Filme traz depoimentos de chorões londrinenses, que há 50 anos se reúnem em torno de uma roda de choro
Leonor Bianchi
Em fase de finalização, o longa-metragem documentário sobre os 50 anos do Clube do Choro de Londrina conta a história de uma das entidades representativas do choro mais antigas e tradicionais do Brasil. Conversei com Francielly Camilo, diretora e uma das produtoras do filme, que deve estrear em 2016. A proprietária da Metafixa, produtora de cinema sediada em Curitiba que está à frente da produção do longa independente, me contou que se envolveu tanto com o choro, que o filme nasceu dessa relação, que passa pela admiração e respeito ao gênero. Jornalista que ainda desfruta dos primeiros anos que se seguem à formação acadêmica, graduou-se pela Universidade Estadual de Londrina. Foi lá que Francielly começou a ter contato com o cinema e com o choro.
“Uma amiga minha, que toca flauta, começou a frequentar algumas apresentações do Clube do Choro de Londrina para exercitar a prática do instrumento. Isso em 2010, 2011. Nessa época eu tinha 21 anos. Ela, essa amiga, é uma das inspirações para a realização desse filme, pois foi através dela que conheci o choro. Comecei a frequentar a roda que o grupo do Clube do Choro de Londrina fazia no Bar do Bodega, e comecei a viver aquilo. A galera ia chegando e se organizava numa roda lá no cantinho. Até então eu ainda não tinha convivência alguma com o choro, e esses encontros me fascinaram. Chegamos a fazer um trabalho de semiótica utilizando o choro, para a universidade… Eu me apaixonei não só pelo choro, mas pelo contexto todo que envolve o choro: uma roda democrática onde qualquer pessoa que saiba tocar está ali: idosos, jovens, crianças… Então, não só a música, mas todo esse enredo que é a roda de choro me encantou muito. Pra mim eles eram um grupo de choro apenas, mas na verdade eram os instrumentistas do Clube do Choro de Londrina se apresentando, eu é que não entendia muito bem ainda essa dinâmica; achava simplesmente que era um grupo, e só. Essa minha amiga chegou a fazer um trabalho de rádio documentário falando sobre a história do Clube. Foi a partir dele que comecei a entender melhor que aquilo não era só um grupo musical. Esse programa foi o mote para eu despertar de vez para a vontade de escrever o roteiro do filme”, conta a diretora, que se aventurou também nesta vereda do universo da sétima arte, a de escrever roteiros.
Da ficção para a vida real e a narrativa documental
No início, Francielly pensou em fazer um curta ficcional contando a história de uma menina que não conseguia tocar choro, até que encontra uma roda de choro e tudo fluiu como num sonho perfeito.
Mas, passados dois anos após ter escrito esse curta, a cineasta confessa que mudou completamente de visão quando novamente parou para pensar em realizar o filme sobre choro, que tanto queria fazer.
Esse novo olhar veio através dos ‘toques’ de um grande amigo e incentivador do filme, o instrumentista e chorão Osório Perez, pessoa de forte atuação no Clube do Choro de Londrina. Foi ele quem contou para a diretora e roteirista do filme praticamente todos os principais momentos dessa narrativa, afinal enquanto um dos integrantes-célula do Clube do Choro de Londrina, Perez, ou Nego, como é chamado pelos amigos, conhece bem a história do mesmo.
Ao perceber a importância do material que estava em suas mãos, a documentarista resolveu mudar completamente o roteiro de ficção de um curta para um longa-metragem documental.
“Escrevi um roteiro para um curta ficcional que contava a história de uma menina que não conseguia tocar sozinha. Um dia, saindo em busca de alguma coisa ela descobre que o que faltava para ela tocar era uma roda de choro. Escrevi esse roteiro naquela época, ou seja, há quatro anos, mas não fiz o filme”, conta a diretora.
Há dois anos e meio, Francielly assumiu definitivamente sua veia para a produção cinematográfica e decidiu dedicar-se profissionalmente ao cinema. Foi quando se mudou de Londrina para Curitiba, onde trabalhou como jornalista enquanto tentava uma colocação na área de cinema.
