Leonor Bianchi
Local de muita história para o Brasil, foi na grande região de onde hoje está a Praça Tiradentes, no centro histórico do Rio de Janeiro, no Largo da Carioca, que surgiu, em 1914, num coreto, em frente ao Clube Sociedade Tenentes do Diabo, apresentando-se durante os dias do Carnaval, o Grupo do Caxangá, um conjunto de músicos amigos de João Pernambuco e Pixinguinha, e que seria a gênese dos Oito Batutas, o amálgama da transformação da música brasileira para o que conhecemos até hoje.
Na época em que o conjunto se formou com o nome de Oito Batutas, 1919, a convite do empresário Arnaldo Guinle, para se apresentar na sala de espera do Cine Palais, na Cinelândia, centro do Rio, eles ainda não sabiam que estariam iniciando ali as páginas de uma nova história para a música popular brasileira.
Saíram do coreto do Largo da Carioca e foram tocar num dos ambientes mais aristocráticos da cidade, então capital federal do Brasil. E da sala de espera do Palais, embarcaram num navio rumo a Paris, a capital da liberdade de expressão e da cultura, em 1922, ano do centenário da independência do Brasil. Foram os primeiros brasileiros negros a irem para a França para se apresentar no ambiente artístico. O fato causou estranhamento entre conservadores e progressistas, a imprensa malhou, mas depois da volta dos Batutas de Paris, recebeu os músicos com prestígio. Tanto foi, que logo após voltarem de Paris, onde ficaram por seis meses, tendo retornado ao Brasil para se apresentarem na festa da Independência, Os Batutas viajaram para sua segunda turnê internacional; desta vez para um país da América Latina onde a efervescência cultural também era muito forte neste período: a Argentina.
A história dos Oito Batutas e das suas viagens a França e a Argentina são o tema da série:
2022 – Do Palais ao Shéhérazade, do Shéhérazade ao Empire Theatre: O centenário dos Oito Batutas em Paris e na Argentina.
E para começar a falar sobre essa história, vou falar antes sobre o local onde ela nasceu: a Praça Tiradentes, berço da independência do Brasil, onde fica localizado o Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, morreu, de forma pavorosa e atroz, o homem que ajudou a libertar o Brasil da colônia portuguesa: Joaquim José da Silva Xavier (12/ 11/ 1746 – Ritápolis, Minas Gerais) – (21/ 04/ 1792 – RJ, Rio de Janeiro): Tiradentes, um dos primeiros brasileiros a se rebelar contra a coroa de forma a atrair a adesão de muitos outros para a causa da liberdade, em diversos territórios do país.
Palco de momentos sangrentos e da evolução da arte e da cultura em nosso país, foi ali que começou a vida cultural do Brasil (Colônia), praticamente, pois foi na Praça Tiradentes que a família real, vinda de Portugal para o Brasil em 1808, instalou o primeiro aparelho cultural oficial do Brasil, o Real Theatro São João, em 1813.
Foi ali que a família real jurou assinar a Constituição Brasileira escrita em Lisboa, em 1821.
O que aconteceria de inovador em nível cultural na sociedade do Rio de Janeiro nos dois séculos seguintes teve início ali e no seu entorno. O nascimento do conjunto Os Oito Batutas está entre estes eventos. Considerando isto, inicio esta série trazendo à tona a história deste lugar a fim valorizá-la, e, também, transportar o leitor numa viagem no tempo, permitindo com que ele tenha uma experiência ainda mais real dessa história.
Quem nos ajuda a compreender melhor a história do lugar é a jornalista Márcia Pimentel. Em seu artigo escrito para a série Ruas do Rio, da TV MultiRio, ela apresenta a Praça:
“Maior reduto da vida noturna do século XIX até as primeiras décadas do XX, a Praça Tiradentes é o mais antigo polo cultural do Rio de Janeiro. Seu DNA de lazer e entretenimento foi iniciado em 1813, com a inauguração do Real Theatro de São João (atual João Caetano), que agitou o cotidiano da cidade e transformou o então Largo do Rocio – como a praça era chamada na época – no centro nervoso da vida social carioca. A casa de espetáculos foi construída para atender a corte, pois o Ópera Nova, localizado no Largo do Paço (atual Praça Quinze), era modesto demais para acomodar a nobreza, além de não comportar as pretensões dos artistas vindos com a família real, que queriam encenar, na nova sede da monarquia portuguesa, os grandes musicais apresentados em Lisboa.
Antes da construção do teatro, o lugar tinha feições muito diferentes. Segundo relato do Padre Perereca em Memórias para servir à história do Reino do Brasil, quando a corte chegou ao Rio, o Largo do Rocio não passava de um grande descampado com muito capim e águas empoçadas, onde pastavam alguns bois e cavalos. As moradias eram pouquíssimas, modestas e malcuidadas. A melhor construção, erguida no fim do século XVIII, era a que hoje abriga o Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab) e que, com a chegada de D. João, foi adquirida e reformada pelo Visconde do Rio Seco para servir de sua residência.
A Praça Tiradentes, conhecida em diferentes épocas por Campo da cidade, de São Domingos, do Carmo, dos Ciganos, da Lampadosa, Largo do Rossio, Praça da Constituição e Praça D. Pedro I, é um dos logradouros do Rio de Janeiro que foram palco das mais variadas transformações sociais por que passou o povo carioca nesses quatrocentos e vinte anos de existência. Em 1791, o campo foi demarcado, cuidado o seu alinhamento e levantadas as primeiras habitações, ficando ao centro o espaço retangular já nesta época conhecido também como Campo dos Ciganos.Angela Tâmega Menezes
Histórias e nomes
Um século antes disso não havia sequer o Largo do Rocio. O descampado fazia parte do Campo de São Domingos, assim chamado porque negros devotos construíram (na confluência das atuais avenidas Passos e Presidente Vargas) uma igreja em louvor ao santo. A área ficava fora dos limites da cidade – a parte urbana ia até a Rua da Vala (atual Uruguaiana) – e só era frequentada pelas camadas mais baixas da população.
O Rocio só surgiu em 1721, quando foi desmembrado do Campo de São Domingos. Nessa época, vários ciganos degredados por D. João V, então rei de Portugal, já estavam instalados naquela área e, por isso, o lugar era popularmente chamado de Campo dos Ciganos. Depois que uma irmandade de negros oriundos da Ilha de Lampedusa, no Mar Mediterrâneo, iniciou nas redondezas, na década de 1740, a construção de um templo de devoção a uma imagem da Virgem Maria vinda de sua terra natal, a população também passou a se referir ao Rocio como Largo da Lampadosa.
Com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, o Rocio ganhou mais um apelido: Terreiro da Polé. Isso porque o príncipe regente D. João mandou transferir (do Largo do Carmo para lá) o pelourinho – um poste de pedra encimado pelas armas reais, onde se fazia justiça em nome del Rey e que, por essa razão, além de lugar de castigos públicos, era local privilegiado de divulgação de editais, sentenças judiciais etc.”
Do acervo da Casa da Marquesa de Santos (RJ) temos a seguinte menção a tão imponente Praça Tiradentes nos tempos do Brasil Colônia.
“O Real Teatro de São João, inaugurado em 1813, no Largo do Rocio, atual Praça Tiradentes, um dos espaços culturais mais importantes do império, mas que sofreu três incêndios e foi demolido no século XX. No mesmo lugar, foi erguido o Teatro João Caetano, hoje um dos equipamentos da FUNARJ.
Gravura em metal aquarelada, com o título “Vue de la salle de spectacle sur la place do Rocio, à Rio de Janeiro”, assinada por Lerouge et Bernard, a partir de desenho de Jacques Arago (J. Arago), impressa na França. Em primeiro plano, várias figuras humanas, incluindo escravos carregando uma liteira e barris, sendo açoitados. Dois religiosos, ao centro. Em segundo plano, construções arquitetônicas. Século XIX. Primeiro Reinado. Dimensão: A 31.5 X L 41.5 cm”.
Voltando a Márcia Pimentel:
“Desde que a região do Mangue (Mangal de São Diogo) foi aterrada e D. João ordenou que ali se fizesse um rocio pequeno (futura Praça Onze) para incentivar o povoamento da área, o Largo também passou a ser chamado de Rocio Grande, em contraposição ao outro que havia sido aberto na Cidade Nova.
Em 1821, um ano após a Revolução do Porto, D. João VI e o príncipe D. Pedro – pressionados por Lisboa, que exigia o imediato retorno da família real e medidas de recolonização do Brasil – juraram, a contragosto, a nova constituição portuguesa. O juramento foi feito na varanda principal do Real Theatro de São João, em um ato esvaziado, registrado pelo artista francês Jean-Baptiste Debret. Embora o evento tenha sido pró-forma, foi motivo para o Rocio ser oficialmente rebatizado de Praça da Constituição. A Rua dos Ciganos, entre o Largo e o Campo de Santana, também ganhou o mesmo nome (que permanece até hoje).
