As mulheres e o violão: um breve apanhado do cenário brasileiro de violonistas

Por Anderson Reis*

Quantas mulheres violonistas você conhece? Digo, do tipo que se dedica a música instrumental. Dessas que apenas tocam violão e não necessariamente se dedicam a cantar. E quantos violonistas homens você conhece? As mulheres e o violão possui ligações interessantes e e isso que voce vai conhecer agora.

Antes de apresentar uma breve pesquisa sobre as violonistas brasileiras quero contar como se deu minha percepção sobre o as mulheres e o violão.

Na adolescência, durante a minha formação, na Casa de música em Ouro Branco, conheci apenas duas meninas que tocaram violão além do básico.

Nesta escola tem aulas de violão clássico, violino, viola, piano, contrabaixo, violoncelo, clarineta, flauta etc. No curso de violão a presença feminina não tinha um número considerável, enquanto que nos outros cursos havia mais mulheres.

Posteriormente, quando tornei-me professor, nesta mesma escola em que estudei, curiosamente tive mais alunas de violão.

Elas eram mais interessadas, estudiosas e assíduas. Acho que eram quase 70% alunas de violão do total.

Quando entrei na universidade (UFMG, 2010) para estudar música, não havia nenhuma garota no bacharelado em violão. E até o ano de 2017, quando estava na instituição fazendo o mestrado, não tive o conhecimento de ter entrado, na graduação, nenhuma mulher.

Enquanto que na pós-graduação soube da Cláudia Garcia, atualmente professora de violão da UEMG, e a Renata Mendes, mineira de Juiz de Fora, fazendo o seu mestrado.

Então surge a pergunta: Qual a razão de haver poucas mulheres envolvidas com o violão instrumental ou erudito/clássico no Brasil? Se na minha experiência percebi que as mulheres tinham mais dedicação ao violão, o que faz com que elas não continuem estudando violando por longos anos? Seria por não se sentirem representadas nesse meio?

Você vai ler por aqui

Mulheres e o violão, uma foto interessante

Durante o meu percurso no mestrado, o qual pesquisei e transcrevi peças do compositor paraense Waldemar Henrique, encontrei uma foto que me intrigou bastante. Se quiser saber mais sobre a minha pesquisa clique aqui

Na imagem abaixo estão o compositor ao centro, Antônio Rebello e Isaias Sávio. Ao redor deles havia um grupo grande de alunas e alguns alunos de Antônio Rebello, se observarmos bem em sua maioria mulheres.

Esta foto nos dá boas pistas sobre as mulheres e o violão no Brasil.

Sem exagero, podemos falar que há quase o dobro de mulheres violonistas.

São 14 mulheres segurando o violão e 8 homens. Esta foto foi tirada após a apresentação das alunas e alunos de Antônio Rebello, na sala Leopold Miguez, da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, atualmente escola de música da UFRJ.

Muito interessante ver tantas mulheres nesta foto, deveria ser uma consequência, que nos anos posteriores ao registro, teríamos mais representatividade feminina no cenário artístico musical do violão instrumental.

Só para termos uma ideia, nesta imagem há várias figuras importantes para o estabelecimento de uma escola de violão no Brasil, Isáias Sávio que foi professor de violonistas renomados, Antônio Rebello, avô do duo dos Irmãos Abreu e Jodacil Damaceno, um dos precursores do violão nas universidades brasileiras.

Se não me engano, a mãe dos irmão Sérgio e Eduardo Abreu está bem ao lado de Waldemar Henrique, segurando um violão. E possivelmente ela deve ter exercido um papel fundamental na formação dos músicos.

Assim acredito que deveria haver um protagonismo feminino no violão mais expressivo. Porém, não é o que vemos, por isso torna-se importante questionarmos e refletirmos sobre o universo feminino na cena violonística brasileira.

E será que alguma das mulheres da foto se profissionalizou como violonista ou professora?

Monina Távora – A professora de violão

Adolfina Raitzin de Távora mais conhecida como Monina Távora (leia mais aqui) foi uma
violonista e professora de violão, teve aulas regulares com Andrés Segovia, e nos anos 50 deu um recital inesquecível no no teatro da Escola nacional de Música do Rio de Janeiro, provavelmente, mesmo local da foto acima. No podcast do Fábio Zanon (link referenciado abaixo) há algumas gravações da instrumentista.

Além de suas qualidades artísticas, Monina Távora foi uma excelente professora de música e violão tendo estudado com ela dois grandes duos de violão brasileiro. Duo Abreu e o Duo Assad.

Ela foi uma mulher muito importante para o violão Brasileiro por ter tido um papel crucial para a formação dos instrumentistas.

Pode-se ver um depoimento emocionado do Sérgio Abreu e Sérgio Assad citando a importância de Monina tanto musicalmente como pessoalmente. Leia aqui.

Seriam as Musas?

Há muito tempo lembro de ter visto um site, no mar aberto da internet, onde era possível visualizar várias imagens de quadros, do qual a temática principal que unia as imagens eram os instrumentos de cordas dedilhadas (alaúde, vihuela, bandolin, teorba, guitarras barrocas etc.) e era possível filtrar por diferentes períodos.

Quando selecionado um período, por exemplo o barroco, se visualizava as pinturas da época, e adivinha o que mais se via? Pinturas de mulheres tocando instrumentos, “parentes antigos” do violão moderno.

Posteriormente, procurei bastante o site e não o encontrei mais, era muito interessante poder observar a tendência em diferentes épocas.

Então, cheguei a cogitar que estes instrumentos de cordas dedilhadas estavam mais ligados a mulheres, naquela época, mas isso é baseado apenas no meu “achismo” e na minha assimilação sobre as pinturas.

