Revista do Choro conversa com o primeiro violonista brasileiro a gravar Tolsa


O violonista espanhol influenciou instrumentistas e chorões do final do século XIX e início do XX. Esquecida pelas novas gerações, este ano a obra de Carlos Garcia Tolsa foi interpretada e gravada em CD pelo instrumentista Lucas Félix

Leonor Bianchi

Nascido em Taubaté, interior de São Paulo, o instrumentista Lucas Félix (22) ganhou o mundo este ano com o lançamento do seu primeiro cd solo, Meditación, onde interpreta obras do violonista espanhol Carlos Garcia Tolsa (1858/ 1905). Lucas torna-se com este disco o primeiro brasileiro a gravar Tolsa, compositor que influenciou diretamente a música produzida para violão no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, mas que com o passar do tempo, acabou sendo esquecido.

“O CD nasceu de uma parceria com o grande pesquisador e biografo Jorge Mello e me tornei o primeiro brasileiro a gravar sua obra. Tolsa em sua passagem pelo Brasil quando integrava a lendária “Estudiantina Espanhola Fígaro” travou contato com o violonista Alfredo Imenes, que logo tornou-se seu discípulo e integrou a “Estudiantina” a convite de Tolsa. Imenes foi o principal divulgador das obras de Tolsa entre os pioneiros do violão brasileiro. Nomes como Quincas Laranjeiras, Ernani de Figueiredo e João Pernambuco tiveram contato com a obra de Tolsa. Nosso maior compositor, Heitor Villa-Lobos também tocou a música de Tolsa. Sua obra apresenta uma beleza de sonoridade e uma variedade de ritmos como mazurcas, valsas, polcas, entre outras as quais são elementos que formam o gênero musical choro. Espero ter contribuído com esse material, de forma que amantes e estudantes da música possam conhecer um pouco mais sobre a história de nosso violão”, comenta Lucas Félix.

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O disco tem oito faixas para violão solo. Destacam-se Al fin solos, Matilde e Meditación. Além do primor na pesquisa, na escolha do repertório, produção de arranjos e atuação da capacitada equipe técnica que gravou e mixou o disco em estúdio, o projeto tem mérito justamente pelo resgate à obra do compositor pouco lembrado nos dias de hoje.

O cd foi produzido com verba arrecadada através de uma campanha de financiamento coletivo feita na internet. Durante a campanha, o respeitado pesquisador e biógrafo de Aníbal Augusto Sardinha (que este ano tem celebrado seu centenário de nascimento), Jorge Mello, parceiro do projeto do cd, disse que “o disco de Lucas é uma grande contribuição para a discografia do violão, dando a oportunidade às atuais e futuras gerações de conhecerem melhor como eram e o que se tocava nos primeiros concertos de violão no Brasil”.

Ouça uma faixa do disco

O Choro neste contexto

Os chorões sofreram, de uma forma ou de outra, influências do modo e da estética dos clássicos violonistas espanhóis, como Tarrega, por exemplo, contemporâneo de Tolsa, mais popularizado no Brasil que este último.

 “O violão é um instrumento de inúmeras possibilidades, onde encontramos uma gama de ritmos, expressões e linguagens diferentes. E isso é fascinante, das salas de concerto para as rodas de choro, o violão está lá. Sou violonista com formação na escola clássica, mas sempre fui um grande admirador do choro, um universo inspirador de um ritmo contagiante que nos mostra a identidade do músico brasileiro. Atualmente, tenho me dedicado ao estudo a fundo do violão no choro e dedicado parte de meu repertório aos grandes nomes do gênero, como por exemplo, o compositor João Pernambuco”, conta Lucas.

A relação com Carlos Garcia Tolsa

A história de Lucas Félix com as obras do renomado violonista espanhol Carlos Garcia Tolsa teve início no Rio de Janeiro, para onde o instrumentista se mudou com objetivo de ampliar seus estudos, aos 18 anos.

Na cidade maravilhosa Lucas estudou com o professor Carlos Alberto de Carvalho, e junto ao pesquisador e biógrafo Jorge Mello, desenvolveu um trabalho de resgate das obras do músico espanhol.

Em 2014, Lucas foi convidado a integrar o projeto “Acervo Digital do Violão Brasileiro”. Para o mesmo gravou três músicas de Tolsa para o álbum virtual do projeto ao lado de grandes nomes do violão nacional. Este trabalho o levou a participar do programa “Violões em Foco”, da Rádio MEC FM do Rio de Janeiro, ao lado de Jorge Mello.

Formação Musical

Professor de violão no Espaço Municipal das Artes, em Seropédica (RJ), Lucas começou cedo seus estudos na música. Sua formação teve início na Escola de Música Maestro Fêgo Camargo, em Taubaté, interior de São Paulo. Na época ele teve aulas com André Simão, Leandro Márcio e Alessandro Pereira. O músico também estudou Violão e Harmonia com Alberto Mejia.

Na adolescência, aos 17 anos, fez seu primeiro recital solo. Desde então Lucas já se apresentou em diversas cidades do Brasil como solista, tendo participado de várias séries musicais, eventos corporativos e programas de rádio e TV.