Vinda de movimentos cineclubistas em Londrina, durante sua formação no curso de Jornalismo, Francielly fez muitos trabalhos relacionados à linguagem documental, o que já mostrava sua predisposição para a realização de documentários. E, embora seja hoje o documentário sua veia mais aflorada, como ela mesma conta, foi com o cinema ficcional que aprendeu tudo o que sabe sobre produção cinematográfica.
Chegando a Curitiba, Francielly começou uma pós-graduação em cinema e logo foi trabalhar na Camarada Filmes, onde ficou por dois anos.
“A produtora tem um perfil mais voltado para a ficção e foi minha escola no cinema. Aprendi muito: desde o começo do desenvolvimento do projeto, até as burocracias com a ANCINE e com os editais, passando pela pré-produção, produção, enfim… Não cheguei a participar de nenhum longa-metragem, só participei de um doc. média-metragem e também de um piloto de uma série para TV. Eu estava numa produtora com mais de 30 anos de caminhada, trabalhando com o Elói Pires Ferreira, que tem uma super história no cinema do Paraná. Foi quando comecei a vivenciar plenamente o cinema independente. Nesse período o roteiro do curta – aquele curta da menina -, começou a voltar a minha cabeça. Contudo, foi apenas este ano, durante a semana do Dia do Choro, em Londrina, em abril, conversando com o Perez, que a ideia se concretizou definitivamente.
Inicialmente, era um curta, mas quando o Nego começou a me contar a história de mais de cinquenta anos do Clube do Choro de Londrina, percebi que tínhamos mesmo que fazer um longa, pois estávamos diante de muita história pra contar. Nesse período eu estava me desligando da ‘Camarada’ e abrindo minha própria produtora. Eu já estava querendo abrir a produtora há algum tempo, já era algo planejado e este filme é o primeiro trabalho que realizamos voltado para o cinema (de verdade). Fizemos a cobertura da greve geral dos professores do Paraná e outros projetos, mas considero que este seja nosso primeiro projeto realmente voltado para o cinema”, observa Francielly.
União de forças para a produção
Quem também colaborou com o filme foi o músico Osório Perez, que segundo Francielly, mergulhou de cabeça na produção, ajudando em todos os sentidos.
Foi ele, por exemplo, quem norteou a narrativa do filme contando à diretora como surgiu o Clube, quem foram seus fundadores; apontou as personagens mais importantes dessa história para que ela pudesse entrevistar durante a realização do documentário. E assim foi feito. Ao lado da amiga e produtora Luisa Perine, uma das três sócias da produtora do filme, e com todo o ‘suporte luxuoso’ de Osório Perez, o filme saiu do papel.
Dentre os locais escolhidos para as locações está o Mercado Municipal de Londrina
Por se tratar se um filme de baixo orçamento, uma produção independente, o filme usou muitas locações externas, como se fala no cinema, pois é mais barato gravar na rua do que em estúdio, além de ser muito mais difícil e original também. Ainda mais em se tratando de um documentário, onde não há interferências sobre o ato da cena… ou seja, fazer cinema na rua é fazer como Glauber e Nelson Pereira fizeram há 40 anos no Cinema Novo; é usar a criatividade e a capacidade de solucionar problemas (geralmente os de captação de áudio) no fazer cinema no Brasil. Antes de tudo é um ato de guerrilha muito mais do que uma linha filosófica e estética.
A equipe de realização do filme contou com 12 pessoas e pessoal de apoio. Os sets aconteceram em julho deste ano, durante seis dias de gravação. Foram registradas 19 entrevistas com representantes, fundadores, instrumentistas, frequentadores do Clube do Choro de Londrina que contaram como o choro começou a ser praticado na cidade interiorana onde a música sertaneja sempre foi a grande referência.
Local tradicional em Londrina, de encontro de chorões e apresentações de muitas rodas, o Mercado Municipal foi uma das locações escolhidas pela equipe de produção para gravar uma das rodas de choro que aparecem no filme. Também estão entre as locações, o Bar Dona Menina, o Café Cristal, o Auto Posto GP, o Shopping Mall, a oficina de choro no Colégio Marcelino Champagnat, o Bar do Galo, Barraco da Sopa, Restaurante Casarão, Restaurante Cantina do Nonoca, a Universidade Estadual de Londrina…
“Tive que tirar folga da rotina do sindicato onde trabalho para ficar duas semanas em Londrina, gravando. O Ozório ajudou fechando muitas entrevistas para o filme. Conseguimos três mil reais de patrocínio direto de pessoa física e o resto foi só apoio mesmo, algumas permutas, refeições para a equipe, hospedagem para os dias de gravação num hotel de Londrina”, pontua a produtora.
