Leonor Bianchi
Hoje, 14 de fevereiro, nascia no Rio de Janeiro Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim. Multi-instrumentista, foi um virtuose do bandolim e é considerado um dos maiores músicos e compositores de choro de todos os tempos.
Sua biografia é bastante conhecida entre o universo dos chorões, que muito admiram e respeitam sua obra, a qual já foi tema de inúmeros projetos e pesquisas acadêmicas, festivais de choro, ensaios literários, biografias. Seria redundante tecer elogios e lembrar como Jacob conheceu o choro e a música… desde quando era um pequeno rapaz e escutava ‘É do que há’, de Luis Americano nos rádios das casas da vizinhança da antiga Lapa, Centro do Rio, onde morava com sua mãe, ao violino que ganhara da amiga de sua mãe, o qual tocava com um grampo de cabelo no lugar da palheta…
Filho único do farmacêutico Francisco Gomes Bittencourt e de Raquel Pick Bittencourt, “Jacob tocou nas mais importantes emissoras de rádio da época, entre elas a Mayrink Veiga, Cajuti, Fluminense e Rádio Nacional, e participou de gravações históricas como a de Ataulfo Alves para a música “Ai, que saudades da Amélia” (Ataulfo Alves e Mário Lago) e a de Nelson Gonçalves para “Marina” (Dorival Caymmi).
É considerado um dos mais puros solistas da música popular brasileira, compositor de choros que integram o repertório clássico do choro brasileiro, como “Vibrações”, “Remelexo”, “Doce de coco”, “Treme-treme” e “Bole-bole”. Utilizava-se de novos recursos sonoros que ele mesmo inventava em apresentações ao vivo e em gravações, tinha uma veia forte para a improvisação,mantendo o absoluto domínio sobre o instrumento em execuções eternizadas em sua performance ao instrumento.
Jacob deixou um enorme legado à musica brasileira e ao choro, de forma que seu acervo, um dos maiores da música brasileira e podemos até ousar dizer, mundial, com mais de 10 mil itens, tornou-se um enorme patrimônio material da cultura musical de nosso pais.
O conjunto de seu acervo é considerado um dos mais importantes da música brasileira
O MIS RJ recebeu, recentemente, do Instituto Jacob do Bandolim o bandolim nº 1 de Jacob, com o qual gravou mais de 90% de sua obra, e mantém sob sua posse o bandolim nº 2, instrumento com o qual Jacob apresentou-se no lendário show com Elizeth Cardoso e Zimbo Trio, em 1968, no Teatro João Caetano.
Ano passado um leilão polêmico promovido para levantar fundos para projetos e pesquisas do IJB e chamou atenção dos ‘seguidores de Jacob’, que se manifestaram contrários ao mesmo e passaram a expressar sua indignação na internet. Na época, a Revista do Choro publicou uma ‘nota de esclarecimento emitida pelos diretores do IJC, onde informavam sobre mais claramente sobre como seria o leilão e quais objetos e instrumentos de Jacob de fato seriam leiloados, pois acreditava-se que seus bandolins mais importantes também seriam postos à disputa pelos potenciais compradores. (Leia mais em http://revistadochoro.com/artigos/diretores-do-instituto-jacob-do-bandolim-enviam-nobta-de-esclarecimento-a-revista-do-choro-sobre-o-leilao-dos-objetos-e-instrumentos-de-jacob-do-bandolim/)
Acervo digitalizado está acessível a todos no site do Instituto Jacob do Bandolim
Hoje, seu acervo está resguardado no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS RJ), Casa do Choro (RJ), e Instituto Jacob do Bandolim – IJB (RJ). Este, contemplado pelo Programa Petrobras de Cultura 2012/2013, digitalizou parte do acervo de Jacob que havia sido doado ao IJB por sua família, em 1969, quando de seu falecimento.
O projeto “Digitalização do acervo do Instituto Jacob do Bandolim”, formulado pelo IJB em parceria com o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro foi concluído em agosto de 2014 e pode ser acessado pelo site http://jacobdobandolim.com.br/.
Segundo os organizadores do projeto, “quando Jacob faleceu, a maior parte do seu fantástico acervo, com cerca de 10.000 itens, contendo arquivos sonoros, instrumentos musicais, fotos e manuscritos, foi entregue à guarda do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ). Entretanto, uma significativa parte desse acervo ficou de posse da família Bittencourt, tendo sido entregue, em 2002, à guarda do Instituto Jacob do Bandolim (IJB) e que, agora, devidamente digitalizado e catalogado, será doado ao MIS/RJ”.
