A face chorona de Luiz Bonfá


Por Lucas Félix e Jorge Carvalho de Mello*

Luiz Bonfá, violonista, compositor, arranjador e cantor, é dono de um repertório versátil, sendo possível encontrar em sua obra ritmos e gêneros variados que vão da música espanhola ao Choro, aliados à sua forma única de tocar violão. É autor de composições de grande sucesso, como “Manhã de Carnaval”, “Correnteza” e “Samba de Orfeu” entre outras, além de ser um dos autores brasileiros mais tocados pelo mundo. Nomes como George Benson, Frank Sinatra, Tonny Bennett, Dizzy Gillespie, Elvis Presley, entre outros, foram interpretes em gravações das composições de Bonfá.

Dentro dessa versatilidade de sua obra, vamos abordar seu lado dedicado ao Choro, o qual possui uma riqueza de repertório e características musicais peculiares. Luiz Bonfá alcançou com maestria uma linguagem que aborda o gênero, imprimindo sua concepção musical, sem descaracterizar o estilo proposto. Para entendermos melhor sua face chorona, passaremos antes pela história de seu desenvolvimento musical.

Do subúrbio carioca para o mundo

Bonfá nasceu no Rio de Janeiro e na infância morou no bairro de Santa Cruz, onde seus pais foram contemplados com uma casa através de um programa do governo. Iniciou no violão com seu pai, o qual gostava muito de música e era amigo de músicos como Bororó e Pixinguinha. Em seguida tornou-se aluno do grande professor e violonista uruguaio Isaias Sávio.

Aos 12 anos, o jovem violonista já participava de programas no rádio e já era conhecido como “O Menino de Ouro da Rádio Guanabara, com o seu violão mágico”. Em 22 de março de 1936 obteve a terceira colocação no concurso ”Hora do Guri”, na Rádio Tupi.

Luiz Bonfá aos 12 anos. (Acervo Diário da Noite)

Luiz Bonfá aos 12 anos. (Acervo Diário da Noite)

Em 1944, Bonfá passa a integrar o Trio Campesino, atuando como violonista e vocalista. O Trio era liderado pelo paraguaio Amado Smendel e chegaram a gravar um 78 RPM pela Continental em 1945.

Em 1946, Bonfá inicia uma amizade com aquele que viria a ser um dos seus principais influenciadores no meio musical: Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto. Eles iniciam ensaios para a estreia do Clube da Bossa. Posteriormente os dois viriam a realizar mais outros trabalhos em rádio e apresentações.

Luis Bonfá em uma turnê na Europa

Luiz Bonfá em uma turnê na Europa

Em depoimento de Bonfá à revista Guitar Player Brasil, em fevereiro de 1997, é possível perceber a importância de Garoto em sua carreira musical: “Devo-lhe muita coisa, inclusive os meus primeiros trabalhos em rádio, na Tupi e na Nacional. Foi minha única grande influência. Nos reuníamos na casa dele em Copacabana e tocávamos por horas a fio. Ele já tinha, no início dos anos 50, um balanço diferente, era mais avançado que os outros”.

A partir de 1946, Bonfá passa a integrar o conjunto Quitandinha Serenaders que realizou, até 1952, 12 gravações em discos 78 RPM e participou de diversos filmes. Com o fim do conjunto, Bonfá passa a se apresentar tocando violão elétrico em alguns conjuntos, que atuavam principalmente em gravações de discos. O mais importante disco de Bonfá neste período foi o 10 pol “Luiz Bonfá”, gravado pela Continental em 1955, do qual participaram Tom Jobim, Altamiro Carrilho, João Donato e Nestor Campos, dentre outros.

Dentro de sua trajetória musical, outra parceria de Bonfá que merece destaque por sua influencia foi a de Tom Jobim, o qual mais tarde viria a tornar-se um dos grandes expoentes da bossa-nova.  Eles se conheceram em uma pescaria sendo ambos já contratados pela gravadora Continental. Bonfá já tinha seu nome reconhecido e prestigiado enquanto Tom Jobim iniciava sua carreira. Dessa parceria resultaram musicas como Engano, A Chuva caiu, Samba não é brinquedo, Amor sem Adeus, O Barbinha branca, Domingo Sincopado e Correnteza.

Em 1956, Bonfá atua como violonista da peça “Orfeu da Conceição”, escrita por Vinicius de Moraes, com músicas de Tom Jobim, solando admiravelmente a “Valsa de Eurídice”. Sua carreira violonística ganha maior projeção após viagem aos Estados Unidos no final de 1957. Lá ele participa de uma excursão acompanhando a cantora Mary Martin e ainda grava dois LPs: Alta Versatilidade e Amor.

Já de volta ao Brasil em 1959, Bonfá realiza mais um importante trabalho: compõe duas músicas para o filme “Orfeu do Carnaval”, uma adaptação da peça de Vinícius de Moraes. As composições, com letras de Antonio Maria são: “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, as quais fizeram grande sucesso mundial.  