O filme foi feito com captação digital. A fotografia utilizou uma câmera fixa e outras duas, três captando planos-detalhe e de complemento. Ao todo foram capturados dois teras de imagens. Segundo a diretora do longa, Franciele Camilo, a maioria das entrevistas tem mais de 40 minutos de duração.
Memória revelada
Antes de qualquer coisa, o filme fala de lembranças, de histórias e de memórias de todos os londrinenses que, se não vivenciaram com tanto vigor o momento de criação do Clube, ou tocaram em seu conjunto em uma de suas formações, por certo frequentaram ao menos uma vez na vida a roda que o grupo faz há cinco décadas na cidade.
E foi justamente a memória dos londrinenses – em alguns momentos impresso em fotografias antigas, em outros, vivo como se fosse hoje, em vídeos restaurados (verdadeiras relíquias) -, que serviu como base para a construção do roteiro final do filme.
Como nos contou Francielly, sempre que conhecia algum novo entrevistado para o filme, solicitava que ele abrisse seu baú de memórias e apresentasse fotos, instrumentos, recortes de matérias de jornais, gravações em vídeo e tudo mais que eles pudessem ter que ajudasse a contar a história do Clube.
E ela encontrou muita coisa nesse baú! E continua encontrando!
Muita coisa importante já foi encontrada na casa dos integrantes do Clube, durante a pesquisa para a montagem do roteiro do filme. Teve até uma emissora de TV local que apareceu com umas imagens superantigas, que ninguém mais lembrava que existiam, mostrando o Clube do Choro de Londrina, há décadas atrás!
“Comecei a trabalhar na pesquisa para o filme, em maio, e partir do zero, já que não existia material para a construção do roteiro, que até então era um roteiro de ficção. Conseguimos muitas fotos. O Clube começou oficialmente no início da década de 1970 (1972, 1973), mas já existia um grupo de músicos que, desde o final da década de 1950, que se reunia para tocar na TV Colorado, que inclusive cedeu algumas imagens para o filme. Conseguimos imagens de um dos fundadores do Clube, o Robertão, que hoje está com Alzheimer, não se lembra mais das coisas, mas nós conseguimos filmá-lo em um dos sets. É impressionante, pois ele não lembra de nada daquela época, mas não esqueceu uma nota! O mais interessante mesmo que acredito que o filme esteja revelando é a presença de Londrina no cenário do choro. O filme revela que o choro é pulsante em Londrina e que tem tradição aqui. Filmamos de manhã, tarde e noite durante seis dias e foram muitas rodas, mais de 20. Você consegue traçar uma rota de choro na cidade. Tem choro na cidade todos os dias da semana durante todos os dias da semana. Tem choro em casas de café, em posto de gasolina… Londrina tem 80 anos, e quando você vê o Clube do Choro tem mais de 50. Daí você já imagina a importância do Clube na formação da cidade.
Neste vídeo do acervo da RPC TV podemos ver integrantes importantes do Clube do Choro de Londrina, como Juliano de Mari, Valmor Lima (Gaúcho) e Albertino Sete Cordas. Edilson Leal, intermediador/orador das apresentações do Clube, desde 1975, dá um depoimento sobre os rumos da Música Popular Brasileira. É emociante. Assista!
“Temos informações em jornais antigos da chegada a Londrina de um dos músicos que fundaram o Clube, o do Frederico Belinati, que, unindo-se ao Robertão formaram um duo. Até antes disso, sabemos que existia uma reunião em torno do choro, mas não sabemos ao certo como esses encontros começaram. O que encontramos também e que estamos querendo entender é a figura do Peixoto, que segundo uma matéria que encontramos durante a pesquisa, ele veio para substituir o Frederico. Entendemos que ele era um dos músicos mais antigos de Londrina”, relata Francielly.