O projeto possibilitou a difusão de sua obra a todos pela internet – hoje um canal de comunicação cada vez mais acessível e popular no Brasil. O site do IJB contém um importante conjunto de documentos, gravações de áudios digitalizados, dos quais ainda há muita desconhecida do grande público.
O leilão do microfone do gravador e Jacob
Seriam leiloados, entre os objetos de Jacob, um violão de seis cordas Del Vecchio (anos 1940) e um bandolim de dez cordas, do luthier Souto (década de 1950), mas dez dias antes de sua realização, atendendo muitos pedidos dos fãs de Jacob, os organizadores retiraram os instrumentos do leilão, deixando apenas objetos uso pessoal do instrumentista, como a famosa gravata-borboleta vinho com bolinhas brancas que ele usava.
Dias após o leilão virtual a Revista do Choro conversou com Paulo Mota, comprador do microfone de Jacob que fora a leilão. Paulo nos contou que comprou o microfone… por acaso… Que havia trabalhado o dia todo e que não pudera acompanhar o leilão pela internet; foi apenas no fim do dia, quando chegou em casa e conectou-se ao site do leilão, que, surpreendido com o fato de o mesmo ainda estar ‘rolando’, fez seu lance e levou para casa o microfone de Jacob do Bandolim pelo lance mínimo.
Um grande admirador de Jacob desde a infância
O que todos se perguntam quando um objeto com a relevância histórica como os de Jacob vão a leilão, é: quem ficou com o objeto arrematado? Qual a relação dessa pessoa com a vida e a obra do artista? Graças a ‘São Pixinguinha’ quem levou o microfone de Jacob é um fã e admirador seu desde a infância. O microfone está em excelentes mãos! Paulo contou que sua relação com a música começou na infância quando o pai, um seresteiro de excelente gosto musical, levou para casa o disco de Jacob tocando com Elizeth Cardoso e Zimbo Trio.
“Meu pai era seresteiro e meu tio tocava harmônica. Chegaram a participar de programas de calouros de TV, como o ‘A hora do Pato’, na Rádio Nacional. Meu irmão mais velho é formado em orquestração, mas ninguém da família viveu de música; ela sempre foi uma paixão mesmo.
Quando eu era moleque, aos dez anos, meu pai tinha aquele disco com Elizeth Cardoso e Zimbo Trio, ao ouvi-lo fiquei impressionado com os solos de Jacob, seus contrapontos. Fiquei muito impressionado, pois não conhecia choro ainda, só ouvia seresta até então.
Meu pai tinha um violão em casa e aí comecei a me interessar por instrumentos de corda, pois na verdade eu estudava piano. Do violão do meu pai, fui pro cavaquinho que meu irmão tinha comprado para fazer umas brincadeiras de samba. Eu usava muito o cavaquinho para fazer solos. Muitos bandolinistas começaram no cavaquinho, mas logo descobriram o bandolim, um instrumento mais completo para solar, e foi aí que eu passei pro bandolim, e fui fazendo minhas rodas de choro de maneira muito incipiente”, conta o empresário Paulo Motta.
‘Local’ do Sovaco de Cobra
Quem acredita em destino vai dizer que essa história é mesmo única. Depois de já estar em contato com o choro, ainda na adolescência Paulo mudou-se com a família para um dos locais onde o choro ‘comia frouxo’, como se dizia antigamente. Foi morar na Penha, na rua de um dos pontos mais tradicionais de rodas de choro que o Rio de Janeiro já conheceu: o Sovaco de Cobra, onde tocaram músicos de várias gerações do choro contemporâneo carioca.
“Nessa época, era Velha Guarda que dominava as rádios e o choro estava sumindo; os músicos tendo que tocar outros gêneros. Mas houve uma redescoberta do choro no final da década de 1970, quando também aconteceu em minha vida uma grande coincidência que me aproximaria ainda mais da música e do choro. Meu pai era bancário e havia sido transferido para o Banco do Brasil na Penha, e acabamos indo morar na rua do famoso bar Sovaco de Cobra, onde se reuniam grandes chorões, como Abel Ferreira, Joel Nascimento, esse pessoal todo. Já com meus 17 pra 18 anos, mas ainda muito jovem no choro, dali nunca mais larguei o choro.
Apaixonei-me pelo bandolim; segui minha vida profissional, mas sempre pesquisando o bandolim, sempre tocando quando podia. Cheguei a fazer temporadas tocando no Rio, mas não tinha tempo para me dedicar” lembra Paulo.
