Por Leonor Bianchi
Este mês a Revista do Choro traz como matéria de capa a presença do vibrafone no ambiente do choro. Conversamos com três grandes vibrafonistas brasileiros que atuam neste cenário: Rodrigo Heringer, percussionista do Assanhado Quarteto, Alisson Amador, do Duo Vibrar, Ricardo Valverde. E é ele quem começa a nos contar sobre essa história que não é de agora, não…
“Apesar de parecer inusitado, o vibrafone tem uma relação com o choro, e podemos dizer que tem um histórico; não são muitos capítulos, mas para mim, com grande significância. Na chamada da rádio Nacional, a vinheta do Luar do Sertão era feita por um vibrafone gravado pelo grande percussionista e baterista Luciano Perrone. Em 1958 Jacob do Bandolim gravou um LP com participação do vibrafonista Chuca-Chuca, e em 1978 Orlando Silveira gravou também com um vibrafone, que foi tocado por Claúdio” comenta.
Jacob teria inventado o vibraplex para imitar o vibrafone
Para Valverde, Jacob do Bandolim teria criado o vibraplex para tentar chegar o mais perto possível da sonoridade do vibrafone.
“Não posso afirmar, mas tenho a impressão (e gosto dessa estória) que Jacob do Bandolim criou o Vibraplex para tentar se aproximar ao som do Vibrafone, que havia chegado ao Brasil pelo cinema, nos sons da big bands; algumas delas lideradas por vibrafonistas, como Lionel Hampton. É notável a semelhança de som entre o vibrafone e o vibraplex. Gravei no meu disco ‘Teclas no Choro’ o choro Feitiço para fazer essa homenagem ao Jacob e ao vibraplex” destaca o instrumentista, que segue:
“Tivemos, na década de 60 e 70, um auge do vibrafone na música popular brasileira, mas precisamente na bossa nova. Mas há relatos de que o K-Ximbinho chegou a tocar vibrafone. Nessa época, em São Paulo, havia um programa de TV que tinha como banda a big band do Silvio Mazzucca, que tocava vibrafone”, conta Ricardo.
Ricardo, que já tocava pandeiro antes de começar a tocar vibrafone, conta que conheceu o instrumento ouvindo os discos do pai, que escutava muito Milt Jackson.
“Conheci o vibrafone em casa através dos LPs do meu pai do Milt Jackson, depois quando estudava percussão fui a um encontro na Unicamp e vi o Ney Rosauro fazendo uma oficina sobre o vibrafone, e decidi que esse era o instrumento que gostaria de realmente me especializar.
Para eu começar a estudar e colocar o vibrafone no choro foi muito natural, pois já tocava pandeiro em regionais e choro foi sempre o estilo que mais gostei”, conta.
Ricardo já gravou três discos com repertório brasileiro, principalmente de choro: 3 em 3×4: um retrato da valsa brasileira (Kalamata), com a pianista Silvia Goes e a Cantora Bia Goes; Teclas no Choro Ricardo Valverde (CPCUmes) com participações de Izaias do Bandolim, Heraldo do Monte, Oswaldinho do Acordeon dentre outros; e Ricardo Valverde Trios (Selo Baticum), com composições autorais, que será lançado no segundo semestre de 2016.
Suas participações mais recentes com o vibrafone foram nos projetos ‘Forró Chorado Oswaldinho do acordeom’ – disco finalista do Grammy na categoria Regional – gravando os choros ‘Mestres e poetas’ (Sivuca) e ‘Viajando’, choro inédito do K-Ximbinho; com Marina de la Riva Canta Caymmi – com participações de João Donato, Ney Mato Grosso e Danilo Caymmi; Seis com casca – gravando o choro ‘Noites cariocas’ (Jacob do Bandolim), com Juliana Amaral samba Minimo, gravando um samba- choro do Mauricio Pereira.
Quando pergunto o que ele escuta e tem como referências com relação ao vibrafone, ele diz:
“Em relação as minhas referências, para o instrumentos ouço muito Gary Burton, Lionel Hanptom, Milt Jackson, Stefon Harris, Maike Manieri. Dos brasileiros, gosto dos vibrafonistas Chuca-Chuca, Garoto e Ney Rosauro. Mas como não há tantas gravações de vibrafone no choro, acabo tendo como referências os grandes chorões, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, K- Ximbinho, Altamiro Carrilho. Acabo transportado as coisas de flauta, bandolim cavaquinho para o vibrafone, por exemplo”, observa Valverde.
Uma coisa que Ricardo Valverde observou foi a dificuldade de se transportar o instrumento até as rodas de choro, o que acaba realmente inviabilizando a prática dos vibrafionistas nestes ambientes.