Por fim, em 1892, ano do centenário do enforcamento do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o governo da jovem República – carente de símbolos que atraíssem a adesão popular ao regime e criassem uma consciência republicana – mudou o nome da Praça da Constituição para Tiradentes. Essa foi uma entre várias iniciativas tomadas para a construção do mito do “Mártir da Inconfidência”, o primeiro republicano morto e esquartejado pela monarquia portuguesa.
O antigo Largo do Rocio foi escolhido para homenagear o novo herói nacional porque ele teria sido enforcado naquelas imediações. Não há consenso sobre onde exatamente ficava a forca. Uns afirmam que era na atual Avenida Passos, na proximidade com a Presidente Vargas. Outros, entre a atual Praça Tiradentes e o Campo de Santana.
João Caetano e transporte público
Reduzido a meras paredes em razão de um incêndio ocorrido em março de 1824, o Real Theatro São João foi reerguido por Fernando José de Almeida, que havia sido o maior incentivador de sua construção junto ao príncipe regente D. João.
Reinaugurado em janeiro de 1826, com o nome de São Pedro de Alcântara, o teatro foi rebatizado de Constitucional Fluminense após a abdicação, em 1831, voltando a se chamar São Pedro de Alcântara a partir de 1838 – ano em que foi arrendado para o ator João Caetano, cabeça da companhia teatral brasileira mais célebre do século XIX.
Nessa época, a então Praça da Constituição já se tornara ponto de partida da primeira linha de ônibus de tração animal da cidade, com carros de dois andares puxados a quatro cavalos, que faziam, primeiramente, o trajeto entre o Rocio Grande e Botafogo e, depois, para outros bairros.
Em 1859, a praça transformou-se na estação central da primeira linha de bondes do Rio de Janeiro. A facilidade de deslocamento acabou estimulando, aos poucos, na praça e no seu entorno, a abertura de novos negócios de lazer, como casas de dança, salões, clubes e teatros.
Monumento e apogeu
O auge da Praça Tiradentes como polo de entretenimento ocorreu entre as décadas de 1870 e 1930, quando a Cinelândia lhe tomou o posto. Pouco antes do início do apogeu, em 30 de março de 1862, recebeu, com uma grande festa cívica, o primeiro monumento público do Brasil: uma estátua de bronze de D. Pedro I (hoje tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), esculpida pelo francês Louis Rochet, em que o imperador é retratado fardado sobre um cavalo, segurando as rédeas com a mão esquerda e exibindo a Constituição de 1824 com a direita. O monumento, glorificando o proclamador da Independência do Brasil, foi, aliás, mais um motivo para mudar o nome da praça, sobrepondo o herói republicano ao imperial.
Na década de 1860, havia se instalado, na Rua Uruguaiana, a casa de espetáculos Alcazar Lyrique, que trouxe para o Rio a novidade do teatro de vaudeville, que, com seus quadros musicais, apimentados e ligeiros, havia arrebatado o público parisiense, em especial o masculino, que se encantava com as atrizes que mostravam as pernas em cena. Surfando na onda do “café-cantante”, como os cariocas da época passaram a se referir ao gênero, vários teatros foram abertos na Tiradentes e seu entorno.
Em 1872, na esquina da Rua Espírito Santo (atual Pedro I), foi inaugurado o Theatro Cassino Franco-Brésilien (atual Carlos Gomes), onde predominavam os espetáculos de café concerto. Em 1877, 1881 e 1882, o Variedades (futuro Recreio), Príncipe Imperial (Moulin Rouge e São José) e Novidades (Lucinda), respectivamente.
Várias outras casas de entretenimento, com ambientes mais informais e populares, foram abertas no entorno da Tiradentes nos tempos do Segundo Reinado e da República Velha, consolidando a praça como o grande centro da vida noturna da cidade e lugar das artes.
No livro O Rio de Janeiro do meu tempo, Luiz Edmundo descreve a noite da Tiradentes em 1901:
“Ao centro, o jardim (…) por onde passeiam, depois de oito horas da noite, moços de ares feminis (…) Das oito às oito e meia o Largo inteiro se agita. O povo começa a invadir os teatros. Na charutaria que está junto ao Moulin Rouge (…), as discussões sobre a veia cômica do Brandão, as tiradas melodramáticas do Dias Braga (…) Do outro lado, na esquina da Rua Sete, é que fica o charuteiro Madruga (…) Mais adiante, o restaurante Mangine, e, perto, (…), o Criterium, café então considerado o melhor do lugar, e a Maison Desiré (…) Tudo isso iluminado, sem contar as lojas que estão abertas, até às dez horas da noite, dá ao logradouro uma animação só comparável à das grandes cidades”.
Depois das 22h30, continua Luiz Edmundo, quando os espetáculos terminavam, a praça se enchia novamente de gente e de uma confusão de vozes, brados e cantorias. Era a hora em que os bares, cafés e restaurantes lotavam. Na Rua do Espírito Santo ficavam as “casas de comer de terceira ordem”, que espalhavam pelo ar o cheiro das iscas de fígado fritas em gordura de porco, vendidas “com elas ou sem elas” (as batatas).
Esvaziamento
Na década de 1940, a Tiradentes já havia perdido grande parte de seu público para a Cinelândia e a Zona Sul. Mas se transformou no grande reduto do teatro de revista da cidade, no lugar preferido das vedetes, bailarinos, atores, coreógrafos e todos os demais profissionais envolvidos com esse tipo de espetáculo. Nessa mesma época, a Gafieira Estudantina, recentemente fechada, também se instalou na praça, com seu estatuto pendurado nas paredes, proibindo, entre outras coisas, beijos longos, bermudas, shorts e camisas sem manga – normas que acabaram eternizadas por Billy Blanco, em sua música Estatuto da gafieira: “Moço / Olha o vexame / O ambiente exige respeito / Pelos estatutos / Da nossa gafieira / Dance a noite inteira / Mas dance direito”.
A vida cultural na Tiradentes talvez tenha sido a que mais se ressentiu da política, instaurada por Getúlio Vargas, de fechamento de casas noturnas na região central – o início do processo de transferência do polo de entretenimento para a Zona Sul.
Mas a praça resistiu e sua transformação, em 1984, em Zona Especial do Corredor Cultural, junto com a iniciativa de alguns pequenos empresários, tem buscado fazer jus à sua importância histórica para a cidade do Rio de Janeiro”
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O Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes
Em sua dissertação de mestrado apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Centro de Letras e Artes da Escola de Belas Artes Rio de Janeiro, em 1998, “O Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes: sua importância e complementaridade na vida pública e cultural do Rio de Janeiro – 1808 – 1920”, a pesquisadora Angela Tâmega Menezes descreve a gênese histórica da Praça Tiradentes, enfocando as edificações e patrimônios arquitetônicos daquela região da cidade…
“(…) Conhecida em diferentes épocas por Campo da cidade, de São Domingos, do Carmo, dos Ciganos, da Lampadosa, Largo do Rossio, Praça da Constituição e Praça D. Pedro I, é um dos logradouros do Rio de Janeiro que foram palco das mais variadas transformações sociais por que passou o povo carioca nesses quatrocentos e vinte anos de existência. Em 1791, o campo foi demarcado, cuidado o seu alinhamento e levantadas as primeiras habitações, ficando ao centro o espaço retangular já nesta época conhecido também como Campo dos Ciganos.”
Na pesquisa ela apresenta todos os teatros e casas de espetáculo que ali funcionaram desde que a praça existe. Segundo Tâmega:
“OS TEATROS DA PRAÇA TIRADENTES
Não se pode falar na Praça Tiradentes sem se fazer uma referência aos teatros ali localizados e que em determinadas épocas encheram de alegria a vida do povo do Rio. A praça da Constituição sempre foi local muito procurado para estas casas de espetáculo. Houve época em que existiram simultaneamente seis teatros ao seu redor.
Os teatros de revista da Praça Tiradentes tiveram sua época áurea na segunda década do século XX, iniciando-se logo depois seu período de decadência
O Teatro Real de São João
Teatro Real de São João em 1813, D. Pedro da Alcântara, em 1826, Constitucional Fluminense, em 1831, São Pedro de Alcântara, em 1839 e finalmente João Caetano, a partir de 1923, localizava-se na esquina do Rossio com a rua do Sacramento, atual Avenida Passos. É um dos mais importantes marcos históricos da cidade no período do Império. Profundamente ligado a atos cívicos importantes ocorridos no período que vai da segunda década do século passado – (a autora escreveu este texto em 1998) -, até a terceira década do século XX, tem como uma das personalidades de maior destaque a figura de D. Pedro I que nele viveu momentos importantes em sua vida e na história do Brasil. O Teatro João Caetano, ainda existente, é testemunho de um espaço mais que centenário que mantém até hoje o mesmo tipo de atividade ligada aos meios de diversão e do show business. Teatro e praça se confundem e se misturam num mesmo ambiente de importantes lembranças históricas.
