Com repertório de samba e choro, o grupo tem à frente a brasileira Adriana Arnaoud, que se inspirou na era de ouro do rádio brasileiro para construir a personalidade sonora do conjunto
Leonor Bianchi
Não à toa a França aparece em terceiro lugar na lista dos países leitores da Revista do Choro. Com uma ciranda efervescente e que só vem num crescendo, o país desponta como um dos que mais se envolve com o Choro (ou chorinho, como muito se fala por lá), depois de nós brasileiros.
Até então sabíamos que eram os japoneses os mais interessados no assunto, mas de uns anos para cá, o perfil de quem se interessa pelo choro vem se diversificando e se ampliando definitivamente, abrindo o espectro de alcance e diálogo do gênero fora do Brasil.
Choro com sotaque francês abrasileirado
O choro está na França, definitivamente. E, contrariamente ao que muitos podem ainda falar e pensar não está ‘escorado’ no samba ou na bossa nova, ele tem personalidade e vai além… dialoga com muitas outras influências. O samba e o choro, aliás, andam juntos porque são irmãos de longa data. Não se separam aqui no Brasil, por que lá fora haveria de ser diferente?
O fato é que tem brasileiro no ‘choro francês’, ou melhor, brasileira. Adriana Arnaud é o nome da atriz e cantora brasileira, que, ao lado de três instrumentistas desenvolve na França um trabalho genuinamente brasileiro com repertório de samba, choro e músicas da era de ouro do rádio com o grupo Pingo de Choro.
O grupo trabalha com repertório de samba-choro e cria uma atmosfera nostálgica, levando a plateia a viver os tempos áureos do rádio no Brasil. Mas nem só sambas são cantados. Adriana Arnaud faz parte de um grupo seleto de pessoas que interpretam o estrito repertório dos choros cantados, no mundo, porque hoje quase ninguém canta mais…
“Para criar o seu repertorio, o conjunto foi em busca de canções na memória da música brasileira. As letras destas pérolas musicais, como as músicas de Noel Rosa, Ataulfo Alves, Assis Valente, Sinval Silva, Cartola, falam de Carnaval, da vida no Brasil e contam histórias de amor…”, e este é o enfoque do trabalho do Pingo de Choro, segundo Adriana.
A valorização do estilo da forma de escrever e a maneira de interpretar que eram características das músicas dessa época são reproduzidas na formação do Pingo de Choro, que traz a tradicional junção do canto ao violão de sete cordas, um cavaquinho e um pandeiro.
Indagada sobre o repertório e se já cantara choro em francês, Adriana diz que ainda não. “Não, ainda não cantei choro e Francês. Temos algumas músicas que fazem referência à língua francesa, como ‘Menina Fricote’, de Marília Batista e Henrique Batista, mas em francês ainda não cantei. Os franceses adoram. No teatro, a interpretação destas canções são bem-vindas em um país onde nem todos compreendem a língua e consequentemente, as histórias das canções”, diz a cantora chorona Adriana Arnaud.
Sobre o repertório dos shows, ela lista como sendo as mais executadas: Noites Cariocas, Migalhas de Amor, Pedacinhos do Céu, Corta Jaca, Tico Tico no Fubá, Brasileirinho, Delicado, Ingênuo, Fala Baixinho e Doce de Coco, ou seja, só clássicos do choro!
Grupo é integrado por instrumentistas apaixonados por Choro
A formação tem a brasileira Adriana no canto, o francê Thierry Moncheny (54) no violão de sete cordas, Ibrahima Kaba (42), pandeirista, nascido na Guiné, e Julien Hamard (34), cavaquinista e francês.
Adriana é natural de João Pessoa, Paraíba e fundou o grupo em 2012. Sua ida para a França fora inicialmente para trabalhar como atriz, mas sua paixão pela música brasileira e pelo repertório de samba e choro a fizeram percorrer o caminho da música.
“Sou atriz antes de ser cantora. Cheguei na França em 1998. Foi um projeto de teatro de um diretor francês de Marselha chamado Eric Unglas que me fez vir até o velho mundo. Este diretor trabalhava com menores em prisão na cidade de Campina Grande, Paraíba, minha cidade natal. Nasci em Campina Grande, mas cresci em Salvador e logo depois ganhei o mundo indo para São Paulo e depois França. Sou cidadã do mundo. Carrego no meu matulão um triangulo, o baião, o xaxado, os tambores, o ijexá e um bom chorinho cantado. No Brasil, praticava mais a arte teatral do que o canto. Descobri e me interessei pelo choro somente em Paris. A primeira roda de choro parisiense começou em 2004. Foi uma roda mítica em um bar que se chamava “Le Gevaudan” cujo patrão era árabe. Comíamos cuscuz, bebíamos Brahma e tocávamos choro até o bar fechar. Esta Roda durou uns três, quatro anos. Hoje em dia, outras rodas existem e continuo a frequentá-las, pois esse encontro descontraído de chorões é uma maravilha! Sou apaixonada pelas cantoras do rádio dos anos 30 e 40 e adoro o ambiente que reinava nessa época. Aprecio a maneira de interpretar dessas cantoras acompanhadas pelos grupos regionais das rádios da época, assim como aprecio igualmente os compositores desse período e as letras que falavam do cotidiano brasileiro e das histórias de amor. Esta paixão foi o que me motivou a cantar e a montar um grupo de samba-choro”, nos conta a cantora e chorona Adriana Arnaud.