No período em que o sucesso da Bossa Nova passava a eclodir, Bonfá então compõe e grava músicas para esse estilo. Em 1962 ele se apresenta no Carnegie Hall, obtendo destaque, assim como outros brasileiros como João Gilberto, Tom Jobim e Agostinho dos Santos.

 Ao olharmos para a trajetória de Luiz Bonfá, vemos em sua formação uma base sólida vinda do violão clássico, passando por conjuntos com formações variadas os quais alimentaram seu alicerce como musico popular, recebendo influencias da musica estrangeira e ainda influências importantes de compositores e instrumentistas como a de Garoto e Tom Jobim.

Luiz Bonfá morreu no Rio de Janeiro em 12 de janeiro de 2001, por complicações do Mal de Alzheimer.

 

Legado e contribuições

 “A concepção harmônica de Luiz Bonfá sempre me impactou muito. Era um violão diferenciado, com movimento de vozes, com contraponto, um conceito orquestral ainda não superado na música brasileira. Um violão tratado como uma pequena orquestra. Isso me influenciou muito nos trabalhos de transcrição e harmonização que passei a fazer”.

                                                                                                                             Carlos Barbosa-Lima

 

Um dos precursores da Bossa-Nova, sua discografia é vasta, ampliando o repertório não só para o violão solo, mas também para conjuntos musicais. Sua obra é estudada por instrumentistas do mundo todo.

No violão, promoveu inovações como utilizar-se do baixo simultâneo a melodia e também de uma técnica chamada “Brushing” onde se “raspa” as cordas com a palma da mão direita em movimentos rápidos para baixo e para cima, obtendo-se um efeito diferenciado na execução das musicas.

“O Bonfá era uma pessoa que tinha uma técnica diferente dos outros. Era uma técnica mais leve, mais suave, ele não punha pressão no violão, ele tocava muito leve, deslizava como se fosse uma cascata musical”.

                                                                                                                             Carlos Lyra

 

“Ele tinha um jeito particular de tocar. É raro um músico que seja tão bom intérprete e compositor como ele era, como o Baden Powell era”.

                                                                                                                             Toninho Horta

 

O Choro de Luiz Bonfá

Ao analisarmos o repertório de Choro deixado por Bonfá, encontramos obras que seguem as linhas gerais da estrutura do gênero, utilizando-se de harmonias modernas, seguindo uma tendência da década de 50 para as composições.  Nas gravações dos choros, também é possível notarmos formações dos conjuntos musicais diferentes daquelas dos Regionais, porém sem descaracterizar a forma do Choro, seguindo mais uma tendência desse período de modernização do estilo, assim como Altamiro Carrilho e Sivuca também o fizeram.

O repertório leva não só sua assinatura, mas também algumas composições feitas em parceria com Tom Jobim. Destacamos sete choros para a abordagem: Pescaria em Paquetá, Garoto (homenagem a Anibal Augusto Sardinha), Canção de Outono, Velhos Tempos, Pescando Pampo, Chora Chorão e Barbinha Branca, sendo esta última em parceria com Tom. “Barbinha Branca” inclusive foi o choro que inspirou João Gilberto a compor “Um Abraço no Bonfá”.

 O LP “Luiz Bonfá” de 1955, o qual possui as faixas “Chora Chorão” e “Barbinha Branca”, por exemplo, nos reforça a analise acerca da formação do conjunto musical que se era utilizada para a gravação. Aqui, cabe uma curiosidade histórica, onde o crítico musical Jayme Negreiros anunciou (na seção Discos, em O Jornal, de 19/09/1954) o lançamento do LP, com os seguintes integrantes: Cláudio (violino), Donato (harmônica), Nestor Campos (violão seco), Gagliardi (baixo) e Juca Stockler (bateria).  O LP, porém, teve reforços significativos: Tom Jobim (piano), Altamiro Carrilho (flauta), Quinídio (sax tenor) e Vidal (contrabaixo).

Observando a formação nesse LP, notamos a diferença para um Regional, o qual basicamente utiliza-se violões de 6 e 7 cordas, flauta, pandeiro, cavaquinho, bandolim, saxofone e clarinete.

Essa modificação na formação do conjunto resulta em alguns aspectos de sonoridade que marcam essa fase, observando, por exemplo, a ausência das baixarias, marcada pelo violão de 7 cordas, instrumento o qual não participa da formação utilizada.

O choro “Velhos Tempos”, por exemplo, apresenta uma estrutura que retrata bem essa modernização, possuindo até uma linha melódica diferenciada. “Velhos Tempos” encontra-se no Lp de 1954, gravado por Bonfá e seu conjunto, formado por Tom Jobim, João Donato, Copinha, Gagliardi e Juca Stockler. Este choro foi também gravado pelos músicos Dick Farney e Edú da Gaita.

Conclusão

Ao olharmos para a carreira e o desenvolvimento musical do violonista/compositor bem como para sua discografia, podemos afirmar que sua contribuição musical vai muito além do sucesso de suas músicas que alcançaram o grande publico, Bonfá deixa uma identidade musical característica, marcada por sua refinada técnica nas execuções e uma concepção harmônica inovadora em seus trabalhos, inclusive dentro do gênero do Choro, onde constatamos sua capacidade de fazer uso da estrutura e forma do gênero, sem descaracteriza-lo, seguindo uma tendência dos anos 50 de modernização do estilo.