Com a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, o barbeiro e cabeleireiro da corte, Fernando José de Almeida, vulgo Femandinho, português que chegara ao Rio de Janeiro como cabeleireiro do vice-rei Marquês de Aguiar, consegue do Senado da Câmara a cessão do terreno fronteiro à Igreja da Lampadosa a fim de nele erguer um teatro digno dos foros de civilização da cidade 31
Aumentada a população em cerca de quinze mil pessoas – número que compunha a comitiva real – um teatro de proporções adequadas tomava-se imprescindível para o divertimento. Uma corte habituada às salas de espetáculo, segundo padrões italianos, necessitava, em sua nova sede política, de um teatro à altura de sua pompa, tanto mais que na ocasião não contava a cidade com uma só casa no gênero. O que havia, a Casa da Ópera de Manuel Luís, edificada em 1776 no Terreiro do Paço (atual Praça XV), durante o governo do Marquês de Lavradio, tomara-se insuficiente para os numerosos cortesãos aficionados que chegaram com o Príncipe Regente.
Foi o que percebeu rapidamente o homem de iniciativas que era o cabeleireiro Femandinho ao sugerir que outro teatro se levantasse no Rossio. Sugeriu também que se chamasse Real de São João, em obséquio do nome do príncipe Regente Nosso Senhor.
A construção teve começo e três anos mais tarde, a 12 de outubro de 1813, aniversário de D. Pedro, Príncipe da Beira e futuro Imperador do Brasil, foi o teatro inaugurado solenemente com a peça O juramento dos Nunes, enredo de Gastão Fausto da Câmara e música de Marcos Portugal. D. João e toda a família real compareceram ao grande espetáculo.
Em dias de gala comparecia a Família Real ao Teatro que ostentava janelas de seda, grinaldas de flores, arandelas, lustres, cortinas de veludo franjadas de ouro na tribuna real e os fidalgos com fardas salpicadas de comendas, as damas com altos toucados entrelaçados de pérolas e pedras
preciosas enchiam os camarotes; soltavam-se pombos, estrugiam vivas ao Rei e aos Príncipes e quase sempre um elogio dramático em louvor de El rei Nosso Senhor dava princípio ao espetáculo.
A presença do principal teatro da cidade, bem como as residências aristocráticas que surgiram pouco a pouco ao redor da praça, incentivaram as atividades intelectuais tanto públicas quanto privadas que gradativamente se desenvolveram naquela área da cidade.
Construído com pedras retiradas da inacabada igreja da Sé pelo arquiteto e marechal de campo Manuel da Silva, o teatro São João foi o terceiro teatro a funcionar em nossa cidade. É também o mais antigo ainda existente.. Foi cenário, não apenas dos dramas e comédias que no seu palco se apresentavam, como de acontecimentos históricos.
O vendaval de liberalismo desencadeado pela revolução francesa, depois de abranger a Europa ocidental, chegou já mais atenuado à Portugal, um dos últimos redutos do absolutismo. Iniciou-se no Porto o movimento constitucionalista, com aspectos de franca revolução e veio repercutir no Brasil.
O Teatro São João foi, então, palco de acontecimentos marcantes que precederam a independência do Brasil. Foi no alto de suas galerias que, em fevereiro de 1821, a família real portuguesa jurou a constituição para os reinos de Portugal e Brasil. O fato mereceu tal destaque que motivou na câmara a mudança do nome de Largo para Praça da Constituição.
Na madrugada de 26 de fevereiro de 1821, revoltou-se a tropa da guarnição do Rio de Janeiro e marchou para o Largo do Rossio. Logo uma grande massa popular juntou-se aos militares exigindo que o rei e os príncipes jurassem obediência à constituição dos Reinos Unidos de Portugal e Brasil, que seria elaborada pela Corte em Lisboa.
A notícia chegou cedo à Quinta da Boa Vista, lançando pavor à alma tímida de D. João VI. Já às cinco horas da manhã chegava o príncipe D. Pedro ao Rossio para ler um decreto assinado pelo pai, revogando um anterior, que mandava observar a Constituição da Espanha. Não pôde terminar a leitura interrompido por protestos. O que queriam era o juramento imediato da Constituição a ser redigida em Lisboa.
Volta o príncipe a São Cristóvão e às sete horas estava de regresso, acompanhado do irmão D. Miguel, trazendo os decretos de revogação, de nomeação de novo ministério e de promulgação da Constituição ainda inexistente. Neste meio tempo, a multidão aumentou enchendo o Rossio. Juraram os dois príncipes, na presença do bispo e das autoridades locais, a Constituição. De tudo deu D. Pedro, da varanda do teatro, conhecimento à multidão, lendo os decretos. O povo, porém, ainda não estava satisfeito: queria que o rei também jurasse. Volta mais uma vez o príncipe a São Cristóvão retornando quase ao meio-dia com o rei pálido de medo.
Quando a carruagem surgiu no Rossio, á boca da Rua dos Ciganos, a massa popular prorrompeu em aclamações. Desatrelaram os animais e levaram a braços o coche para a porta do teatro. Contam testemunhas que D. João VI, que não era homem para situações semelhantes, desconfiado
das intenções do povo, não escondia o pavor de que estava tomado. Trôpego, apoiado ao braço do príncipe, subiu as escadas e no terraço proferiu o juramento que lhe era exigido. Juraria tudo que lhe pedissem naquele momento. Tão fraca e trêmula era sua voz que foi preciso que D. Pedro lhe fosse repetindo as palavras para serem ouvidas. Romperam as aclamações. O povo em delírio puxou a carruagem até o Paço de cidade. Aí chegados, foi preciso que os moços da câmara real carregassem a braços o soberano, tão bambas lhe estavam as pernas em consequência das emoções do dia. Á noite teve o pobre rei de comparecer de novo ao Teatro São João para assistir ao espetáculo de gala que ali se improvisou para festejar os acontecimentos. No dia seguinte, Já refeito, queixava-se amargamente D. João ao ministro austríaco, Barão de Stürmer, dos sofrimentos que o haviam feito padecer na véspera. E perguntava se era válido o juramento prestado a uma coisa que não se sabia o que era e nem ainda existia sequer.
A figura de D. Pedro I mobilizou diversas vezes a sociedade carioca em demonstrações no Rossio Grande. Em 1822, mais uma vez no Real Teatro de S. João, ele foi recebido, desta vez, de volta do Grito do Ipiranga. O teatro apresentava neste dia decoração composta por dísticos com dizeres rimados, como por exemplo:
Pedro, o Grande do Brasil, o nó desata
Povos escravos torna já senhores
Com elas assim do Amazonas ao Prata
Serão dadas na terra leis melhores ..
Assim descreve Vivaldo Coaracy os acontecimentos da noite histórica:
Na noite de 15 de setembro de 1822 compareceu D. Pedro ao espetáculo que nele se realizava logo depois de regressar de S. Paulo onde proclamara seu grito histórico. Em vez das cores portuguesas, traza no braço o laço verde da Casa de Bragança, com uma placa dourada em que estava gravado o mote “Independência ou Morte”. Recebeu-o o povo entre aclamações delirantes. Logo a 12 de outubro houve grande espetáculo de gala com o comparecimento do Imperador que nesse dia fora solenemente aclamado.
Daí em diante ele foi o lugar favorito de reunião da nascente aristocracia brasileira, acrescida cada vez mais de figuras novas, criadas por decretos.
Brasil Gerson nos informa que D. Pedro I frequentava-o não só por suas peças, mas também por causa das belas atrizes que ali se apresentavam.