Thierry, violão de sete já bastante conhecido no Brasil faz harmoniza e borda a base do conjunto. Quando começou a tocar violão, seu professor lhe apresentou vários tipo de estilos musicais, como jazz, blues, bluesgrass, clasiqque, country e… música brasileira. “Sempre que eu me interessava por uma música ao ponto de trabalhar dia e noite, tratava-se de um choro. Na época, eu não tinha a menor ideia do que era o choro (corô, como meu professor pronunciava!!!). O Choro N°1 de Villa Lobos me encantava pela sonoridade melódica e o senso do ritmo. Mas foi só mais tarde que descobrirei o choro, durante um work shop de violão na França, com um violonista amigo, o Turibio Santos. Nós tocamos choros com contrapontos de violão etc… tendo praticado a Musette (música francesa) com acordeonistas. A forma do choro não me surpreendeu. Depois desse encontro, já fui umas 15 vezes ao Brasil para aprender e tocar choro nas Rodas da Zona Norte do Rio de Janeiro, conheci São Paulo, Belo Horizonte, Belém, Recife, Campina Grande, João Pessoa e Cuiabá. Em todos esses lugares encontrei grandes músicos que sempre me receberam muito bem. Sempre contentes de ver um estrangeiro tocando a música deles com respeito e a alegria. Hoje eu toco o choro a minha maneira com todas as influências recebidas durante esses 40 anos de música. Os músicos brasileiros gostam disso e me dizem: “Você toca o choro a sua maneira, respeitando quem você é”, conta o experiente sete cordas francês, integrante do Pingo de Choro, que também é professor de violão no Clube du Choro de Paris e organizada a Roda Des Lauries, todas às quintas-feiras, em Paris.
O pandeirista do grupo, parte importante na formação do ‘regional’, Ibrahima Kaba (42) é natural da Guiné. Segundo ele, o choro é uma música muito bela e de melodias riquíssimas. “Tocar choro é muito difícil e requer um estudo constante. O músico do choro está constantemente diante de um desafio. Gosto deste desafio técnico que o choro me proporciona como pandeirista”, diz o instrumentista, que complementa:
“O choro é uma música que reúne, que cria laços. Que sejamos europeus, americanos, africanos ou asiáticos; todos nós podemos tocar esta música tão rica melodicamente. O choro me faz pensar nos antigos bailes de Musettes aqui da França, onde as pessoas se reuniam de uma maneira convivial para tocar. Esses encontros me fascinam! Para tocar choro é preciso estar com vontade de encontrar pessoas, trocar, dividir, tocar e ouvir”, diz Kaba, exaltando a cultura do choro.
Na formação, Julien Hamard (34) é o cavaquinista do Pingo de Choro. Com conhecimento de causa, pois é nascido na França, diz: “Paris atrai inúmeros músicos brasileiros que passam aqui alguns dias, alguns meses ou mesmo anos e anos. Eles trazem consigo a cultura musical e favorecem a difusão da música brasileira. Comecei a tocar cavaquinho e choro com o Fernando do Cavaco, músico paulista e um dos fundadores do Clube du Choro de Paris. O Clube du Choro de Paris existe há 12 anos e continua a transmitir e a propagar o choro. Hoje, a prática do choro em Paris continua crescendo. Muitos grupos existem e semanalmente acontecem duas rodas de choro. A comunidade de chorões parisiense é bastante dinâmica!”, nos conta Julien.
Dos componentes do Pingo de Choro, Julien Hamard e Ibrahima ainda não vieram ao Brasil, mas ‘sonham com este momento’, como nos revelou Adriana Arnaud durante a entrevista.
O grupo ainda não tocou outros países, mas em dueto (voz e violão) visitaram a Roda de Choro de Lisboa. “Mantemos contato com quase todas as rodas de choros europeias e estamos programando viagens para 2015 e 2016”, conta Adriana.
Em Paris, já se apresentaram em vários bares, mas atualmente fazem a agenda de duas casas: CAVE DU 38’RIV – cave de Jazz que programa todo sábado música brasileira. O grupo se apresenta na ‘cav’ todo segundo sábado do mês {http://www.38riv.com/} e LUSOFOLIE’S – um espaço cultural português, que também é uma galeria de arte e onde acontece uma vasta programação musical e literária. O grupo se apresenta na casa toda última sexta-feira do mês {www.lusofolies.fr/}
Finalizando nossa entrevista, Adriana conta que o circuito do choro na França e em Paris está crescendo a cada dia que passa. “A quantidade de grupos de choro cresce de mais a mais. Marselha, Parpignan, Toulouse, Strasbourg, Bretagne, Paris. Há, em Paris, o Clube du Choro que traz regularmente chorões brasileiros para organizar work shops e shows para seu festival de Choro anual.
Saiba mais
http://www.pingodechoro.com/