Financiamento coletivo ajudará a viabilizar a finalização do filme
“Esse projeto surgiu da minha cabeça, mas foi totalmente abraçado pelo pessoal do Clube do Choro de Londrina. Nessa caminhada, ele saiu das minhas mãos para pertencer a mais pessoas. Muita gente começou a aparecer e a contribuir também”, conta a idealizadora do filme.
Agora existe um edital de fomento à cultura em Londrina, anualmente. Não é muito dinheiro, mas, pelo Clube do Choro poderíamos concorrer a este edital. A ideia é tentar captar os recursos em Londrina, sobretudo. O Perez sempre fala que seria muito legal as pessoas virem para Londrina para assistirem boas rodas de choro. Então o filme dá essa construção também para o desenvolvimento do turismo cultural em Londrina”, destaca a diretora do longa.
Os realizadores tentarão recursos numa plataforma de financiamento coletivo na internet, para a finalização do filme. De acordo com Francielly Camilo, o núcleo de produção ainda está pesquisando em qual das plataformas disponíveis no mercado a Campanha acontecerá. Existe ainda, a possibilidade desses recursos serem captados em um site próprio para o projeto. Tudo vai depender do que for melhor para agilizar a finalização do longa-metragem.
Filme ainda não tem nome
“Não tenho mais capacidade de escolher o nome, sozinha. Tem tanta gente envolvida! A ideia inicial ainda quando o filme ainda era um curta, era que o nome fosse ‘O choro no olhar’, mas a gente acabou achando que o nome poderia ser um tanto quanto depreciativo e mudamos o rumo das coisas. Até agora estamos estudando alguns títulos, como ‘Londrina na rota do choro; Londrina tem choro sim’, mas até o momento não definimos o nome da produção”, explica Francielly.
Mestres do choro londrinense em destaque na tela
No filme há momentos emocionantes, como o que aparece seu Alberto, um dos que mantiveram o movimento do Clube do Choro de Londrina aceso até alguns anos atrás e durante um set, ao ver os músicos tocando se juntou a eles e mesmo com toda sua dificuldade, em função do Parkinson que o acometeu, tocou um choro.
Dona Clotilde, esposa de seu Alberto, guarda até hoje imagens em fitas, vídeos, das rodas de choro do Clube nos anos 90. Ela é uma pessoa muito importante no filme.
Outro grande chorão londrinense e figura importante para o Clube do Choro de Londrina é o Robertão, que já não pode mais atuar dado o avanço da idade e o Alzheimer.
“O Robertão é um músico e compositor do início do século, daqueles que não existem mais. E o que mais me chamou atenção é que todos eles não são leitores de música, eles tocavam tudo de ouvido! Achei isso fantástico. O Robertão, por exemplo, tem uma pegada dos chorões do início do século, inclusive ele usava o dedão para tocar em todas cordas. É totalmente fora da regra do tocar e ele toca daquele jeito… é fantástico!”, conta Francielly, entusiasmada ao lembrar de Roberto Guerra Neto, o Robertão.
‘Depoimentos-aulas de música’
O filme traz o depoimento de uma personagem muito peculiar que vivenciou muito o núcleo do Clube do Choro de Londrina: Pedro Moretto, um saxofonista que com seu conhecimento de leitura musical, pesquisava partituras nas décadas de 1980 e 1990 e as traduzia para os músicos do Clube, que não sabiam ler partitura. Ele foi uma espécie de tradutor do repertório tocado por décadas (e até hoje) pelos chorões do Clube.
Figura central desta história, o médico infectologista Dr. Baldy, foi quem um belo dia convocou a turma que se reunia em torno da roda para tocar e disse: “Amigos vamos criar um Clube do Choro aqui em Londrina!?”
“Ele não toca nenhum instrumento, nunca tocou, mas é um grande apreciador do choro e foi um dos que teve a ideia de oficializar o Clube. Ele tem muito a pegada de fazer o choro de raiz, o choro mais tradicional e trazer esse repertório para as rodas. Passamos uma tarde em sua casa durante as gravações do filme e foi uma aula de música fantástica!”, lembra a diretora.
O filme ainda não tem data para estrear, mas a expectativa dos realizadores é de que ele seja lançado em 2016. Estamos acompanhando ansiosos!
Saiba mais sobre o projeto no site da Produtora
Fotos: Marcelo Luiz Zapelini e Jaqueline Vieira