O mesmo autor registra interessante passagem sobre as impressões do naturalista francês Victor Jacquemont em viagem ao Rio de Janeiro, durante o final do Primeiro Reinado, e sua passagem pelo Teatro São João:
A ópera L’italiana in Algeri, que nele ouviu, lhe pareceu horrível. Contudo o jovem Imperador o frequentava sempre, talvez por causa de suas bailarinas. Na plateia não havia pessoas de cor. A maioria dosespectadores residia em chácaras, fora do reduzido centro urbano, e era deixada à sua porta em seges de seu uso particular. Enquanto durava a função eram as mulas e os cavalos desatrelados para que pastassem no Largo fronteiro. Os cocheiros ou dormiam na boléia ou iam beber e jogar nas tabernas. Muitos se embriagavam e daí, muitas vezes, as tremendas confusões à saída de seus senhores, a procurá-los, aos gritos, na noite escura, numa balbúrdia de flâmulas bêbados à cata de animais perdidos e de animais indóceis a fugirem do cabresto …
Em 1824, por ocasião das comemorações da nova Constituição do país, o Real Teatro de São João sofre um incêndio que o destrói inteiramente. Durante um espetáculo de gala em homenagem ao juramento da agora Constituição do Império Brasileiro, o teatro ardeu em chamas. Comentários supersticiosos surgiram entre a população, uma vez que as pedras de cantaria com as quais fora construído o teatro eram destinadas à construção da Sé, no local onde mais tarde foi edificada a Escola Politécnica no Largo de São Francisco. Como a catedral prevista jamais foi erigida naquele local, o povo atribuiu o incêndio ao desvio ilegal do material de construção de um uso sagrado para outro profano.
Fernando José de Almeida empreende imediata campanha para angariar fundos para a reconstrução da casa de espetáculos. Reedificado e agora denominado Imperial Teatro de D. Pedro de Alcântara, foi franqueado ao público, em janeiro de 1826, aniversário natalício da princesa D. Maria da Glória, depois Rainha de Portugal.
A falta de espetáculos dramáticos desde que ardera o teatro atraiu tanta concorrência que, para venderem-se os bilhetes, era necessária a presença do juiz do teatro e de oito soldados de polícia.
Em 1831, recebe a denominação de Teatro Constitucional Fluminense, marcando uma cisão entre os artistas que compunham a companhia teatral que atuava no teatro na época. Foi novamente depredado, agora pelos jacobinos, em 1831. Em 1839 ficou conhecido com o nome de S. Pedro de Alcântara.
Apresentou o Teatro diversas modificações quer no exterior quer no interior; pintou elegantemente o teto o artista Olivier e Manuel de Araujo Porto Alegre, o pano de boca representando a ignorância e a rotina afugentadas pelo anjo das belas artes.
Reformado por João Caetano, em 1841 estreou nele o grande artista A Gargalhada, de Jacques Aragon, estando no Rio como seu hóspede o autor da peça. Em setembro de 1843, sobe à cena o drama Triunfo de Trajano em festejo do casamento do Imperador D. Pedro II com a princesa D. Theresa Christina. Em 1851 sofre o teatro novo incêndio, que o destruindo por completo.
Encarando as ruínas do edifício que por muitos dias fumegaram, repetia o povo:
– Foi castigo; ali não deveriam estar as pedras da Sé.
O ator João Caetano inicia grande campanha para a reconstrução da tão importante casa de espetáculos, obtendo êxito. Desta forma, em agosto de 1852, reabrem-se as portas da casa reconstruída, contando o espetáculo com a presença do Imperador D. Pedro II. Novamente o fogo vem a destruir o teatro, em janeiro de 1856. No espaço de 32 anos este fato se repetia pela terceira vez.
Novamente João Caetano se empenha na sua reconstrução e, em janeiro de 1857, a cena do Teatro São Pedro de Alcântara novamente se abre para o público.
Em 1860, apareceu a primeira das nossas revistas do ano, do funcionário público Figueiredo de Novais – gênero ligeiro, que só a partir de 1875, no dizer de Raimundo Magalhães Júnior, é que faria sucesso graças a Joaquim Serra, Artur Azevedo e Moreira Sampaio.
Em 1886 sua importância era tal que a já famosa Eleonora Duse nele representou a Dama das Camélias, enquanto a grande Sarah Bernardt fazia o mesmo no Teatro Lírico.
Rebatizado, em 1923, com o nome de João Caetano em homenagem ao ator dramático foi reconstruído em estilo Art, Déco entre 1928 e 1930, pelos arquitetos Gusmão, Dourado e Baldassini, com contribuição artística sob a forma de painel decorativo do pintor Di Cavalcante.
Devido ao fato de possuir má acústica, foi novamente reformado nos anos 70, e hoje destina-se a espetáculos populares.
O Teatro do Plácido
O Teatro do Plácido, entre as ruas do Piolho – atual rua da Carioca – e a do Cano – atual Sete de Setembro – teve licença para funcionar no dia 23 de janeiro de 1823.
O Teatrinho, como se tornou conhecido, teve boa acolhida, mas sua existência limitou-se a um ano e oito meses, pois a 20 de setembro de 1824 foi violentamente fechado por ordem da polícia, então sob a direção de Estevão Ribeiro de Rezende, que agiu em cumprimento à determinação imperial. O fato parece ter-se prendido a um incidente ocorrido, tendo como figura principal a futura Marquesa de Santos.
D. Domitila, acompanhada de pessoas de sua amizade, dirigira-se ao Teatrinho para assistir ao espetáculo. Recebida à porta de modo grosseiro pela diretoria da sociedade, foi-lhe dito que sua entrada era proibida, porquanto o lugar só comportava familias ... Declarou, no dia seguinte, a Marquesa de Santos ao Imperador que a ofensa o atingia também, porque seus empresários e empregados eram todos uns capangas dos ingratos e miseráveis Andradas que bem mereciam uma correção em regra.
O Intendente de Polícia e o válido imperial, Plácido de Abreu, foram chamados à presença de D. Pedro, que deu ordem à polícia para suspender imediatamente os espetáculos e ao Plácido recomendou que propusesse a compra do teatro por preço razoável.
O Porfírio
Inaugurado em 1824, localizava-se na Rua do Lavradio e hoje em dia é a Loja Maçônica Gran Oriente do Brasil. A rua do Lavradio era um local privilegiado para habitações e no período do Império muitas personalidades importantes da corte ali moravam. Foi também a rua escolhida por um dos atores dissidentes do Teatro São Pedro para a edificação de um teatro público, em 1924. Surge desta forma o Teatro do Porfirio, que foi adquirido mais tarde pela Loja Maçônica Glória do Lavradio, atualmente Gran Oriente do Brasil, ainda hoje em dia um dos bens culturais edificados mais significativos do centro do Rio.
Aqui vale um grifo meu, Leonor Bianchi. Foi neste teatro, o Porfírio, que mais de cem anos depois de sua construção, esteve Pixinguinha, Alfredo da Rocha Vianna Junior, integrante da formação original dos Oito Batutas, recebendo sua ordem como Grão Mestre da maçonaria.
O Teatro S. Francisco de Paula ou Teatro Francês
O Teatro Francês, localizado na rua São Francisco de Paula, atual rua do Teatro, foi inaugurado em 1832. Tratava-se de uma pequena sala de espetáculos construída inicialmente, como o nome indica, para a colônia francesa. Em 1841, o teatro estava fechado e João Caetano decide reformá-lo, alternando os espetáculos de sua companhia com os de uma companhia lírica francesa. O teatro é citado em romances da época, como A mão e a luva de Machado de Assis, que informam sobre as reduzidas dimensões da sala de espetáculo, fato este que não impedia, por exemplo, que as damas fossem vistas e retribuíssem olhares aos cavalheiros da plateia.
Em 1857 Carlos Gomes regeu pela primeira vez em sua plateia e, em 1860, apareceu a primeira das nossas “revistas do ano”, gênero ligeiro que faria sucesso crescente graças a Joaquim Serra, Artur Azevedo e Moreira Sampaio.
Reformado em 1864 o já então Ginásio Dramático funcionava como palanque da esfera pública burguesa. O espetáculo que se representava fora dos palcos estava absolutamente integrado à burguesia da época que cultivava hábitos de gosto europeu.
A constante presença do Imperador D. Pedro II e sua família nos espetáculos teatrais ratificava a ampliação desta esfera pública, fortalecendo a tese de Habermas.
Em 1884, o Ginásio Dramático estava desativado. Idealizado por um francês, para um público francês, encenando peças de autores franceses, buscava reproduzir para um Rio de Janeiro amante dos modelos civilizatórios vindos da França um teatro inspirado em parâmetros daquele país.
O Teatro São Luiz
A segunda importante sala de espetáculos que existiu na rua São Francisco de Paula, atual rua do Teatro, durante o segundo Reinado, foi o Teatro São Luiz, de alguma forma rival do Ginásio Dramático, pois disputava com ele o mesmo público amante do teatro parisiense. Inaugurado em janeiro de 1870, o prédio contava, à semelhança do seu vizinho, entrada pela rua Sete de Setembro, o que facilitava o acesso da família real em noites de espetáculo.
Em fins de 1879, precisou de reparo e passou por modificações, sendo reaberto em 1880 com o nome de Teatro Politeama Fluminense, permitindo esta nova reforma a apresentação de óperas. Foi efêmera a duração desta casa pois, em 1894, sofreu um incêndio e não mais reabriu.
