Leonor Bianchi
Por mais de cinco décadas, a compositora, etnomusicóloga, professora e pesquisadora da música folclórica brasileira, Emília Biancardi, reuniu um acervo que compreende mais de 1.000 instrumentos oriundos dos cinco continentes. O patrimônio doado por ela para o Centro Cultural Solar Ferrão, do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), no Pelourinho, Salvador, (BA), foi o motivo de inspiração para o documentário baiano ‘Do Corpo à Caxirola – Uma Viagem pelos Instrumentos Tradicionais Brasileiros’, dirigido por Sophia Mídian’. O filme, que estreou em agosto, é uma viagem pelas tradições que formam a musicalidade “miscigenada” do Brasil.
O documentário dá continuidade à pesquisa iniciada pela diretora em parceria com a pesquisadora colombiana Maria Gabriela Gomez e a produtora executiva do projeto, Gina Reis, durante o Mestrado no Programa Multidiscilplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA, onde foram colegas de turma. A pesquisa investiga as atualizações da música tradicional na contemporaneidade e tem como objetivo provocar uma reflexão sobre a importância da manutenção das tradições e de sua valorização. O filme será utilizado como material didático em escolas e acervo de pesquisa em universidades e demais instituições, além de ser remetido a festivais de cinema nacionais e internacionais e prever a exibição em tevês públicas.
O filme também propõe discutir processos criativos, resgatar expressividades musicais na cultura popular e refletir a indústria cultural no campo da música. Entre os convidados que participam do filme estão a etnomusicóloga Emília Biancardi e o músico Carlinhos Brown, homenageado por Emília na criação do Caxixi Brown. Também fizeram parte do documentário lideranças e integrantes da banda Olodum; os professores Dr. Milton Moura (UFBA) e Juan Carlos Peña (Universidade Estadual do Amazonas); o povoado de Mundo Novo, representando o samba chula; e comunidades indígenas da região Amazônica, na fronteira entre Brasil e Colômbia.
O filme foi um dos projetos aprovados pelo edital setorial de museus do Fundo de Cultura, através da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) e IPAC.
Acervo com mais de mil peças de diversos países é o grande mote do filme
A riqueza da coleção de instrumentos musicais de Emília Biancardi serve de mote para o propósito do filme em investigar a relação de artistas com a criação e de um povo com a expressividade musical, em que o instrumento é o meio pelo qual a comunicação ocorre. Compõem o acervo do Centro Cultural Solar Ferrão mais de 1.000 peças coletadas ao redor do mundo, provenientes das mais diversas culturas materiais.
O acervo abriga ainda instrumentos elaborados e recriados pela pesquisadora para seus próprios projetos e espetáculos, com os quais ela rege, por exemplo, a Orquestra Museofônica da Bahia, composta por funcionários do Solar Ferrão. “Seja conservando resquícios de sua originalidade ou sofrendo sofisticações e apropriações, o instrumento musical atravessa o tempo”, destaca a diretora Sophia Mídian.
Para visitar a exposição permanente de Emília Biancardi, basta ir ao Centro Cultural Solar Ferrão/IPAC (Rua Gregório de Mattos, n° 45 – 71 3116.6743), Pelourinho, de terça-feira à sexta-feira, das 12h às 18h, e sábados, domingos e feriados, das 12h às 17h, com entrada gratuita.
Uma etnomusicóloga brasileira de renome mundial
Compositora, etnomusicóloga, folclorista, Emília Biancardi (Salvador, 10 de agosto de 1932) é especialista nas manifestações tradicionais da Bahia. Responsável pela Coleção de Instrumentos Musicais Tradicionais, acervo que compreende mais de 1000 instrumentos oriundos dos cinco continentes Nascida em Salvador, viveu sua infância e parte da adolescência em Vitória da Conquista, interior do Estado, o que lhe proporcionou os primeiros contatos com as manifestações populares que, desde então, a fascinavam. Em 1962 criou o grupo “Viva Bahia”, o primeiro e mais importante grupo parafolclórico do Brasil, na época. Levando para os palcos do mundo inteiro a materialização de incansável pesquisa do repertório musical afro-baiano.
Perfeccionista ao extremo, a professora Emília Biancardi sempre procurou expressar nos seus espetáculos o que de mais genuíno existia na cultura baiana. Para a formação dos seus alunos, reuniu os melhores representantes das manifestações culturais de Salvador e do Recôncavo Baiano. Como professora do Colégio Estadual Severino Vieira, Biancardi idealizou, em 1968, a Orquestra Afro-Brasileira, usando instrumentos tradicionais, e outros criados e confeccionados por ela e pelos alunos. Criou e dirigiu por 10 anos a Fundação Yabás Arte Brasil em Woodstock-Nova Iorque, EUA. Compõe músicas para balés e peças de teatro, aplicando os conhecimentos adquiridos através de pesquisas da música folclórica rural e urbana. Tem seis livros publicados (“Lindro Amo”, 1968; “Cantorias da Bahia”, 1969; “Viva Bahia Canta”, 1970; “Dança da Peiga”, 1983; “Olelê Maculelê”, 1990 e “Raízes Musicais da Bahia”, 2001), além de textos sobre a música tradicional publicados em livros e revistas no Brasil e exterior. Lançou três LPs pela Philips do Brasil (“Viva Bahia nº. 1”, “Viva Bahia nº. 2” e “Folclore Rural”) e um Cd pelo Club House Studio Germantown, Nova Iorque, EUA.