A SAGA DE PIXINGUINHA SE MUDANDO DE CASA DURANTE QUASE TODA A VIDA


Leonor Bianchi

Minha situação habitacional atual me fez lembrar do Pixinguinha e de sua companheira Albertina Pereira, mais conhecida como Betty, e como Jandira Aymoré no tempo em que atuou como atriz na Companhia Negra de Revistas, onde conheceu Pixinguinha, que durante o tempo em que foram casados, precisaram fazer diversas mudanças de casa por causa da condição financeira do músico, que infelizmente era precária e o obrigava a viver de galho em galho.

PEREGRINAÇÃO

A peregrinação do casal começa quando se casam, em 1929. Primeiro foram morar de aluguem. dez anos mais tarde, Pixinguinha comprou uma casa em Ramos (RJ), na Rua Belarmino Barreto, N. 23. Para sair do aluguel, ele assumiu uma dívida de 35 contos de réis, com uma entrada e o restante a ser pago à prestação. A casa foi quitada em 1948.

 

Pixinguinha e a sua casa na Rua Belarmino Barreto (atual Rua Pixinguinha) no bairro de Ramos.

 

 

Pixinguinha e a sua casa na Rua Belarmino Barreto (atual Rua Pixinguinha) no bairro de Ramos

 

PLACA É ROUBADA NO DIA DA INAUGURAÇÃO

Anos mais tarde, em 30 de maio de 1956, a Rua Belarmino Barreto passou a ser Rua Pixinguinha. A homenagem foi feia pelo amigo Odilon Braga, um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN).

 

Placa da Rua Pixinguinha, em Ramos (RJ),

 

Revista Fon Fon, 8 de dezembro de 1956.

 

 

 

No dia da inauguração da Rua Pixinguinha uma grande festa foi preparada com direito a palanque e tudo mais, exatamente em frente à casa de Pixinguinha, Na época, o preferdo da cidade era Francisco Negrão de Lima, amigo de todos os boêmio e músicos que alí estavam, e durante a celebração arriscou até um samba no pandeiro.

Birinaite rolando frouxo e eis que de repente alguém notou que a placa de bronze feita para ser afixada no muro da casa com o nome Rua Pixinguinha havia sido roubada. Exatamente! A placa foi roubada durante a festa de inauguração! parece algo inacreditável, mas aconteceu.

Quem tocou no assunto depois da festa foi o editor da Revista da Música popular, Lúcio Rangel.

Só depois que fora feita uma nova placa é que finalmente a rua foi oficialmente chamada de Rua Pixinguinha com o adendo “musicólogo”.

Ninguém sabe quem deu esse “selo” de musicólogo a Pixinguinha, mas acredita-se que assim o fiz acreditando que dar ao maestro este nome poderia lhe render algum tipo de status do que chamá-lo de arranjador, músico, compositor, maestro. São os excessos da erudição neste país de esfomeados-iletrados-metidos-a-intelectuais.

 

DE RAMOS, UMA PASSAGEM RÁPIDA POR JACAREPAGUÁ

Passava-se o ano de 1969, auge da ditadura militar, e Pixinguinha, assim como muitos artistas e trabalhadores brasileiros, estavam sem trabalho em função da indústria da guerra, que avançava também para novas formas de entretenimento e estilos de vida onde o choro e a música brasileira não interessavam mais e estavam sendo deixadas de lado para dar entrada à música eletrônica vinda, sobretudos, dos Estados Unidos, para o Brasil. Sem trabalho, envolto e dívidas, e sem saber como pagar as contas, Pixinguinha conversou cm a esposa e ambos decidiram vender a casa da Rua Pixinguinha, em Ramos, o sonho do casal, e buscar uma outra moradia, num bairro ainda mais popular onde o metro quadrado fosse mais em conta para um novo aluguel, depois de anos já numa casa própria. O novo endereço deles passa a ser a Rua Pedro Teles, N. 423, em Jacarepaguá, numa casa de vila, alugada.

 

Pixinguinha e Betty na casa de Jacarepaguá.

 

SEGUE A SAGA PARA INHAÚMA

No ano seguinte, as coisas pioraram. Pixinguinha e Betty tiveram que se mudar novamente, desta vez para Inhaúma, mais especificamente para o Conjunto Residencial dos Músicos, bloco 10, apartamento 101. O Conjunto havia sido construído pela OMB, Ordem dos Músicos do Brasil.

 

Pixinguinha sorri ao lado de camaradas seus no conjunto residencial construído pela Ordem dos Músicos, em Inhaúma, onde passou a viver em 1970 (foto é de agosto de 1971).

 

 

 

 

 

ENTRE A DEISE E O GOVEIA

No novo lar, o encontro com músicos das antigas, como Bide e Bucy, amigos de toda a vida, Pixinguinha se sente em casa. O habito de frequentar diariamente o bar Goveia, no centro do Rio, não parou, e no novo bairro, o músico escolheu como ponto a Confeitaria Deise.

 

OS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA EM INHAÚMA

Seus últimos dias de vida, Pixinguinha passou em Inhaúma. O tempo certo foram três anos, dos quais, oito meses esteve na ausência de sua companheira Betty, que falecera em 1972.

Em 17 de fevereiro de 1973, Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, fez a passagem depois de sofrer um infarto, durante o batizado de mais um afilhado, filho do amigo Euclides Souza Lima. O local era a igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, muito distante do subúrbio onde o músico vivera sua vida toda.

 

E foi assim, que, de casa em casa, de galho em galho, morando sempre nos confins da cidade maravilhosa, muuuuito longe de onde passou a vida alegrando a rotina de ilustres personalidades, políticos e da aristocracia, que viveu Pixinguinha, um dos músicos mais competentes, criativos, humildes, generosos e geniais do mundo; brasileiro. Deu a sorte de não precisar ir morar na rua, como eu fui, falida, em função de estar sendo impedida de acesso ao trabalho, aos editais de cultura voltados para o choro, de atuação nos dezenas festivais de choro que acontecem toda hora, e da tamanha perseguição empreendida a minha pessoa no ambiente do choro, sobretudo, pela senhora Luciana Rabello, que não se conforma com a minha existência e com o fato de ser eu a criadora da revista que leva o mesmo nome da ‘casinha de boneca’ dela. Pixinguinha deu mais sorte ainda por ter amigos no ambiente do choro e pelo fato de ter nascido homem, o que já não aconteceu comigo. Infelizmente, mulher, sem um homem “fazendo frente ao meu lado”, e relatando tudo o que venho relatando neste podre ambiente da cultura popular brasileira, acabei sendo odiada pelos machsitas e as machistas-doninhos deste segmento da nossa cultura imaterial, que não gostaram nem um pouco de serem deflagrados em esquemas criminosos, como, por exemplo, o que eu deflagrei dentro do processo que está dando ao choro o registro de patrimônio cultural imaterial do Brasil, cometido pela Casa do Choro, Clube do Choro de Brasília, com apoio do Museu do Folclore Edison Carneiro (RJ) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

 

Pixinguinha na porta da Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema (s.d.).

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Author: imprensabr