O Cassino Franco-Brésilien
O atual Teatro Carlos Gomes ocupava a parte dos fundos do Hotel Richelieu, na esquina da Rua do Espírito Santo, atual rua D. Pedro I. Foi inaugurado no dia 1 º de fevereiro de 1872, com o nome de Cassino Franco-Bresilien. Fechado pouco depois para obras, foi reaberto em 1880 com o nome de Santa Ana em homenagem à esposa do proprietário, Pedro Ferreira de Oliveira Amorim.
Uma das poucas manifestações de rua que precederam a República teve por cenário o Rossio, mais precisamente o Teatro Santa Ana, quando, na noite de 11 de junho de 1889, o Imperador D. Pedro II compareceu a um concerto de violino de Julieta Dionesi.
Na platéia escutou-se um Viva a República! não correspondido por ninguém. À saída, diante da Maison Moderne, um rapaz mal vestido pretendeu alvejar o Imperador em sua carruagem, explicando depois à polícia que seu gesto fora causado por um violentíssimo artigo de um jornal republicano, lido horas antes num café …
No ano de 1904, a empresa Pascoal Segreto adquiriu o Santa Ana e quando este reabriu já trazia o nome de Carlos Gomes. Isso aconteceu no dia 26 de janeiro de 1905 com a Companhia de Cristiano de Souza e Dias Braga, seus artistas principais.
Ainda nesse tempo o teatro ficava afastado da rua. Tinha à sua frente largo pátio mobiliado com cadeiras e mesas de ferro. Sobrevivendo a dois incêndios, funcionou como cinema durante muitos anos, sendo finalmente reconstruído, em 1934, em estilo Art Déco. É o terceiro maior teatro da cidade, só superado pelo Municipal e João Caetano.
O Politeama Fluminense
Situado na rua do Lavradio, foi fundado em 1876. Trata-se de outra casa de espetáculos que exibia, além de grandes companhias líricas, espetáculos equestres e de ginastas, tendo sido projetada pelo engenheiro Francisco Justin. Era do tipo de casa de espetáculos denominado na época de edifício campestre, ou seja, edifício construído em centro de terreno, apresentando varandas para o exterior e rodeado por jardins, segundo descrição de Morales de los Rios Filho.
Na época de sua inauguração, destinava-se provisoriamente a espetáculos circenses. Em 1879 foi submetido a ampla reforma, tendo sido construídos nesta ocasião o palco, a plateia e os camarotes.
Abrigou deste momento em diante companhias líricas, tendo capacidade para três mil espectadores. Um incêndio o destruiu em 1894, durante uma apresentação da ópera O Rigoletto, extinguindo-se neste momento um dos redutos da arte cênica na rua do Lavradio.
O Varietés
Situava-se também na rua do Espírito Santo e foi fundado em 1877. Muda diversas vezes de nome: Variedades em 1878, Recreio Dramático e finalmente Recreio em 1880. Foi demolido em 1940.
Dizia o Almanack Laemmert, em 1896, a respeito deste teatro, na época chamado de Recreio Dramático: este bonito teatro campestre é dos mais bonitos e ventilados e tem em seu âmbito toda confortabilidade exigida para os tempos calmosos. Lafaiette Silva descreve a sala como: oblonga, aproximando-se de um semicírculo, em torno do qual corriam duas galerias sobrepostas, podendo-se de todos os pontos ver o palco.
Esta opinião não é compartilhada por outros cronistas da época, como por exemplo Luiz Edmundo, que assim se refere à casa de espetáculos:
O Recreio Dramático, com pretensões à jardin-d’eté, lembra uma estalagem, dentro de um jardim empedrado, sem flores e quase sem plantas,onde há chalés que se alugam a tanto por mês( .. ) No jardim, alegrado, onde chega de vez em quando o afinar monótono e insistente dos instrumentos da orquestra, há uma bica velha, aflita e mal fechada, sem um copo, sem uma caneca de folha para o espectador que não quer beber a cerveja do botequim.
Apesar das críticas, este mesmo cronista admite a alta frequência e a preferência dos que ali vão em busca de cocottes, considerando-se ser este teatro muito procurado pelo que então se denominava de alto madamismo, termo que define o local onde as madamas desfilavam, representando tal como artistas de além cena, exibindo toaletes escandalosas.
O Lucinda
Situava-se na rua do Espírito Santo, hoje D. Pedro I. Foi fundado em 1880. Teve diversos nomes como: Novidades, em 1882, Lucinda, novamente em 1884, e, finalmente Éden-Concerto, em 1887. O Lucinda, próximo à Rua do Senado, foi palco também das brilhantes noites do Rio antigo. Era de propriedade do empresário Furtado Coelho, que o abriu ao público na noite de 3 de junho de 1880, com a peça de Emílio Augier, O Casamento de Olímpia. Recebeu o nome de Lucinda em homenagem à esposa de Furtado, Lucinda Simões, das mais brilhantes artistas do seu tempo no Rio de Janeiro.
Por este teatro passaram muitos artistas de renome e muitas peças foram exibidas ao público. No seu foyer encontravam-se todas as noites, jornalistas, escritores do maior prestígio na época, como Machado de Assis, Joaquim Serra, Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiuva, Ferreira de Araújo, Artur Azevedo, Moreira Sampaio e muitos outros. Não existe mais hoje em dia.
O Príncipe Imperial
Situava-se na Praça da Constituição, atual Tiradentes. Surge com o nome de Príncipe Imperial, fundado em 1881, pelo Dr. Roberto Jorge Haddock Lobo, e estreia com a peça de Eduardo Garrido, O solar do Rocha Azul. A denominação de Príncipe Imperial durou pouco. Em fevereiro de 1886 passou a ser Éden-Theatre, em maio do mesmo ano, Éden Fluminense, no ano seguinte, Recreio Fluminense, em 1888, Varietés, inaugurado com a peça Le Canard a Trais Becs.
Já no ano imediato passou a outro dono, que traduziu o título para Variedades. Depois foi Brasilian Garden. Em 1890, teve novo proprietário, Guilherme da Silveira, que o reformou e o reabriu, já com o nome de Recreio Dramático, depois Moulin Rouge, com seu moinho simbólico, pintado a vermelho e em tudo igual ao famoso Caf Conc de Montmartre, erguido junto à Place Pigalle, em Paris. Finalmente, desde 1903, São José. Foi no saguão do São José que, após um incêndio, o bailarino Duque (Antônio Amorim Diniz) montou a sua Casa de Caboclo, um conjunto teatral destinado a oferecer espetáculos de gênero regional. Terminou seus dias demolido em 1985, funcionando nos seus últimos tempos como cinema e salão de bailes de carnaval.
Aqui vale outra nota da editora. Duque, o empreendedor da casa de entretenimentos mencionada no parágrafo acima foi quem teve a ideia de levar Pixinguinha e os Oito Batutas para Paris.
A Maison Moderne
Outra casa de espetáculos devida a Pascoal Segreto foi a Maison Modérne, fundada, em 1890 na esquina da Praça com a Rua do Espírito Santo, atual rua D. Pedro I. Era mais propriamente um café-concerto do que um teatro, na expressão real do termo, pois para teatro faltavam-lhe características imprescindíveis. Marcou a estreia da casa a comédia-revista O Rio por um óculo, em um ato, de autoria de J. Teixeira, que foi recebida com agrado. Na parte descoberta do terreno havia vários divertimentos populares corno roda-gigante, tiro-ao-alvo, bola ao cesto e toda a classe de jogos permitidos.
Urna das pitorescas iniciativas de Pascal Segreto foi urna charanga por ele organizada, que todas as noites, pouco antes das 19 horas, partia de um palanque armado no parque da Maison Moderne e percorria a Praça Tiradentes em toda a sua volta, ao som de um dobrado festivo, e retomava ao mesmo lugar para então ter início a retreta noturna.
Esse passeio, essa música curiosa, servia também para avisar ao público das funções nos teatros da empresa. Foi a Maison Moderne que abrigou o primeiro grande comício operário carioca, já sob a influência da revolução russa de 1917, isso em 1º de maio de 1918.
Nele se exibiram cartazes contra a guerra e a carestia, que realmente de uma terrível carestia da vida estavam padecendo as camadas mais pobres da população, produto dos primeiros desequilíbrios entre os salários modestos dos trabalhadores e os preços dos gêneros, que nos últimos meses da guerra começavam a subir rapidamente, para logo dar motivo à primeira greve geral de características algo insurrecionais da cidade.
O Maison Moderne, a exemplo dos demais, possuiu diversos nomes em diferentes épocas: Cinema Moderno e Teatro Apolo, em 1938. Foi demolido em 1940.