 

Referencias bibliográficas

-Pesquisa e levantamento bibliográfico: Jorge Mello

http://www.violaobrasileiro.com.br/dicionario/visualizar/Luiz-Bonfa

 – Revista Guitar Player Brasil (fevereiro 1997)

– Diário da Noite, edição de 20 de março de 1930

Foto de Luis Bonfá usada no banner principal da homepage do site: Diário da Noite, edição de 20 de março de 1930.

Lucas Félix

*Lucas Félix 

é músico, violonista, em 2015 gravou seu primeiro CD solo, “Meditación”, tornando-se o primeiro brasileiro a fazer o registro das obras do espanhol Carlos Garcia Tolsa. Já participou de programas de rádio e TV e ainda realizou gravações exclusivas para a Rádio MEC FM RIO e para o portal “Acervo Digital do Violão Brasileiro”. Atuando como concertista, já se apresentou por diversas cidades do Brasil, além de desenvolver intensa atividade de pesquisa sobre a música e o violão e a se dedicar ao ensino da música.

Jorge carvalho de Mello

*Jorge (Carvalho de) Mello é mestre e bacharel em Física pela UFRJ, atuando como professor do Departamento de Fisica da UFRRJ de 1986 à 2016.

*Estudou violão no Centro Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical (CIGAM), na década de 90 com Domingos Teixeira e Luiz Otávio Braga. Na mesma época fez curso de Composição com Ian Guest.

* Organizou as Terças Musicais na UFRRJ, no início da década de 90.

*Em 1994 inicia a pesquisa sobre o Violão Brasileiro, tendo entrevistado diversos violonistas de destaque, como Turibio Santos, Helio Delmiro, Guinga, Marco Pereira, Duo Assad, Egberto Gismonti, Paulo Bellinati, Paulinho Nogueira, Baden Powell, Sebastião Tapajós e o grande pesquisador e colecionador Ronoel Simões.

*Lançou em 1999 o CD Voz e Silêncio, com 10 composições de sua autoria, interpretadas pela cantora Myriam Eduardo e com participações de Guinga e Carlos Malta.

*Coautor do livro Caminhos Cruzados, a vida e a música de Newton Mendonça (editora Mauad, 2000), sendo responsável pela parte musical do mesmo.

*Aparece como verbete no Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira.

*Autor do ensaio “Brazilliance Vol 1, uma experiência inovadora” sobre o violonista Laurindo Almeida, publicado em MÚSICOS DO BRASIL-UMA ENCICLOPÉDIA INSTRUMENTAL, em 2008, idealizado por Maria Luiza Kfouri.

*Entrevistado principal do programa PONTAPÉ INICIAL, da ESPN Br, em 29/02/1/2008, onde cantou ao violão músicas de Newton Mendonça e Tom Jobim e contou casos interessantes da vida artística desses compositores.

*Na Escola Portátil de Música estudou violão com Paulo Aragão e João Lyra e harmonia com Marcilio Lopes e Bia Paes Leme.

*Autor da biografia Gente Humilde: Vida e música de Garoto (edições Sesc São Paulo, 2012), fruto de uma pesquisa de 10 anos.

*Fez show de lançamento do seu livro no SESC CONSOLAÇÃO em São Paulo em 2012, dialogando com o pesquisador e jornalista Zuza Homem de Mello e com o grupo Nosso Choro.

*Na Bienal do Livro de 2012, em São Paulo, apresentou-se com o grande Elton Medeiros num evento sobre Garoto e Cartola.

* Em 28/11/2012 foi entrevistado pelo violonista e produtor Luis Carlos Barbieri, no programa Violões em Foco, na Rádio MEC Fm, sobre a vida e obra do violonista e compositor GAROTO.

*Em 2013, de abril até setembro, apresentou-se mensalmente, como pesquisador e âncora da serie Violão Carioca:Origens, dentro do programa VIOLÕES EM FOCO, na Radio MEC Fm.

*Em 2013 apresentou a palestra Pioneiros do Violão Brasileiro na Escola Portátil de Música.

*É consultor do projeto Acervo Digital do Violão Brasileiro, tendo apresentado duas palestras na Escola Portátil de Musica em agosto de 2014.

*Apresentou-se na Bienal do Livro em São Paulo, em agosto de 2014, no evento “Garoto-Causos, notas e composições”, acompanhado dos músicos Ricardo Herz e Michi Ruzitschka.

* Apresentou-se no programa ANTENA MEC FM, realizado na Livraria da Travessa-Ipanema, com os violonistas Luís Carlos Barbieri e Marco Lima, em 25 de junho de 2015.

*Atuou como consultor do Festival das Rádios Mec e Nacional, realizado em 16/11/2016 na Sala Baden Powell, no Rio de Janeiro, onde o compositor e violonista Garoto foi o homenageado da noite.

* Co-autor do livro “Garoto, partituras inéditas”, projeto Natura, disponível no site www.violaobrasileiro.com.br, em abril de 2017.

 

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Author: imprensabr