Thaty Mariana Fernandes*
Produção de Conteúdo: Leonor Bianchi
Quem procurar este nome na Enciclopédia da Música Brasileira da Art Editora/Publifolha vai ver que está errado. Trocaram “Pousa” por “Pessoa”, hahahaha!!!
Não há vestígios muito visíveis de uma história musical desta cidade. Parece que os músicos em atividade hoje em dia são os pioneiros. E o que não tem história não tem personalidade. Aqui estão as informações que eu apurei sobre a sua interessante biografia:
Belmácio nasceu em Piracicaba em 27 de maio de 1892. Seu pai era um pedreiro espanhol e a sua mãe uma costureira portuguesa. Era o segundo entre nove irmãos. Em 1914 formou-se professor primário na Escola Normal de Piracicaba. Mas ele também gostava de bater uma bolinha. Este ponta direita e atacante foi um dos fundadores do Esporte Clube XV de Novembro Piracicabano em 15 de novembro de 1913. Em 14 de julho de 1917 muda-se para Ribeirão Preto, contratado para jogar no Comercial Futebol Clube – fundado em 1911 por um grupo de lojistas. Ali Belmácio viveu a glória: participou da famosa excursão ao Norte, aqui narrada por João Palma Guião no livro História de Ribeirão Preto – vol. 1 de Rubem Cione, págs. 280-281:
“Naquela manhã fria do dia 27 de abril de 1920 a antiga estação da Mogiana (…) regorgitava uma multidão (…). Era o Comercial F. C. que partia para os campos de Pernambuco e Bahia para uma excursão sem precedentes. (…) A Embaixada comercialina compunha-se dos futebolistas: Alvino Grota, Antonio Dantes, Lourenço Parera, Timóteo Grota, José Franco, João Palma Guião, Belmacio Pousa Godinho, João Fernandes, Benedito Rodrigues Santos (Zé Macaco), Joaquim Marques Carvalho (Quinin), Sebastião Rodrigues Moraes (Zico), Augusto Ache, Alberto Lorenzon, Orestes Moura Pinto, José Guimarães (…). Os resultados foram os seguintes: 1o no jogo contra o selecionado de Pernambucanos Natos empatamos por 1 a 1. 2o jogo contra o Esporte Clube Recife, ganhamos por 2 a 1. 3o jogo contra o Náutico Capiberibe ganhamos por 2 a 0. 4o jogo contra o Santa Cruz ganhamos por 1 a 0 (…). O 5o jogo contra o América F.C., que era o tri-campeão do Norte e era denominado o Leão do Norte, ganhamos por 4 a 1 e o 6o jogo contra o Selecionado da Liga Pernambucana de Futebol, ganhamos por 5 a 2. De regresso, ao passar pela capital da Bahia, enfrentamos o Selecionado da Liga Baiana de Futebol e vencemos por 2 a 1, trazendo inúmeras taças, bronzes, prêmios, cartões conquistados nas disputas. A imprensa do Rio de Janeiro, São Paulo e de todo o Brasil saudou o inédito feito do Comercial, por ser o único clube que até então e por muitos anos depois a fazer uma excursão invicta, sem precedentes. A recepção ao regresso da Embaixada foi estrondosa, com Bandas de Música, Arcos de Triunfo, multidões da cidade e da região, vindas para aplaudir com entusiasmo vibrante os vitoriosos leoninos (…).” [O time ganhou o apelido de Leão do Norte nesta ocasião].
Ao voltar do norte Belmácio compôs na flauta a melodia do hino do Comercial F. C.. Esse mesmo time, em 1921, goleou o Palestra Itália por 5 a 2 pela Taça Círculo Italiano, empatou com a Seleção Argentina por 1 a 1 em 1923, e em 1927 venceu o Peñarol do Uruguai em amistoso. Belmácio foi eleito seu presidente em 1960. Devoto de Santo Expedito, padroeiro dos desportistas, construiu no estádio Plínio de Palma Travassos uma capela para o santo.
Mas vamos à música: Belmácio ganhou sua 1a flauta de uma tia, quando era criança, e aprendeu as primeiras melodias com um dos irmãos. Sua primeira flauta profissional foi trazida da Itália por seu amigo Patápio Silva. Ao chegar em Ribeirão Preto foi recebido com um sarau na Sociedade Legião Brasileira, clube filantrópico e cultural da alta sociedade. Nesta ocasião tocou algumas das suas composições. Anos depois casou-se com uma mocinha chamada Tanina Crisci Innechi, de boa família, freqüentadora da Legião.
Em 1919 abre A Musical, loja que por mais de 60 anos funcionou na rua General Osório. Hoje em dia a sua família tem a loja Belmácio Pianos, na avenida Independência. Revendendo pianos alemães, em 1924 conseguiu ser representante e importador exclusivo dos pianos Niendörf na região. Devido ao seu sucesso nas vendas a fábrica mandou-lhe um piano de presente onde a marca foi substituída pelo seu nome gravado a ouro. Belmácio foi o maior vendedor de pianos do interior segundo a memorialista Miriam Strambi. Em uma apresentação na cidade, cedeu um dos seus pianos para Guiomar Novaes.
Foi seresteiro, tocou em festas litúrgicas, companhias de revistas e óperas, festas escolares e na “Orchestra Lozano”. Também teve pequenas orquestras que tocavam em bailes de formatura, reuniões cívicas, atividades artísticas e cinemas, quando os filmes ainda eram mudos. Começou a editar suas composições provavelmente depois de 1910, e em 1916 suas partituras já eram anunciadas em jornal. A revista carioca O Malho publicou muitas delas. Presenteou muitos fregueses com suas composições, de melodias simples e fácil memorização. Compôs músicas sertanejas, jingle para propaganda, polcas, mazurcas, choros, dobrados, valsas, fox-trots, scottiches, enfim, o que era popular na época. Benedito Gomes da Costa, professor de português piracicabano, foi letrista da maioria das suas músicas. Foi gravado por Alberto Calçada e seu Conjunto (Supremo Adeus, Ilusão que Morre, Suspiros e Lágrimas, Mar de Rosas, Jamais Voltarei, Ideal Desfeito e Dor Secreta), Theodorico Soares (Saudades do Meu Velho Braz, Dor Secreta), acompanhado pelo conjunto Poly. O Mulatinho (maxixe) tornou-se conhecida internacionalmente pelas gravações de Gaó e Sua Orquestra Brasileira nos EUA e Roberto Inglez e Sua Orquestra, na Inglaterra. Gravaram-na também Alberto Semprini, pianista italiano, Hebe Camargo, cantora de MPB e Dante Santoro e seu conjunto. Roberto Inglez orquestrou O Mulatinho e veio a Ribeirão Preto conhecer Belmácio, que lhe ofereceu muitas outras partituras. Outros intérpretes: Jayme Costa, Os Garridos, Batesta Jr., Jazz-Band Moderno, Os Oito Batutas, Vicente Celestino e Orchestra Andreozzi (Cine Odeon do RJ), segundo Miriam Strambi.
Faleceu em 1980. A professora de música Miriam Strambi escreveu no início dos anos 80 um livro contando a sua biografia, com o nome da sua composição preferida, Supremo Adeus – composta em homenagem a Piracicaba. Mas esse livro não chegou a ser publicado.
* Thaty Mariana Fernandes
Pesquisadora de Música Popular Brasileira, autora do livro ‘Música e distinção social em Ribeirão Preto’, 2012, Bookess.
Imagens: Arquivo público municipal de Ribeirão Preto e acervo da família Barreto.