O Apolo
Fundado em 1890 pelo ator Guilherme da Silveira, situava-se na rua do Lavradio, número 40, em terreno da antiga chácara do Barão do Flamengo. Foi assim definido pelo Almanak Laemmert:
Este bonito teatro de construção sólida e elegante é um dos mais aprazíveis e ventilados. Tem um grande Jardim onde se acha um buffet que está em condições de bem servir aos frequentadores. A sala é vasta e pode comportar mais de 1500 pessoas. Tem uma ordem de camarotes, tribuna
nobre, camarote de policia, conservatório, lugar para quatrocentas cadeiras na plateia e uma vasta galeria.
Pelo que se deduz de crônicas e críticas da época, o Teatro Apolo era um dos melhores da área da Praça Tiradentes. Apresentava sempre companhias portuguesas de operetas e revistas, porém sua grande glória foi ter recebido a artista Sarah Bemardt em sua última exibição no Brasil. Seu projeto foi de autoria do arquiteto Morales de los Rios, que informado das possibilidades técnicas da revolução industrial, utilizou em sua construção estrutura de ferro importada. Possuía obras de arte admiráveis, como seu pano de boca, e a descrição de cronistas, como Lafaiette Silva nos leva a perceber que esta casa de espetáculos tinha categoria para receber atores que brilhavam nos palcos europeus.
O Éden Lavradio
Fundado em 1895, situava-se na rua do Lavradio número 96, e foi inaugurado pela empresária e atriz Pepa Ruiz com a revista Tim fim por fim tim de Sousa Bastos. Carlos Emygdio, em artigo de fevereiro de 1928, ressalta a importância histórica do estabelecimento, comentando que teve uma existência efêmera mais cheia de glórias. Vários artistas do teatro ligeiro que conseguiram fama, começaram sua carreira no Éden Lavradio. Foi adquirido mais tarde pela prefeitura, instalando-se no mesmo prédio, após remodelação, a Escola Profissional Sousa Aguiar.
O High-Life
Fundado em 1900, situava-se na rua do Lavradio número 49. De construção muito precária, foi logo substituído pelo Teatro Folies Bergere, também de construção frágil e objeto de exigências da municipalidade no que se refere à ventilação, à cobertura dos camarins, ao asfaltamento e levantamento do nível do piso dos mesmos. As exigências de Pereira Passos, em 1904, existentes no Arquivo Geral da Cidade, demonstram que a construção era muito mal edificada, provisória e teve curta duração.
O Cine Teatro Chantecler
Fundado em 1911 na Avenida Visconde do Rio Branco 53/ 55, foi um dos estabelecimentos que, com o advento do cinematógrafo, utilizava-o também como atrativo de público. Sua inauguração, em 13 de maio de 1911 deu-se com a opereta de Costa Júnior A saia calção, com enredo de Gastão Bousquet. Possuiu diversos nomes como: Cinema Max, em 1914, e Cinema Olímpia, em 1917. Tinha capacidade para 350 espectadores, tendo significado um ponto de lazer bastante concorrido nos arredores da praça Tiradentes.
Cine Teatro Rio Branco
Fundado em 1911 na Avenida Gomes Freire número 13/ 21. Apesar de ter sido idealizado como cinematógrafo, exibia também peças teatrais. A pouca iconografia existente no Rio de Janeiro referente aos espaços interiores dos primitivos cinematógrafos permite verificar que os primeiros estabelecimentos eram, na verdade, grandes salões equipados com cadeiras de palhinha e madeira, dispondo de salas de espera separadas para as primeira e segunda classe de espectadores. Somente na segunda década do século XX é que seria introduzida uma arquitetura de espetáculos que não abandonou o modelo do palco italiano, porém prestou-se à exibição de filmes, em paralelo com as peças teatrais.
Teatro República
Inaugurado em 1914 na Avenida Gomes Freire número 82. Foi inaugurado, em 31 de julho pela companhia Italiana Vitale. A conceituada atriz Itália Fausta nele atuou. Foi reformado em 1936, reabrindo a partir deste ano após longo período fechado. Afonso Morales do los Rios Filho nos informa que o República possuía vastas proporções, porém ostentava um estilo árabe que segundo ele era de muito mau gosto. Entre maio de 1944 e janeiro de 1949, funcionou como cinema. Posteriormente no mesmo local foi edificado um prédio que se transformou em estúdio de televisão nos anos 60.
OS CAFÉS E RESTAURANTES DA PRAÇA TIRADENTES
A atual Praça Tiradentes foi sempre, desde que a cidade se estendeu para além da Rua Uruguaiana, um dos pontos mais movimentados do Rio de Janeiro. Ali, além dos teatros, no interior dos cafés e restaurantes reuniam-se à noite escritores, artistas, jornalistas, que constituíam a roda boêmia de meados do século passado até meados do atual.
Três fatores desempenharam papel de indutores no processo de urbanização da Praça Tiradentes, transformando-o em polo de lazer: a ampliação da esfera pública: a ocupação da praça por teatros, clubes e cafés, e a centralidade do local em relação às outras áreas da cidade, em decorrência da instalação de terminais de transportes coletivos conforme nos descreve Lima.
O surgimento dos cafés foi básico para a ampliação da esfera pública e eram neles os locais de atuação dos literatos. Até o final do século XIX, a frequência era quase que exclusivamente masculina. Mais tarde, na Belle-Époque, os salões gradativamente passariam a contar com a presença feminina, que pouco a pouco participaria fortemente da vida intelectual da cidade, conforme ocorreria nos salões de D. Laurinda Santos Lobo e de D. Nair de Teffé, nos diz Lima.
O Stad Müncbe
Famoso foi o restaurante Stad München, na esquina da Praça com a Rua Silva Jardim, com suas noitadas alegres, cheias de risos e músicas. Assim nos informa Brasil Gerson:
Na esquina da Travessa da Barreira, no lugar onde se construiria a casa que serviu para a Maison Desiré e o Stadt Munchen, ficava a botica do Juvêncio, do liberal Juvêncio Ferreira, ponto de reunião e discussão de políticos de diferentes tendências. Entre seus visitantes destacavam-se
Evaristo da Veiga e os Generais Polidora e Caxias, ainda jovens oficiais.
O Stadt München funcionava pela madrugada a dentro por causa dos artistas dos teatro próximos e dele também eram fregueses assíduos Emílio de Menezes, Bilac e seus amigos.
O Vila de Barcelo
Alcançou também grande popularidade na época (1890 – 1930), o restaurante Vila de Barcelo, situado na Rua do Teatro São Pedro. Casa especializada em petisqueiras portuguesas, contava com numerosa afluência de gente de todos os matizes. Grande movimento tinha seus gabinetes reservados, onde os fregueses, geralmente casais, serviam-se com tranquilidade, longe de olhos curiosos. Para o intenso movimento do local muito concorreram as casas de diversões ali estabelecidas: gafieiras, bilhares, jogos de toda sorte, compondo a vida noturna carioca da época e que ainda perdura até hoje.”
O Largo da Carioca
“O chefe da polícia pelo telefone manda lhe avisar que na Carioca tem uma roleta para se jogar”.
Quem não conhece este verso do primeiro samba gravado no Brasil, em 1916, Pelo Telefone? Composto por Ernesto dos Santos, Donga, violonista que viria a fazer parte da primeira formação dos Oito Batutas, e registrado por este, inicialmente, anos depois ganhou parceria do jornalista Mario de Almeida.
O largo fica ao lado da rua da Carioca, mas antes foi chamada de Caminho do Egito e rua do Piolho. O nome Carioca foi dado a partir de 1848, por deliberação da Câmara Municipal da Corte, (Diário do Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1848, terceira coluna).
Para celebrar o dia de São Sebastião, padroeiro do Rio de Janeiro, a série “Avenidas e ruas do Brasil”, produzida pela Brasiliana Fotográfica, publicou em 2021, um artigo do jornalista e caricaturista Cássio Loredano – um apaixonado pelo Rio de Janeiro e suas histórias –, como apresenta o autor uma nota da própria série.
No artigo, Lorenado conta a origem da ocupação da rua, que se deu pelos ciganos degredados vindos de Portugal para o Brasil durante o período colonial, e do desenvolvimento do seu entorno e das ruas que ligavam o Largo à praça central daquela região, a Praça Tiradentes:
“Degredar foi em Portugal, desde o século XVI, uma das penas impostas a quem tinha contas a ajustar com a lei. E foi disso que se lembraram por lá quando, no início do Setecentos, pretenderam se ver livres de uma gente incômoda que em toda a Europa e ao longo de séculos era alvo de ondas recorrentes de antipatia, segregação, preconceitos e perseguições, – os ciganos: mandar para o Brasil. E no Rio de Janeiro, como eram “intocáveis”, em grego athígganos, isto é, que não queriam e, mais do que não quererem, eram proibidos de contato com cristãos, foram armar suas barracas fora dos estreitos limites municipais de então: lá para os lados do Rocio grande, na época Campo da Cidade, e numa rua que a partir dele se formou e se chamou rua dos Ciganos. O próprio campo passou a ser então também chamado dos Ciganos.