Uma possível explicação para estes quadros pode estar ligada a tradição de retratar as musas em pinturas, elas seriam fontes de inspiração sobrenatural dos artistas e trariam mais legitimidade à arte.

O referido site não encontrei, mas há diversas imagens que exemplificam o que foi dito acima. Clique aqui para ver.

Só pra termos uma ideia, as imagens no site eram como estas abaixo.

As mulheres e o violão: um breve apanhado do cenário brasileiro de violonistas 2 — Woman playing guitar by Simon Vouet – Mulher tocando violão –

As mulheres e o violão: um breve apanhado do cenário brasileiro de violonistas 3 — Woman playing guitar by Simon Vouet – Mulher tocando violão –

Mulheres violonistas, compositoras e Luthiers

Saindo da esfera especulativa, compartilho com vocês duas páginas que se dedicaram a catalogar as mulheres no universo do violão.

Não sei certamente o quão atualizadas são estas páginas, mas certamente vai ampliar a sua percepção de mulheres no mundo do violão. Clique AQUI.

A página é escrita, pela violonista belga Gaëlle Solal, que possui uma atuação de destaque no violão solo. As mulheres que desejarem entrar nesta lista basta enviar um e-mail, no próprio site tem as orientações.

Falando de intérpretes há de se lembrar também das compositoras. Se quiser conhecer mulheres compositoras para violão visite este site. No final deste artigo há dois links de playlists de mulheres compositoras sendo interpretadas por mulheres violonistas.

Devemos lembrar também das mulheres que constroem violão (Luthiers) neste link é possível ver uma lista de várias luthiers no mundo. Aqui no Brasil sei apenas da Monicky Zaczéski. (Clique sobre o nome para conhecer melhor o trabalho). Quem conhecer outras Luthiers por favor contribua.

Em relação as mulheres violonistas brasileiras no site da Gaëlle Solal há apenas duas listadas as paulistas Ana Maria Bedaque e a jovem Camila Silva.

Com certeza temos um cenário muito mais interessante e rico, como por exemplo, as seguintes violonistas.

Uma breve lista das mulheres violonistas brasileiras

As mulheres e o violão: um breve apanhado do cenário brasileiro de violonistas 6 — Terezinha Prado

As mulheres e o violão: um breve apanhado do cenário brasileiro de violonistas 7 — Terezinha Prado

Violonistas que ainda faltam acrescentar no quadro Livia Canola, Marcia Braga.

Estas são as mulheres violonistas que lembrei e as que consegui pesquisar, obviamente há muito mais neste país. Por favor, indiquem mais mulheres violonistas nos comentários, assim que puder atualizo aqui.

Com certeza várias destas mulheres violonistas mereceriam um post destacando suas qualidades musicais e relatando a luta que deve ser mulher no meio musical tão masculino.

Para saber mais sobre as mulheres e o violão no Brasil na série de rádio apresentada por Fábio Zanon é uma fonte riquíssima para quem não apenas conhecer mas também ouvir importantes mulheres tocando violão. Inclusive mulheres que foram listadas no quadro acima (Monina Távora, Maria Lívia São Marcos, Olga Praguer Coelho, Maria Haro entre outras).

Recomendo muito esta série de podcasts de forma geral. Clique no texto em destaque para acessar o link.

Mulheres e o violão I

Mulheres e o violão II

Para esta pequena lista considerei as que tocam violão instrumental, ou já se dedicaram um momento de suas carreiras artísticas.

Sobre Mayara Amaral

A violonista Mayara Amaral merece um destaque neste artigo, pois desenvolvia uma pesquisa que tinha como objetivo analisar e apresentar um breve relato biográfico sobre as obras de compositoras brasileiras da década de 1970. Leia a pesquisa neste link.

A violonista era uma “virtuose rara e pesquisadora, Mayara tornou-se símbolo no debate de gênero sobre o violão no Brasil e da luta contra o feminicídio”. Veja os vídeos da instrumentista aqui e veja por você mesmo.

A violonista foi brutalmente assassinada após se encontrar com um homem. Leia mais sobre a violonista aqui.

Com certeza a história das mulheres e o violão no Brasil fica empobrecida sem a presença de Mayara Amaral.

A incrível Francisca Edwiges Neves Gonzaga

Há ainda muito que se valorizar o trabalho e a vida da pianista, compositora, regente e militante popularmente conhecida como Chiquinha Gonzaga.

Um episódio curioso na vida da artista e que tange ao violão se deu na noite do dia 30 de agosto de 1889, que segundo a sua biógrafa Mariza Lira, teria sido a música Sábia da Mata executada por quase sem violões no palco do Teatro de São Pedro (atual teatro João Caetano).

E na mesma noite ainda o fado brasileiro Caramuru foi dançado e cantando acompanhado de violões, pandeiros e violas por diversos amadores.

Com certeza foi um momento histórico para a compositora assim como para a história do violão.

O instrumento nesta época ainda carregava uma série de preconceitos e quem tocava o instrumento era considerado vagabundos, e provavelmente, pouquíssimos violonistas que estariam na orquestra nem sabiam ler música.

Este momento foi retratado na mini- série de 1999 da rede globo sobre a compositora, veja aqui um trecho de 2 min.

Com este breve apanhado sobre as mulheres e o violão acredito que dá para termos uma ideia mais abrangente do trabalho que elas vem realizando.

Com certeza há muito mulheres realizando os seus trabalhos em salas de aulas, ONGs, associações culturais e em universidades.

Sugestões e críticas são sempre importantes, se tiver alguma de qualquer natureza podem falar diretamente pelo link do whatsapp flutuante ou deixar na sessão de comentários abaixo.

Para ficar ligado

Concurso de violão só com mulheres que aconteceu ano passado nos EUA. – 2018 Women of Guitar Festival and Competition

No Yotube há a concurso de 2017 na íntegra.