“Um fato interessante de se contar é que pela grandeza física do instrumento e pela
dificuldade de transportar não é fácil ,diria que quase impossível levar o vibrafone para as rodas de choro que é o lugar onde se aprende a linguagem. Então tive que organizar as minha próprias rodas de choro, durante quatro anos. Tocava as terças feiras e sábados”, lembra.
“Acho que sou o único vibrafonista com um repertório tão grande de choros. Existe uma tradição aqui em São Paulo de se tocar choro aos sábados junto com uma feijoada, e são pelo menos umas três horas de repertório. Diria que essa foi a minha grande escola, além de conviver com grandes mestres do choro paulistano, como o Luizinho 7 cordas – meu padrinho musical -, e Izaias do Bandolim”, enfatiza Valverde.
Livro que destaca o vibrafone no choro está sendo lançado este mês
O instrumentista e pesquisador Rodrigo Heringer, percussionista do Assanhado Quarteto, lança este mês em pé-venda pela e-ditora] o livro ‘Vibrafonistas no choro e seus processos de formação: Mediações e algumas contribuições à educação formal’. Sobre o texto, Rodrigo nos explica que desejou apresentar “de um lado o vibrafone, instrumento estadunidense da família dos teclados de percussão cujo vínculo com a academia e com os conservatórios é evidente no Brasil. Do outro, o choro, gênero musical brasileiro amplamente vinculado à prática de músicos populares, ainda que – é importante destacar – relevantes instrumentistas com formação clássica também figurem como alguns de seus grandes expoentes. Entre ambos, músicos ávidos por mediações possíveis entre o gênero e o instrumento. Estes atores atuam de modo a favorecer uma ponte entre repertórios, processos educacionais, ambientes de ensino e aprendizagem, formas de construção de conhecimento, nacionalidades e fluxos de renovação com características muito distintas, procedente da maneira como se relacionam com as especificidades do vibrafone e do choro. Sendo tais mediações algumas das principais aspirações de músicos, educadores e instituições envolvidas com a prática e o ensino de música na contemporaneidade, a experiência destes instrumentistas e sua análise apresentam-se como um importante subsídio para o ensaio e a edificação de caminhos que favoreçam uma experiência musical ampla, compreensiva e integrada”.
Perguntei se ele saberia dizer quem introduziu o vibrafone no choro, e ele comentou:
“Acho muito prudente um esforço adotado já há algum tempo na historiografia em evitar marcos de origem, pontos muito específicos de surgimento de determinadas tradições. Prefiro trabalhar com fluxos, mesmo porque a referência aos primórdios estão sempre muito marcadas por relações políticas e de poder previamente estabelecidas. Em sua tese de doutorado, o vibrafonista canadense Mark Duggan faz um resumo muito interessante sobre a história dos teclados de percussão em associação com o choro, valendo-se do material fonográfico e bibliográfico a que teve acesso. No documento, ele se remete a algumas gravações bem antigas de choro no vibrafone. A que tenho conhecimento e que data de um período mais distante do atual é uma do baterista e percussionista Luciano Perrone, que, na década de 1940, gravou na Rádio Nacional algumas composições de choro no vibrafone, ao lado do violonista Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto”, disse Heringer.
O regional onde Heringer desenvolve seu trabalho musical, o Assanhado Quarteto, propõe um repertório de choro com instrumentos não convencionais para o gênero, como o baixo-acústico, a bateria, o vibrafone e a guitarra elétrica, somados aos tradicionais violão de sete cordas e cavaquinho. Neste contexto, ele comenta a introdução do vibrafone no regional.
“A tradição do regional acabou deixando de lado o piano – um dos instrumentos mais importantes na história do choro – quando da sua fixação como referência de instrumentação para a performance de choro. Isto já dá um indício de como as tradições no choro foram inventadas e reinventadas ao longo da história. O Assanhado não se propõe à performance de choro tendo como referencia o regional de choro. Não somos um regional, ainda que admiremos muito a sonoridade destes grupos e aprendamos com eles cotidianamente. O vibrafone entra aqui como um elemento de inovação, ora assumindo o papel de solista, ora o de instrumento de acompanhamento. Claro que os instrumentos do regional permanecem uma referência importante para a linguagem adotada no instrumento. Em alguns momentos me imagino tocando no instrumento linhas do violão de 7 cordas, em outros, a de uma flauta ou do próprio cavaquinho, mas, na grande maioria deles, procuro dar vazão às potencialidades e especificidades do próprio vibrafone, com suas distintas possibilidades timbrísticas, estilísticas, etc.”, explica Rodrigo Heringer.
O que vibrafone traz de ‘novo’ para a sonoridade do choro?
