Por Leonor Bianchi
Revista do Choro: Sandor, recentemente você postou em seu perfil numa rede social que “chegou as suas mãos a raríssima biografia de Patápio Silva feita pelo seu meio-irmão Cícero Menezes; um livreto publicado em 1953”. Como isso aconteceu? Foi uma doação? Qual a origem da mesma?
Sandor Buys: Realmente é bem raro este pequeno livro, que tem apenas 16 páginas. Foi um livreiro que me passou.
Revista do Choro: Onde este livreto estava até chegar as suas mãos?
Sandor Buys: O livro tem uma dedicatória do autor à maestrina Joanídia Sodré, datada de 1953, ano do lançamento do livro. Então a primeira dona deve ter sido a Joanídia. Não sei que caminhos levaram este exemplar às mãos de um livreiro. Que eu saiba, normalmente os vendedores não gostam de dizer a origem do material que conseguem.
Revista do Choro: O que se sabe a respeito do irmão do flautista, Cícero Menezes, autor dessa biografia? Em sua publicação você comentou que “Cícero não era estudioso, nem escritor. Fez um depoimento muito importante, mas uma biografia apaixonada. Acho que daí vem algumas distorções que se cultivam até hoje”. Por que afirmou isso? Quais seriam essas distorções?
Sandor Buys: Cícero Menezes era filho de um segundo casamento da mãe do Patápio; consta que ele foi violinista. Não posso dizer mais a respeito dele, mas o fato é que o livro tem uma escrita e uma estrutura muitos simples e aparentemente o autor não escreveu mais nenhuma outra obra. O livro é um depoimento muito pessoal. Não há um esforço em explicitar fontes bibliográficas, nem há isenção na narração dos fatos. Quando mencionei que poderiam conter distorções nos fatos narrados pelo Cícero Menezes, estava pensando especialmente na citação que ele faz ao também flautista Pedro de Assis, que teria ocupado o cargo de professor no Instituto Nacional de Música por ter boas relações com o ministro Seabra. O Pedro de Assis tem sido citado como uma pessoa aristocrática, que se beneficiou de uma posição social privilegiada para conseguir seu cargo no Instituto Nacional de Música, ocupando a posição que deveria ser do Patápio por mérito. Eu tive acesso a documentos que contradizem esta imagem do Pedro de Assis que tem sido colocada na literatura. Os documentos sugerem que ele teve uma origem familiar bem humilde, em Recife, e trabalhava desde a infância para ajudar a sustentar a família. Ele teria vindo para o Rio ainda bem jovem para estudar flauta e passou a trabalhar como tipógrafo em um jornal. Mas acredito que seja necessário aprofundar mais um pouco os estudos para entender melhor esta história, eu tenho trabalhado nisto.
Revista do Choro: Quais biografias de Patápio Silva você leu? O que há de ‘especial’ neste livreto com relação ao que já foi dito e publicado sobre a vida do flautista nesses outros trabalhos biográficos?
Sandor Buys: Eu conheço três trabalhos biográficos do Patápio, além do livro do Cícero Menezes. As referências completas são estas:
- Sousa, M. G. N.; Pedrosa, H.; Pantoja, S. A. & Cechine, S. G. 1983. Patápio: músico erudito ou popular? Rio de Janeiro: FUNARTE (Coleção MPB 9). 55 p.
- Garcia, Silvia Carmen. 2006. Patápio Silva – Flautista virtuoso, pioneiro da Belle Époque Dissertação de mestrado, Programa em Musicologia da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 167 p.
- Oliveira, Maurício. 2012. Patápio Silva, o sopro da arte. Florianópolis: Insular. 192 p.
O livro do Cícero Menezes é especial por que o autor teve contato com vários contemporâneos do Patápio, que o conheceram pessoalmente, inclusive outros familiares. Isto torna o livro dele único e de grande importância.
Revista do Choro: Estamos diante de um documento histórico, valioso e raro, mas em sua postagem, você fez uma observação destacando a capa do livro. Por quê? Quem fez a ilustração da capa?
Sandor Buys: A capa traz uma fotografia do Patápio e não há tantas fotografias dele publicadas. Eu não lembro de ter visto a capa deste livro por aí, procurei na internet e não encontrei imagens relacionadas ao livro. Por isso achei interessante compartilhar a imagem da capa. Um fato interessante de se ressaltar é que a fotografia parece ter sido bastante retocada, possivelmente a intenção foi “branquear” o Patápio.
Revista do Choro: O livro foi publicado por alguma editora? Qual?
Sandor Buys: O livro foi publicado pela Companhia Editora Americana, no Rio de Janeiro.
Revista do Choro: Tens ideia de quantos exemplares foram impressos, se o livro foi comercializado…
Sandor Buys: Imagino que tenha sido comercializado, foi publicado por uma empresa editora comercial. Não há indicação no livro sobre número de exemplares impressos.
Revista do Choro: O que está escrito na dedicatória que o autor da biografia fez para a maestrina Joanídia Sodré?
Sandor Buys: A dedicatória é bem simples, apenas isto: “A Exma Maestrina Joanídia Sodré oferece o Cícero. Rio 28/9/1953”.
Revista do Choro: O que você gostaria de destacar a respeito deste documento? Qual seu grande valor histórico?
Sandor Buys: Acho que o torna especialmente importante este livro é ser uma biografia baseada em depoimentos de pessoas que tiveram contato com o Patápio em vida. O meu interesse especial neste livro no momento é usá-lo como referência no trabalho biográfico que estou desenvolvendo sobre o Pedro de Assis, um trabalho bastante curto, mas que acredito que pode acrescentar um pouco a história da música brasileira do início do século XX.
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