Que são as atuais rua da Constituição e praça Tiradentes. O acesso a esse campo se dava pelo que é hoje a rua da Carioca e era um tortuoso “caminho que pelo areal passa pelo pé do outeiro de São Francisco (Santo Antônio)”.
Essa hesitação na toponímia se deve a que Santo Antônio de Lisboa era franciscano. Saiu a pé para a Itália, onde ingressou nessa ordem, se fez doutor e lecionou Teologia em Bolonha. Foi canonizado como Santo Antônio de Pádua, cidade em que morreu. Era soldado honorário do exército português e, quando o Rio foi atacado em 1710 por um pirata francês, Jean-François Duclerc, tiveram a ideia de tirar sua imagem do frontão da igreja e colocá-la em cima do muro do convento para inspirar os defensores da cidade. A isso atribuído o êxito da campanha, promoveu-se o santo a tenente-coronel e lhe outorgaram a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo. Quando, um ano depois, outro pirata, René Duguay-Trouin, veio vingar Duclerc, que tinha morrido no Rio, não houve santo que evitasse a nódoa que ficou no brasão da cidade.
Em 1967, dois anos depois o do 4º centenário da, com nódoa ou sem nódoa, “mui heróica e leal” São Sebastião do Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, IHGB, publicou um preciosíssimo Atlas da evolução urbana da cidade, de Eduardo Canabrava Barreiros. São vinte e duas pranchas em que nos passa sob o olhar tudo o que houve com o plano municipal ao longo de quatrocentos anos: abertura de caminhos, ruas e praças, desmontes de morros, aterros de lagoas, charcos e perfis litorâneos, etc.
A prancha 10 do atlas, que tem por base uma planta de 1713, de José Massé, ensina que aquele “caminho do areal” passara a se chamar Caminho do Egito. Em sua História das ruas do Rio, Brasil Gerson levanta a possibilidade de ter havido em algum ponto do caminho um oratório com a imagem da fuga de Maria, José e o Menino para o Egito para escapar ao infanticídio decretado por Herodes. Muito mais plausível, embora não se conheça documento que o comprove, é que se chamasse do Egito por conduzir ao campo dos Ciganos, como está no último romance da pentalogia carioca de Alberto Mussa, A biblioteca elementar, de 2018.
Em algumas línguas, português, italiano, alemão, manteve-se a palavra grega que Bizâncio usou, athígganos, como derivação para cigano, zíngaro, Zigeuner (tsigóiner). Esses nômades originários da Índia tinham entrado na Europa com as invasões mongóis do século XIII e subido até a Boêmia pelo vale do Danúbio. Outro itinerário de entrada teria sido via Egito, e isso diziam os próprios ciganos, o que originou as palavras por que foram chamados em outras línguas. Em castelhano, gitanos, de egiptanos. Em francês, além do empréstimo tomado ao castelhano, gitans, também égyptiens ou bohémiens, dependendo de se tinham chegado pelo Mediterrâneo ou descido pelo continente, – e Victor Hugo pode numa mesma página de Notre-Dame de Paris chamar sua Esmeralda de bohémienne ou égyptienne. Em inglês, simplesmente gypsys ou gipsys.
Ora, os degredados do campo dos Ciganos diziam que tinham entrado na Europa passando pelo Egito e é mais plausível que por isso a rua tenha se chamado assim do que pelo oratório imaginado por Brasil Gerson.
Tom Jobim dizia que o Brasil não é para principiantes. Aqui, prostitutas se apaixonam e traficantes se viciam. E cigano se fixa, cigano se estabelece. E o mesmo Brasil Gerson nos conta como alguns deles ganharam dinheiro com o negócio negreiro no Valongo e deixaram seus acampamentos para vir morar dentro dos limites da cidade. Na rua do Piolho, como tinha passado a se chamar o caminho do Egito, segundo o mapa de André Vaz Figueira, de 1750, base para a prancha 12 do atlas de Canabrava Barreiros.
“Piolho” era como a vizinhança chamava um solicitador da época, cujo nome a história esqueceu, apelido que se dava a gente que como ele vivia escarafunchando arquivos e cartórios em busca de questões de que pudesse tirar proveito. “Piolho das roupas”, “piolho em costura”. Algo como hoje muquirana (aliás o nome do piolho em tupi), parasita, sanguessuga.
No começo, o caminho do Egito só tinha casas do lado direito de quem vai para o campo. Do lado esquerdo, só havia uma cerca que separava da cidade os domínios dos franciscanos. Mas quando a ordem terceira de São Francisco da Penitência construiu seu hospital no sopé do morro, detrás dele ficou aberto o espaço em que se fizeram as casas do lado esquerdo e a rua do Piolho passou a tê-las dos dois lados. O “Piolho” tinha na rua a casa em que morava e mais três que alugava.
Na Planta Régia mandada fazer em 1808 pela casa real que chegara ao Brasil naquele ano, a rua ainda se chama do Piolho, mas o campo é da Lampadosa, por causa da igreja dessa virgem que havia (e há) na rua do Sacramento, atual avenida Passos. Nessa igreja o Tiradentes teve licença de ouvir uma missa antes de ser levado ao patíbulo que estava para ele armado no centro do campo.
Em 1723, tinha sido mandada aterrar uma lagoa, às vezes só charco, emanação de miasma e criadouro de mosquitos que havia embaixo, defronte ao convento de Santo Antônio (como se vê no mapa acima, diante do convento assinalado pelo quadrado preto). Naquele espaço se construiu o primeiro chafariz “da Carioca”. De suas 16 bicas despejava a água que os velhos arcos construídos pelo governador Aires Saldanha traziam da nascente do rio Carioca pelos altos de Santa Teresa. Depois, Gomes Freire, também governador, mandou subir o maravilhoso monumento que são os Arcos da Lapa, com o idêntico propósito de vencer o vale entre os morros de Santa Teresa e Santo Antônio, trazendo a água para um novo, enorme chafariz de agora 35 torneiras. E largo da Carioca passou a se chamar o espaço do antigo viveiro pestilento aterrado. (Como “da Carioca” se chamara lá atrás o caminho que levava até a foz do rio Carioca, na atual praia do Flamengo, onde se fazia a aguada, o reabastecimento de água doce a bordo das embarcações que estavam fundeadas na baía. Quando a rua do Cano, atual Sete de Setembro, e o chafariz do Mestre Valentim puxaram a água até o largo do Paço, a aguada dos marinheiros passou a se fazer com muito maior comodidade, no cais Pharoux.)
A rua do Piolho, que ganhou a importância de ser o acesso de quem morava lá fora à água do chafariz, passou com o tempo a ser também chamada de rua da Carioca, como consta na planta Garnier, de 1859, prancha 16 do atlas do IHGB. Nela, o campo da Lampadosa tinha mudado de novo de nome, praça da Constituição. Sempre se disse que o novo nome comemorava a primeira constituição do Brasil independente, de 1824. Brasil Gerson avança, porém, a informação de que isto foi porque na praça, dia 26 de fevereiro de 1821 – e apenas dois meses antes de seu embarque de volta a Portugal, a 25 de abril – d. João VI jurou “as bases da futura Constituição a ser votada pelas Cortes de Lisboa”. A República rebatizou outra vez o velho campo: praça Tiradentes.
No começo do século XX, a administração Pereira Passos tornou o velho caminho uma rua reta, alargou-a, arborizou-a e a tornou importante eixo de ligação centro-norte da cidade, com suas “colegas” lá na frente, Visconde do Rio Branco, Frei Caneca, Salvador e Estácio de Sá, Haddock Lobo e por ali adiante. Depois, ganharam a concorrência brutal da Presidente Vargas. A rua manteve um charme que foi devagar se degradando e entrou na depressão que agora está atravessando e que se comunica a seus frequentadores mais antigos.
Em 1862, instalou-se no centro da então praça da Constituição o primeiro e possivelmente o mais belo bronze da cidade, a estátua equestre de Pedro I, esculpida e fundida em Paris nas oficinas de Louis Rochet. O imperador está brandindo um calhamaço que seria a constituição de 1824, origem da tal confusão que se criou com a afirmação de Brasil Gerson.
