos de outro mineiro, Ary Barroso. Sempre fiel ao samba e às suas representações, João Nogueira formou um time de craques (Luizão, no baixo; Wilson das Neves, bateria; Marçal, Luna e Eliseu no tamborim; Jorginho, no pandeiro, Moacyr Santos e Oberdan, nos saxs; e Dino e Rafael Rabello, nos violões 7 cordas) para gravar, em 1980, o disco Na Boca do Povo, repleto de sambas, maxixes, partidos-alto e sambas-canções.
Na década de 90 gravou quatro discos (‘Além do Espelho’, de 1992; ‘Parcerias – João Nogueira e Paulo César Pinheiro – Ao Vivo’, de 1994; ‘Chico Buarque, Letra & Música’ – João Nogueira e Marinho Boffa, de 1996; e ‘João de Todos os Sambas’, de 1998), sempre reforçando e renovando a cultura sambística através de suas interpretações, recheadas de carioquismo, malícia e ritmo. Em 1999, o último registro: ‘Esquina Carioca – Uma Noite com a Raiz do Samba’, onde João cantou ao lado de Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Walter Alfaiate, Moacyr Luz e Luiz Carlos da Vila em show gravado ao vivo no Tom Brasil em São Paulo. Depois de cinco derrames, uma isquemia cerebral e um acidente vascular cerebral, João Nogueira morreu em 5 de junho de 2000.
Fonte: Jornal ‘Última Hora’, 03 de abril de 1983.
Senti falta da menção aos choros “Baile no Elite” e “Chorando pelos dedos”, composições de João Nogueira em parceria com Nei Lopes e Cláudio Jorge, respectivamente.
muito bom.