“O vibrafone é um instrumento de metal em um gênero cujos principais instrumentos são feitos de madeira. À exceção da flauta, do trombone, do saxofone e de outros instrumentos que podem aparecer enquanto solistas, os instrumentos característicos adotados na prática de choro são, em sua grande maioria, feitos de madeira. Em relação ao timbre, portanto, o som metálico do instrumento traz um novo componente à performance do choro. O tamanho e o peso do instrumento dificultam também o acesso ao ambiente tomado frequentemente como o principal local de aprendizagem do choro: as rodas. Isto traz uma série de dificuldades para os instrumentistas, que necessitam dialogar de muitas maneiras com a roda, ainda que não possam frequentemente se fazerem presentes em tais ambientes na condição de vibrafonistas. Falo sobre esta especificidade em minha dissertação de mestrado. O vibrafone também é um instrumento frequentemente associado ao jazz, por suas origens e transformações. Tal fato garante uma dose de hibridez e interlocução à performance de choro no instrumento, mesmo quando acompanhado por um regional do gênero”, argumenta Rodrigo.
Rodrigo é graduado em música popular pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela The New School for Jazz and Contemporary Music, em Nova Iorque, e estudou vibrafone com Stefon Harris e Mike Mainieri. À Revista do Choro ele conta como foi a experiência de estudar com esse músicos:
“Stefon e Mike são incríveis e já eram, antes de ter a oportunidade de com eles estudar, grandes referências enquanto vibrafonistas. Em nossos encontros trabalhávamos basicamente possibilidades do instrumento aplicadas ao jazz que, posteriormente, busquei adaptar aos estudos de choro e de música brasileira em geral.
Sobre suas referências no instrumento, ele comenta que:
“Não conseguiria listar somente um músico ou uma musicista sem cometer uma enorme injustiça. Gosto muito do Arthur Dutra, do Ricardo Valverde e do próprio Fernando Rocha, com quem estudei na UFMG. Entre os mais novos me encantam o som do Fred Selva, de Aquim Sacramento e da Natália Mitre”.
Onde estudar vibrafone no Brasil
“Devido, principalmente, ao alto preço de mercado do instrumento e ao seu pouco vínculo com a música popular brasileira em geral, o acesso ainda é muito restrito às universidades e conservatórios de música. Em minha dissertação, ao buscar contato com vibrafonistas que se dedicavam à performance de choro no instrumento, foi curioso notar que todos os músicos e musicistas com as quais tive contato possuíam alguma formação acadêmica. Isto muito interessante ao falarmos de choro, um gênero cuja história possui uma certa independência e distanciamento em relação às escolas formais de ensino de música. As universidades e conservatórios permanecem, portanto, um grande subterfúgio aos que nutrem interesse pela performance do vibrafone”, diz Heringer.
Já Ricardo Valverde observa que:
“De uns 10 anos para cá, vem crescendo o número de vibrafonistas no Brasil, e muitos estudando e tocando choro. Alguns trabalhos de mestrados falam sobre o assunto, vibrafone no choro. Posso destacar o trabalho do canadense Mark Duggan, e o mineiro Rodrigo Picolé. Ambos fizeram mestrado sobre o vibrafone e o choro”.
Alisson Amador trabalha um vasto repertório de choro com o vibrafone, mas não se diz um chorão
Alisson Amador é outro vibrafonista com quem conversamos. Integrante de diversos projetos musicais, é no duo de vibrafone e clarinete “Duo VibrAr”, ao lado do clarinetista Jussan Cluxnnei, que ele desenvolve mais o repertório de choros. Amador começou na música através do violão, mas sempre estudou percussão também. Já depois de formado em violão, ele estudou Letras, composição, regência… e acabou, como ele mesmo diz, ‘caindo’ no curso de percussão da Unesp e em seu grupo de percussão, ‘PIAP’. Foi lá que ele conheceu o vibrafone.
“Comecei tocando violão e até hoje toco em rodas de choro e em outras situações. Ao mesmo tempo em que estudava violão, comecei a estudar percussão com o Claudio Stephan no Instituto Baccarelli. Foi com esse professor e pai que tive meu primeiro contato com um instrumento de “teclado”. Era um claudiofone (xilofone) feito por ele. Nessa época eu queria tocar de tudo, estudava violão, bandolim e percussão. Então comecei minha lista de choros. Tirava o mesmo choro nesses instrumentos. Era maravilhoso, mas o tempo foi ficando mais apertado porque estava trabalhando muito com a orquestra.