“Fui para o Rio com 18 anos. Estudei em um conservatório de Taubaté e por acasos da vida fui fazer engenharia em Seropédica, porém, em Seropédica acabei fazendo mais música que engenharia. Participei de diversas series, programa na Rádio MEC, gravações para o Acervo Digital do Violão Brasileiro. Conheci Jorge na Universidade (UFRRJ) e fui fazer aulas de performance com Carlos Alberto de Carvalho no Rio. Hoje estou terminando minha graduação em Engenharia e com meu projeto pronto para o mestrado em música sobre Tolsa”, conta Lucas.

Sempre conquistando prêmios

Em sua trajetória musical, o violonista se destacou por seu domínio técnico em alguns concursos, como V Concurso de Violão Villa Lobos de Osasco – SP, onde foi um dos finalistas na categoria até 17 anos. O instrumentista também já foi contemplado com o prêmio Litteratudo Monteiro – Lobato, concedido pelo Movimento União Cultural. Este ano recebeu do Movimento União Cultural o prêmio do Grande Mérito representativo pelas atividades culturais desenvolvidas.

Lucas foi ainda o idealizador e produtor do programa ‘Falando em Música’, série que hoje não existe mais.

“O Falando em música foi uma série que criei há alguns anos onde trouxe jovens instrumentista para dar concertos em Taubaté. O programa acontecia num prédio histórico da cidade, mas infelizmente por falta de verba teve que parar. Eu fazia tudo sozinho e muitas vezes tirava do próprio bolso, aí estava inviável”, conta o músico e produtor.

Um dedinho de prosa com Lucas Félix

Revista do Choro: Lucas, qual a relação de Tolsa com Tarrega, ele era da ‘Escola de Tarrega’? Tarrega foi mais popularizado no Brasil do que Tolsa. Você credita isso a o quê?

Lucas Félix: Não há registros do contato de Tolsa com o Tarrega. Eles são contemporâneos, mas Tolsa chegou primeiro por aqui. Tolsa foi aluno do Julian Arcas, tido como o mais talentoso. Acredito que Tarrega se popularizou mais por ter deixado uma obra pedagógica para o violão e Tolsa deixou apenas suas composições.

Existe uma polêmica entre os dois. Uma habanera chamada “Enriqueta” de Tolsa é simplesmente idêntica ao “Tango” feito por Tarrega. Existem algumas teorias sobre o caso, mas aí fica como curiosidade. Pra mim é do Tolsa (risos).

Revista do Choro: Entendi. E qual a grande sacada do Tolsa? Ele tocava com a mão esquerda, a direita? Qual a característica técnica preponderante no toque dele ao violão: o polegar, o ataque da mão direita, da mão esquerda, uso de arpejos? Qual o cavalo de batalha do Tolsa, a peça que ele mais tocava? No Brasil quem recebeu essa influência do Tolsa? Quincas Laranjeiras, Sátiro Bilhar? Qual a grande contribuição do Tolsa para o violão brasileiro? E para o choro? As escolas hoje já falam de Tolsa mais do que falavam antes de você gravar esse cd? Tolsa chegou a gravar?

Lucas Félix: Tolsa tocava violão de 6 e 11 cordas. O que mais me impressiona em Tolsa era a visão dele sobre a mão esquerda, com passagens inusitadas e aberturas complexas, tendo um resultado harmônico interessante.

A música que considero como seu carro chefe é a “Meditación”, a qual vários violonistas tocaram em concertos, como por exemplo, Villa-Lobos.

No Brasil sua obra e técnica foram difundidas entre os pioneiros do violão, como Quincas Laranjeiras, Ernani de Figueiredo, Alfredo Imenes e João Pernambuco. Não esquecendo de Villa Lobos.

Augustin Barrios também foi um dos principais divulgadores da obra de Tolsa. Isso porque Tolsa foi professor de seu único professor, Gustavo Sossa Escalada. Barrios em sua passagem pelo Brasil apresentou obras de Tolsa. E é notável a influência de Tolsa na obra de Barrios.

A contribuição que Tolsa deixou foi a influência sobre a música aqui produzida na época (final do séc. XIX e início séc. XX). Os pioneiros absorveram sua técnica e seu repertório.

Meu disco é muito recente, lancei em outubro deste ano, mas ele vem tomando uma grande proporção, recebendo comentários de violonistas, professores e alunos que desconheciam Tolsa e que acharam fascinante essa história.

Tolsa não deixou nada gravado, apenas registros de sua música, registros de sua história, concertos…

Biografia de Tolsa

Nascido na Espanha, Garcia Tolsa integrou a Estudantina Fígaro, da qual se tornou diretor aos 22 anos e com ela percorreu diversos países europeus, partindo depois para a América. O grupo passou pelo Brasil em 1885 e partiu para Montevideu, onde ficaram até o fim da Estudantina, em 1887. Violonista e compositor exuberante, Tolsa exerceu grande influência no repertório violonístico brasileiro nas duas primeiras décadas do século 20.

O violonista brasileiro Alfredo Imenes, que integrou a Estudantina, foi discípulo de Tolsa e o principal divulgador da obra de Tolsa no Brasil. “Apesar de suas músicas terem sido tocadas por nomes ilustres como Quincas Laranjeiras, João Pernambuco, Levino Albano da Conceição, Ernani Figueiredo, José Augusto de Freitas e Heitor Villa-Lobos, Tolsa é ainda um ilustre desconhecido até mesmo para dedicados violonistas”, destaca Jorge.

 

Carlos Garcia Tolsa

Carlos Garcia Tolsa

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Author: imprensabr