2020
Da praça que emoldura o monumento, três quartos das portas estão arriados, a maioria – por causa da pandemia – definitivamente. Na face entre a rua da Carioca e a Visconde do Rio Branco estão os dois hotéis da esquina da rua Silva Jardim: o decadente e o moderno da cadeia Ibis. Há depois uma loja de ferragens e “sebo” mais nenhum. O Teatro Carlos Gomes está obviamente fechado e o quartel da polícia foi abandonado. Do lado onde funcionou o lendário dancing Estudantina Musical, estão o palacete do visconde do Rio Seco, imponente e restaurado, e seu vizinho moderno, ambos abrigando agora o Centro de Referência do Artesanato Brasileiro. Depois, só mais a tradicional loja Tic-tac, sapataria nos três sentidos: indústria, comércio e reparo de sapatos e consertos gerais. O resto, até a rua da Constituição, é deprimente, doze portas de aço fechadas, enferrujando.
Dessa rua da Constituição, há quatro anos, saem, passam pela praça e se enfiam pela rua Sete de Setembro os trilhos da linha 2 do VLT, tetrassílabo tolo, quando se tem bonde, delicioso brasileirismo quase monossilábico. Desse lado da praça, funciona um pequeno supermercado. A casa onde morou a cantora Bidu Sayão foi restaurada e abandonada. Na esquina da rua da Imperatriz há um café e restaurante novo, bastante simpático. Na pequena quadra dali até a avenida Passos funcionou no século XIX a tipografia e editora do grande Francisco de Paula Brito, aliás nascido na rua do Piolho, primeiro empregador de um certo Quincas, jovem revisor, por extenso Joaquim Maria Machado de Assis. Hoje ali não há mais nada e o outrora imponente casarão da esquina da avenida é uma perigosa ruína. O Teatro João Caetano está também sem função. Na face entre a rua do Teatro e a da Carioca existe uma caixa de fósforos estreita e comprida, de 31 andares, isolada e horrorosa, o Edifício Centro Paulista. Fora isso, mais nada. Uma filial da Adega do Pimenta, de Santa Teresa, está fechada.
Entremos então pela rua da Carioca. Mais ou menos metade das portas também está fechada. Do tradicional polo de lojas de instrumentos musicais ainda resistem oito, mas não mais nem A Guitarra de Prata, nem O Bandolim de Ouro. Das de malas ainda existem quatro. De guarda-chuvas, uma só e só uma de chapéus de sol e cadeiras de praia.
Do lado esquerdo de quem está indo para o Largo da Carioca, está a metade do que foi a fachada do Cinema Ideal, com sua marquise de vidro sustentada por belo artesanato de ferro art déco. A sala tinha o luxo de um teto retrátil para noites limpas de verão. A seguir, chega-se a uma simpaticíssima servidão de passagem para a rua Sete de Setembro, rua do Verde, inteiramente dedicada a comércios de plantas; e uma filial do paraíso, a loja do Palácio das Ferramentas. Na esquina de Ramalho Ortigão existiu muito tempo um lindo armazém do tipo da Casa Paladino, na rua Uruguaiana, ou o do Senado na Gomes Freire e o Gomes de Santa Teresa. Pé-direito altíssimo, mobiliário até o teto em madeira escura entalhada e portas de cristal, balcões, prateleiras e gôndolas com milhares de garrafas de toda aguardente imaginável, compotas, rapaduras envoltas em folhas de bananeira secas ou palha de milho. Bar Flora. Agora na esquina, no espaço de um terço do que era, está um bar com graça zero, tudo de fórmica, em que pessoas engolem de pé e depressa uma fritura massuda qualquer com qualquer refresco para ajudar a descer.
No sobrado do nº 38 – magnificamente restaurado, deixando à mostra por dentro a antiga alvenaria de pedra e argamassa à base de óleo de baleia -, funcionava até a pandemia e reabrirá depois dela a Casa do Choro, iniciativa de Luciana Rabello, reduto da melhor música instrumental da cidade.
Mas atravessemos a rua. No pequeno edifício estreito do nº 59, ocupou um andar a última redação do Pasquim, em que, praticamente sozinhos, Jaguar e Reinaldo “casseta” levaram o barco até o fim. O segundo andar do 53 foi o lendário restaurante Zicartola. Os donos, Cartola e sua mulher Zica, a chefe da cozinha, moravam no andar de cima. O local tinha um espaço em que se apresentava a nata do universo do samba carioca – e onde Hermínio Bello de Carvalho concebeu o espetáculo Rosa de Ouro, de 1965. O Zicartola foi o primeiro palco de Paulinho da Viola.
Seguindo: Cinema Iris. Em 1973, o patrimônio fechou, para restaurar sua arquitetura eclética e a bela escadaria de ferro que leva ao balcão, a sala que exibia filmes pornô, – mas em que o mais picante não se passava na tela. Na reinauguração, houve uma concorridíssima festa, com público nada a ver com o que habitualmente frequentava suas poltronas. Cinema mudo a noite toda, animado pela orquestra de Nicolino Coppia, o maestro Copinha. Dali, saiu todo mundo para o Bar Luiz. No dia seguinte, o Iris já tinha voltado à velha batida. Esteve fechado desde março por causa da pandemia, mas reabriu agora em setembro. “O melhor do Rio em filmes eróticos” é o orgulhoso aviso que recebe o público: “três filmes pornô” por 20 módicos reais.
O Bar Luiz, antes de vir para a rua da Carioca, 39, fora na rua da Assembleia, de um alemão chamado Wendling. Quando se mudou, veio como Adolf, Bar Adolf. Óbvio, na guerra foi obrigado a mudar. Passava por ter o melhor chope da cidade, mesmo quando a cozinha já não era mais nada do outro mundo. Até que alguns anos atrás um novo dono tivesse a infeliz ideia de tirar a chopeira da Brahma e botar a da cervejaria Sol. Pronto: debandada geral. Ninguém mais ia lá – e agora, ainda por cima, veio a pandemia. O bar foi reaberto com menos mesas, mas as mesmas toalhas imaculadas dando destaque às belas cadeiras pretas tipo austríacas. O chope voltou a ser Brahma. Mas o estrago que se conseguiu num dia pode levar anos para ser reparado, – se é que será possível reparar.
Desse lado impar, do Bar Luiz até o Largo da Carioca, há ainda uma loja de roupas masculinas, outra de artigos esportivos, uma sapataria e as lojas de artigos de praia e malas, mas não mais a Mala Carioca, a Mala Inglesa ou A Mala Amada. E uma loja maluca, O Rei das Facas, cutelaria que é também armeiro – espadas decorativas, lanças, fuzis, pistolas, munição -, loja de ferramentas e ferragens, aqueles velhos moedores de carne caseiros, manuais, panelas de ferro, máquinas também manuais de esticar massa de pastel, penicos de ágate etc.
Entre esses poucos negócios, tudo portas de aço arriadas.
E assim chegamos ao Largo da Carioca, presidido pelo Convento e a Igreja de Santo Antônio e a da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência – pequenina preciosidade inteiramente forrada de ouro -, no alto do pouco que restou do Morro de Santo Antônio.
Na área que foi desmontada, abriu-se a “esplanada das estatais”, Petrobrás, BNDES, BNH. No centro do largo continua o velho relógio, que ficou anos parado e recentemente voltou a funcionar. No subsolo, a estação Carioca do metrô, cuja obra demoliu a loja de discos Palermo, que aparece no filme Garrincha, alegria do povo, de Joaquim Pedro de Andrade: Mané consultando as bancadas de LPs. Lá no fundo, o edifício do Liceu Português, na esquina de Senador Dantas, e à esquerda, na de Bitencourt da Silva, os fundos da Caixa Econômica e do premiado edifício modernista de Henrique Mindlin, o Avenida Central.
Uma banca de jornais vende mapas e painéis de anatomia daqueles de antigas salas de aula. De vez em quando aparece um vendedor de panaceias em garrafadas, um sujeito com cobras, engolidores de fogo. Um homenzinho de Bíblia em punho anuncia para a indiferença geral o final dos tempos.”
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Foi neste ambiente que nasceu o conjunto Os Oito Batutas, tocando num coreto, e dali representariam o Brasil enquanto artistas, músicos na primeira viagem de negros brasileiros à Europa dentro deste contexto social.
No próximo artigo vou falar sobre João Pernambuco e Pixinguinha, e a Gênese dos Oito Batutas.
Acompanhe a série O centenário dos Oitos Batutas na França e na Argentina, aqui na Revista do Choro.
Fontes
Série Ruas do Rio, da TV MultiRio
O Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes: sua importância e complementaridade na vida pública e cultural do Rio de Janeiro – 1808 – 1920”, Angela Tâmega Menezes
Série “Avenidas e ruas do Brasil” VIII – A rua da Carioca por Cássio Loredano