Os amigos Sergio Prata e Déo Rian: Preservadores
Amigo pessoal de Sergio Prata e Déo Rian, diretores do IJB e responsáveis pela preservação do acervo de Jacob, Paulo conta que acompanha ‘desde sempre’ os esforços de ambos para dar o destino mais apropriado ao acervo de Jacob, desde que a filha do compositor faleceu e eles precisaram ficar com parte do acervo, que estava em sua posse.
“Na época em que acontecia uma roda de choro na Cobal da Humaitá (RJ), conheci Sergio Prata, grande responsável pela preservação do acervo de Jacob e foi através dele que cheguei ao leilão. Sempre estive perto de muitos músicos profissionais, embora nunca tenha tocado profissionalmente, pois sempre viajei muito como executivo e nunca tive tempo para me dedicar ao instrumento. Convivi com Déo Rian, que me contou sobre os saraus na casa de Jacob… Vi Abel Ferreira, vi Waldir Azevedo, Luperce Miranda, mas não vi Jacob. Tenho paixão para ver Jacob tocando, mas não pude ver e não há imagens dele tocando, só uma gravação de 20 segundos dele dando uma entrevista. Enfim, sempre fui um apaixonado pela obra de Jacob poderia falar horas sobre isso, mas o que interessa agora é o leilão e vou chegar lá.
Quando a filha de Jacob morreu e sua casa, que era alugada, teve de ser entregue, Sergio Prata, preocupado com o destino do acervo de Jacob que estava lá, recolheu tudo e levou parte para casa dele e parte para a casa de Déo Rian. Com Déo ficaram os bandolins. Isso se deu no sentido de preservação; eles nunca tiveram interesse pessoal, mas sim o de preservar e compartilhar esse acervo.
Os bandolins n 1 e n 2 foram doados ao MIS RJ, mas Jacob tinha um bandolim de 10 cordas, um violão, um cavaquinho, enfim… vários outros instrumentos que estavam ‘encostados’ e que precisavam ter um destino adequando. A essa altura o IJC, depois de já ter digitalizado todo o acervo de Jacob em papel e ter doado ao MIS RJ, ficou com os instrumentos e não sabia o que fazer com eles e com alguns outros objetos pessoais de Jacob, como máquina fotográfica, a gravata borboleta, placas.
Quando soube do leilão me interessei muito. Nunca tive interesse econômico na compra, como você me pergunta, sempre o da preservação.
Muita coisa que não era ligada à música não me interessava no leilão, mas ma coisa me chamou a atenção: o microfone do gravador Philips onde Jacob gravou muitos saraus em sua casa em Jacarepaguá e o depoimento que ele deu para o MIS.
No dia do leilão eu dei o lance mínimo de R$ 800,00 e fui trabalhar sabendo que qualquer pessoa poderia depois entrar no site e cobrir meu lance. Por azar meu, eu estava com uma agenda inadiável naquele dia e não pude acompanhar o leilão,que começava exatamente na hora de um compromisso muito importante o qual não pude deixar de cumprir, não podendo assim acompanhar o leilão. Foi só às 16h que fiquei sabendo que eu tinha comprado o microfone de Jacob, por R$ 840, (os R$40,00 foram a comissão do leiloeiro), o lance mínimo, e que ninguém havia coberto o meu lance.
Fiquei muito feliz! Estava viajando e só pude pegar o microfone dez dias depois. Marcamos na Casa do Choro; encontrei Luciana Rabello, diretora da Casa; Sergio Prata, foi incrível! E nesse dia ainda fui surpreendido com um presente: a nota fiscal da compra desse gravador. O Sergio me disse: – Olha o que eu achei! Era a nota fiscal do gravador que foi comprado em 1960, numa loja em São Paulo,por um amigo de Jacob chamado AlbertoTarquinio Rossi. Ele mandou uma ordem de pagamento para a conta do Alberto comprar o gravador de 50 mil cruzeiros, no dia 25 de fevereiro de 1965. O gravador custou quarenta e nove mil seiscentos e sessenta e cinco cruzeiros. Jacob colou no verso da nota fiscal o recibo da Philips, e a ordem de pagamento para a conta do AlbertoTarquinio Rossi. Isso é um fato histórico pelo fato de estarmos falando do microfone que foi do gravador de Jacob.
Eu tenho duas filhas, mas elas não têm muito interesse no meu acervo, e que não é pouco, tenho vários instrumentos de cordas… e quando chegar a minha hora eu também terei que doar esse acervo porque aqui em casa ninguém fará uso. Fiquei muito feliz e não venderei nunca o microfone de Jacob, podem fazer a oferta em dinheiro que for. Já que eu não puder ver, pelo menos estou perto da história”, conclui Paulo.
Jacob do Bandolim faleceu em 13 de agosto de 1969, no Rio de Janeiro.