Depois de me formar em violão pela Emesp, estudar um ano e meio de Letras, estudar dois anos de composição e regência, “caí” no curso de percussão da Unesp e consequentemente no grupo de percussão PIAP. Isso realmente mudou minha vida porque tive que me dedicar muito ao curso. Foi lá que tive meu contato com o vibrafone e com a técnica de quatro baquetas. Daí não deu outra, fui estudando um monte de coisa e dentre elas, os choros. O vibrafone tem um pedal que permite a sustentação das notas e isso é um recurso incrível que ajuda muito na linguagem do choro. Claro que exige muito estudo, mas isso nunca foi um problema.
Atualmente tenho um duo de vibrafone e clarinete chamado “Duo VibrAr” e nosso repertório está cheio de choros. Por ter estudado e tocado violão, acabei desenvolvendo e ainda desenvolvo uma maneira de fazer levadas no vibrafone. É uma das práticas que mais gosto de fazer, ler cifras como se tivesse com um violão na mão. Além do duo, tenho um trabalho solo com músicas autorais onde toco violão, vibrafone, percussão e viola caipira e desenvolvo um trabalho apresentando o vibrafone como solista de um regional de choro. Nesse trabalho tocos alguns choros autorais e de outros autores clássicos”, conta Amador.
O vibrafone é mais um de muitos instrumentos que não fazem (ou faziam) parte do ambiente chorão. É um instrumento americano, trazido para o Brasil no século XX. É bastante usado na “música de concerto”, “erudita”, ou seja, lá o termo que queira usar. Não gosto muito disso e também não é meu intuito discutir isso aqui. Nos EUA ele sempre foi usado no jazz e muitos vibrafonistas se tornaram bastante conhecidos como: Milt Jackson, David Friedman, Gary Burton, Lionel Hampton e David Samuels.
Aqui no Brasil ele também foi ganhando espaço fora das salas de concerto. Dentre esses espaços temos a galera do choro, da Mpb, do jazz e outros gêneros musicais.
Nunca tive preconceito com relação a instrumentos musicais. Ouço de tudo e acredito que sabendo onde se está pisando é que está a chave das coisas. Por exemplo: tocar choro implica no mínimo ouvir muitos choros, decorar, ir nas rodas, tirar músicas de ouvido, conhecer os músicos mais velhos etc. Respeitar tudo isso profundamente pode nos acrescentar muitas coisas, tanto musicais como pra vida.
“Choro, música nordestina, contemporânea, indiana, chinesa…”
Sem preconceitos e ouvidos e mente abertos, Alisson diz que escuta de tudo e não se considera um ‘chorão’.
“Vivendo nesse mundo chorão, vamos aprendendo e desenvolvendo sua linguagem. Vamos sentindo cada sotaque, os acentos, as respirações etc. É muito evidente quando um músico vive outro tipo de linguagem e toca algum choro. Mas isso é muito delicado de se falar porque existem vários tipos. Não existe nenhum problema desde que haja respeito e consciência de onde se está pisando. Posso compartilhar minha experiência pra mostrar de exemplo. Ouço de tudo em casa, choro, música nordestina, música contemporânea, indiana, chinesa, de tudo mesmo. Logo, tenho plena consciência de que não sou um chorão como Alessando Penezzi, Zé Barbeiro, Izaías Bueno, Milton Mori, Edmilson Capelupi e outros. Tenho outra formação, toco muitos tipos de música e isso transparece na música que faço, tanto nas interpretações como nas minhas composições. Sabendo disso, fico sempre ouvindo e aprendendo com quem é mais chorão do que eu. Mas isso nunca me impediu de tocar choro, pelo contrário, sempre fui motivado pelos “mestres” pra tocar choro e compor.
Com relação as suas referências no vibrafone, ele diz:
“Confesso que não ouço muito os vibrafonistas como ouço outros instrumentistas, justamente pelo que escrevi anteriormente. Gosto muito de música brasileira e acho que pra desenvolver essa linguagem, preciso ouvir muito os brasileiros tocando. Sobre choro posso falar que ouço: Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Esmeraldino Sales, Orlando Silveira, Paulo Moura, Garoto, João Pernambuco, Alessandro Penezzi, Izaias Bueno, Alexandre Ribeiro, Hamilton de Holanda e outros.
Acredito que conhecendo a linguagem, o músico pode chegar com qualquer instrumento, tocar choro e até impressionar as pessoas que estavam com “pré julgamentos”. Já ouvi choros interpretados na trompa, fagote, violino, vibrafone, escaleta etc. que ficaram muito bons e dentro da linguagem. Por isso acho que podemos resumir em “saber onde se pisa”, ter auto consciência, daí você pode ser do jazz, do rock, e tocar choro com seu sotaque, sabendo que tem pessoas que dedicam sua vida para o choro e consequentemente possuem mais vivência do que você. No fim todos gostam de música, são todos iguais”, conclui Amador.